O planejamento urbano e as políticas sociais são de responsabilidade exclusiva dos municípios e devem ser encaradas no contexto da prevenção à violência
por Regina Esteves*
No dia 1º de janeiro pudemos ver, nas ruas de todo o Brasil, centenas de milhares de pessoas vestindo branco e pedindo por paz. Palavra essa, que segundo o dicionário, significa “relação tranquila entre cidadãos; ausência de problemas, de violência”. E por mais démodé que ainda possa parecer, vestir branco e ir às ruas pedindo paz, principalmente na época em que vivemos, demonstra uma forte simbologia no que diz respeito à cidadania.
O país vive uma crise na área de segurança pública e é isso é o que mostra o Atlas da Violência 2019, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre 2007 e 2017, foram mais de 618 mil pessoas vítimas de homicídio, sendo 65 mil apenas em 2017, contabilizando uma taxa de 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes, o maior número da história de nosso país. Destes, mais de 35 mil eram jovens.
No entanto, segundo pesquisa recente do Datafolha, “não se faz segurança sem polícia, mas não se faz segurança apenas com polícia”. De acordo com os dados, a população entende que a repressão apenas, não dará conta da resolução do problema. Para 57% dos entrevistados, é mais importante investir em áreas sociais do que na segurança. O investimento em polícias é mais importante para 41% e 2% responderam que não sabem.
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Neste sentido, entra o papel dos municípios e a criação de políticas públicas focadas, principalmente, em prevenção, que têm contribuição essencial para a construção de soluções. O planejamento e ordenamento urbano e as políticas sociais, em seu nível básico de serviços ao cidadão, são de responsabilidade exclusiva dos municípios e devem também ser encaradas no contexto da prevenção à violência
E é com esta compreensão que a Comunitas vem desenvolvendo suas frentes de segurança, mobilizando um novo olhar sobre esta política no país e, especificamente, sobre o papel da gestão municipal na redução dos crimes violentos e da violência em geral.
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Isso porque, se considerarmos sua vocação e competência federativa, o município tem um papel importante principalmente na produção de informações sobre fatores de risco, com o objetivo de orientar políticas preventivas mais assertivas; Além de articulação de diferentes ações e atores em torno da agenda de segurança; e reorientação do papel da guarda com enfoque comunitário e atuação em questões não criminais e focalização de programas preventivos.
E, ao atuar em territórios tão distintos quanto Paraty (RJ), Niterói (RJ), Pelotas (RS) e Caruaru (PE) aprendemos institucionalmente duas lições importantes: o papel da liderança do gestor municipal em compreender a dimensão e centralidade da tarefa, bem como o papel crítico que a articulação intergovernamental assume quando se tem por objetivo reduzir a violência.
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Neste segundo aspecto, o plano municipal de redução da violência é essencial, pois ele traz a arquitetura e os compromissos políticos institucionais que a gestão municipal assume com a sua população e, fazendo isto, delimita as responsabilidades de todos os demais entes federativos que se articulam constitucionalmente para prover segurança à população.
No que tange a liderança do gestor, é importante que eu exemplifique duas ações de poderosa relevância e que podem, e devem inspirar outros territórios. Em Pelotas, liderada pela prefeita Paula Mascarenhas, e Caruaru, com a prefeita Raquel Lyra, temos dois projetos também apoiados pela Comunitas e, não à toa, sendo liderada por duas mulheres. É importante lembrar que o número de mortes de mulheres tem crescido cada vez mais e, ainda segundo o Atlas da Violência, 2017 teve 4936 mulheres assassinadas, maior número em 10 anos.
Em Pelotas, cidade pioneira das atividades, o Pacto Pelotas pela Paz reúne um conjunto de estratégias desenvolvidas para redução da criminalidade a partir de ações com a articulação e engajamento de todos os setores da sociedade. Já em Caruaru, o Programa Juntos entrou para apoiar e fortalecer o desenvolvimento do Plano Municipal de Segurança Pública – denominado Juntos pela Segurança, estruturado pela Prefeitura Municipal em 2017, através da incorporação de metodologias baseadas em evidências e a elaboração de protocolos das ações e qualificação dos servidores participantes.
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E para esse ano que se inicia, nos unimos com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e a Open Society Foundations – já parceira em outras ações, para pensar em casos como o do governo do Rio Grande do Sul e do Pará, que estão desenvolvendo o RS Seguro e o Territórios de Paz, políticas públicas estaduais de redução da violência. Nossos objetivos são colaborar com a melhoria da articulação interfederativa dos órgãos de segurança; e, para isto, cooperar com os municípios na construção de seus planos de segurança, para que sejam mais que um cumprimento de um requisito legal do Sistema Único de Segurança Pública. Assim, podemos contribuir para a elaboração de políticas efetivas, que devolvam à sociedade brasileira este bem tão precioso que é a segurança.
* Regina Esteves é diretora-presidente da Comunitas.
Postado originalmente no boletim informativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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