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As escolas deveriam ser um dos primeiros setores a retornar, afirma Wanderson Oliveira, ex-secretário do Ministério da Saúde

O Bate-Bola dessa vez é com o epidemiologista e ex-Secretário Nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira.

Wanderson é um dos especialistas disponibilizados pela Comunitas para governos nas decisões tomadas durante a pandemia – nesse caso, a retomada da educação no Estado de São Paulo. “Fui convidado para auxiliar no debate sobre o retorno seguro das atividades escolares, e como esse é um assunto que eu acredito e acho que precisa ser debatido francamente, ser colocado em pauta, até pelo bem da própria educação, eu aceitei”, explica o especialista.

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Confira abaixo a entrevista completa.

Comunitas – Qual foi seu primeiro diagnóstico quando você olha o cenário da educação e o andamento que estava a pandemia?

Wanderson Oliveira – A pandemia muda ao longo do tempo, não é uma situação linear. A gente não está vivendo hoje a mesma pandemia de fevereiro e março quando eu estava ainda no Ministério da Saúde.

De modo geral, historicamente, isso também na minha experiência, a escola acaba sendo o primeiro setor a ser fechado, seja pela facilidade e também pelo impacto que tem na mobilidade urbana, no trânsito e tudo mais, então as escolas acabaram sendo fechadas primeiros e estão sendo as últimas a serem reabertas.

Eu tenho criticado muito esse processo porque todos os países que realmente fizeram medidas nacionais, organizaram uma resposta, nenhum deles colocou a escola como o último setor. Os países sérios colocaram escolas como a primeira ou segunda fase de retorno, junto com outras atividades econômicas.

Você está fazendo um estudo que estabelece parâmetros de segurança necessários para o retorno dos alunos às salas de aula. Qual é a base que você está utilizando para fazer esse levantamento e o escopo?

Nós estamos fazendo uma parceria com alunos. Esse estudo nasce de uma provocação que a Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar) fez. Eu não tenho vínculo nenhum com a associação, nem eu nem o Fábio Jung que é o coordenador, nós dois estamos liderando o projeto.

Eles nos questionaram se existe a possibilidade de fazer a reabertura e, se sim, quais seriam os critérios e quando do ponto de vista científico seria possível retomar as atividades escolares com segurança. Com base nessa pergunta a gente começou a procurar informações na literatura indexada, isso significa que as revistas científicas são indexadas em grandes sites que organizam essas bibliotecas virtuais de tal maneira que você consegue fazer pesquisas estruturadas.

Além disso, nós estamos também olhando para a literatura cinzenta, que são informações oficiais, mas não indexadas como as revistas de países que adotaram medidas, então relatórios de consultoria, relatórios e protocolos dos países que adotaram medidas similares. E aí nós estamos olhando que momento foi que eles fizeram esse fechamento, em que momento fizeram a abertura, por quanto tempo permaneceram e quais foram os critérios adotados tanto para aqueles países que resultaram em medidas positivas, ou seja, fizeram a abertura e se mantém abertos ainda, até mesmo países que fizeram a abertura e que fizeram de modo inadequado como, por exemplo, Israel e África do Sul.

E nesse estudo você já chegou a fazer uma comparação com a situação do Brasil? Tem algum território específico daqui que você está olhando ou você está olhando em escala nacional ou estadual?

Eu estou trabalhando ajudando como colaborador da Comunitas ao Estado de São Paulo. No entanto, outros estados e municípios também têm solicitado apoio, como a Prefeitura de Teresina (PI) e a Secretaria de Saúde de Pernambuco. Eu presto consultoria para eles também, mas não pela Comunitas, mas sim como profissional independente.

Olhando para o cenário nacional, nós temos municípios no Brasil que têm condições de retornar, sim, além de outros municípios que já regressaram, como, por exemplo, Manaus (AM), que já retornou há mais de 30 dias e não teve alteração do padrão epidemiológico. Lá, eles estão já tanto com a escola privada quanto pública em pleno vapor, retornando gradualmente, adotando medidas de distanciamento social, testagem, estão é um resultado muito positivo o de Manaus.

Em São Paulo, houve a construção da metodologia do Plano São Paulo, que estabeleceu um sistema de bandeiras monitorar essa abertura e fechamento. Como esse sistema pode dialogar com o setor de educação e como tem sido realizada essa ponte?

Eu estava dizendo que o Plano São Paulo funcionou e está funcionando super bem, mas como qualquer plano ele é passível de aprimoramento e eu entrei neste papel.

Eu entrei em julho discutindo com o secretário de Educação, conversei também com o Paulo Menezes, coordenador do Controle de Doenças do Estado coordenador do Controle de Doenças do Estado, Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde, com Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, e auxiliei a Secretaria de Educação na exposição de motivos para, junto ao comitê de emergência, conseguir estabelecer critérios que permitam o retorno escolar e esse trabalho foi muito exitoso.

A gente conseguiu aprovar essa medida e com isso a gente conseguiu fazer a regionalização do ensino infantil, conseguiu a permissão para o retorno da atividade de ensino superior de saúde, conseguiu abrir uma possibilidade de exercitar a abertura a partir de 8 de setembro para as escolas que tiverem condições e, obviamente, o município concordar com a medida criando um ambiente para outubro retornar o ensino presencial gradualmente de acordo com o plano.

Nós não fizemos grandes mudanças, os critérios permanecem, as bandeiras estão estabelecidas e tudo mais, porém, com uma possibilidade de aplicação prática muito legal que vai servir de exemplo para o Brasil inteiro, por isso está todo mundo querendo ver o que a gente fez.

Em relação ao protocolo de como voltar às aulas, quais são os principais pontos que precisam ser pensados em um eventual retorno?

Estabelecemos premissas. A primeira delas é buscar um diálogo entre o setor público e privado, buscando estratégias para que, na medida do possível, os dois possam retornar ao mesmo tempo no local, no município, no estado que seja. Mesmo que não voltem ao mesmo tempo, que isso seja combinado, que seja dialogado entre os setores para não aprofundar as vulnerabilidades sociais.

O segundo ponto é que independente da estratégia da capacidade, quem vai decidir em última instância se volta ou não são os pais, e para isso a gente precisa instrumentalizá-los, fornecer o máximo de informação possível para que os pais tomem decisões com segurança.

Terceiro, não é para voltar todo mundo. A gente está falando de voltar gradualmente de forma escalonada e, principalmente, pessoas que apresentem condições de risco como professores, alunos, trabalhadores que têm vulnerabilidades, doenças crônicas ou está gestante, essas pessoas não estão nem cogitadas em voltar, independente da condição.

Quarto, que os professores sejam ouvidos e participem ativamente dessa construção. Além disso, a gente tem que garantir que as pessoas doentes sejam identificadas e isoladas, tanto elas quanto seus comunicantes.

Também é preciso deixar claro que a escola tem que implementar medidas de distanciamento social, as cadeiras vão ficar distantes com 1,5 a 2 metros entre umas e outras, os professores estarem paramentados com equipamentos de proteção de boa qualidade, as salas de aula e as escolas podem se organizar de acordo com o portfólio de opções para o retorno gradual, escalonamento de horário, a depender da turma não ter recreio, fazer o recreio dentro da sala, metade da turma como presencial e metade à distância, ou seja, existem diversas alternativas.

Cada escola vai preparar uma combinação que seja adequada à sua realidade, mas que essas premissas estejam presentes: boa ventilação, privilégio das atividades ao ar livre, distanciamento social, uso de máscara e professores instruídos, capacitados e instrumentalizados.

Dentro da metodologia de distanciamento social, a gente tem a questão da territorialização muito forte para pensar nesses níveis de isolamento e abertura. Como funcionaria esse modelo na questão de educação? É possível abrir por regiões? Como isso está sendo pensado?

É possível, sim, abrir por regiões. A gente está avaliando justamente as características de cada região de acordo com as bandeiras do Plano São Paulo, visando distinguir as realidades de cada região.

Anteriormente, o plano inicial não previa a regionalização, então da maneira como estava seria praticamente impossível atingir os objetivos porque até que nós tenhamos uma vacina e uma realidade comum a todos os municípios do Brasil, nós teremos realidades distintas em cada região. Podemos até ter diferenças municipais dentro de uma própria região, então imagina o quanto isso é variável.

Então nós acreditamos que a melhor estratégia é equacionar de acordo com as regiões, porque elas atuam como um consórcio municipal, você sempre tem dentro de uma região os municípios que são polo, os municípios menores, os municípios maiores, então você consegue mapear mais ou menos a capacidade instalada de leitos, se vai ter pressão, se está reduzindo mais rápido ou não. Fazer isso de forma muito ampla fica muito inviável.

E pensando nessa reabertura, quais são os riscos existentes de uma possível nova onda caso voltem as aulas?

Primeiro tem que distinguir o que é uma onda e o que é um rebote. O termo “onda” significa que nós tivemos uma queda abrupta de casos e a quantidade de casos novos que estão surgindo é praticamente endêmica, ou seja, é um nível basal. E aí eu devo permanecer por um longo período neste vale, ou seja, em uma sequência temporal mais ampla, 4 semanas, 8 semanas, mas em um vale e não em queda, ou seja, eu estou em um plateau mas em baixo, não um plateau em cima, e depois nós termos uma subida novamente. E essa subida novamente vai acontecer em locais novos, populações novas com padrões diferentes. Isso é o que a gente configura uma segunda onda.

Já em uma situação em que estamos em queda e aí abrimos determinado setor ou segmento da sociedade, e isso não vale só para escola: vale para bares, restaurantes, outras atividades comerciais, laborais e também de lazer, então está tendo shopping, cinema nos shoppings e dentro do carro. As pessoas estão procurando alternativas, então é previsto dentro do plano que em determinado momento vai abrir teatros, shows, locais mais amplos que acabam aglomerando pessoas, então é possível que diante desta abertura destes casos se tenha mais casos novos.

Por exemplo, neste momento, hoje é 20 de agosto, em Zurique onde eu tenho um amigo e hoje pela manhã eu estava conversando com ele, lá os voos estão retornando e com isso eles estão tendo um aumento do número de casos em relação ao que tinha, ou seja, a média diária de casos está maior do que era a anterior. Então é esperado e natural que se tenha um rebote, ou seja, um retorno e um pequeno aumento do número de casos temporalmente, mas que esse aumento tem que estar monitorado com uma lupa, com um nível de critério bastante rigoroso, de tal maneira que você consiga equacionar o aumento com a sua capacidade instalada, número de leitos, equipamentos hospitalares, equipes, para você decidir se durante outro período não será necessário fechar novamente.

Então a abertura não é uma coisa unilateral, não é um caminho de uma só via, é uma via de mão dupla. A abertura é uma estratégia e não um fim em si mesmo, porque nós não temos tratamento específico, não temos uma vacina eficaz ainda, não temos nem vacina sequer, mas até mesmo com a vacina a gente ainda vai precisar conviver durante algum tempo com medidas de distanciamento social e flexibilização de acordo com a realidade de cada local.

Comunicar a importância do retorno escolar com a sociedade pode ser um desafio. Como você vê essa questão da comunicação? Como dialogar em uma matéria que é tão sensível envolvendo crianças e toda essa comunidade escolar?

Quem é especialista em epidemias. Eu sou um deles, nós utilizamos uma estratégia de comunicação chamada comunicação de risco. A comunicação de risco tem uma série de premissas de estratégias e você parte da premissa que as pessoas estão sob pressão, e as pessoas sob pressão, sob tensão, elas têm menos capacidade e menos interesse de saber o quanto você sabe de um determinado assunto, elas querem saber o quanto você respeita e entende o problema delas.

Em segundo lugar, essas pessoas têm mais dificuldade para assimilar e guardar aquilo que você fala, então você tem que falar várias vezes. Por isso que na minha gestão no Ministério, junto com o Mandetta e com o Gabbardo nós fazíamos coletivas que duravam duas horas, porque você tinha que explicar para as pessoas por meio da imprensa o porquê que você não podia usar a máscara antes e agora você tem que falar que no momento ela precisa usar máscara.

Então você tem ajustes ao longo do tempo, seja do ponto de vista operacional, seja do ponto de vista do conhecimento científico daquele determinado momento. Uma epidemia não é igual no começo e no fim, nem no meio, ela é mutável. E não é só o vírus que muda, as epidemias também mudam.

Ou seja, eu tenho que entender que as pessoas têm dificuldade para assimilar e, por fim, eu tenho que me solidarizar com elas. Um grande exemplo é o trabalho que o então prefeito de Nova York (EUA), Rudy Giuliani, fez depois do ataque às Torres Gêmeas. Foi interessante a forma como ele abordou e se comunicou com a sociedade, que estava em pânico em um estresse pós-traumático mesmo não estando diretamente dentro daquele prédio, mas que ficou impactado com medo de um novo ataque, de uma nova situação.

Essa conversa com o cidadão vem sendo aprimorada, porém poucos gestores sabem o que comunicação de risco. O que acontece geralmente é que em órgãos governamentais se privilegia apenas a comunicação social. Você pega os sites das prefeituras, das secretarias estaduais, municipais, você só tem, por exemplo, “inaugurou o posto de saúde”, “comprou tantos equipamentos”, você tem muito pouca informação direta e acessível explicando para as pessoas como se proteger, se prevenir, se cuidar, utilidade pública mesmo.  Eu vejo a comunicação sendo muito utilizada para promoção e muito menos para informação.

E aqui eu estou falando apenas de um tipo de comunicação, que é a comunicação externa para um público geral, mas você ainda tem a comunicação que deve ser feita para os profissionais que tenha uma linguagem própria, você tem uma comunicação que deve ser feita para os trabalhadores internos da sua instituição, do seu órgão, porque você vai ter ali pessoas se expondo.

Também é fundamental dividir papéis. No Ministério da Saúde, por exemplo, Mandetta se responsabilizou mais pelos assuntos mais estratégicos, mais amplos de maior magnitude, aqueles que são decisórios; o Gabbardo se centrou mais na questão operacional, logística, de compra de equipamento e de organização; e eu passei a ficar como responsável pela estratégia de vigilância, de comunicação e organização das ações do ponto de vista do estágio da epidemia, o que a gente sabia, como as informações deveriam ser apresentadas e interpretadas.

Uma emergência não começa com milhares de pessoas, exceto um acidente como a barragem em Brumadinho ou aquele acidente agora no Líbano, mas uma epidemia começa com poucos casos, muitas vezes você não consegue correlaciona-los de uma maneira que possa dizer que já é uma epidemia, isso não acontece na vida real.

Quais os impactos provocados pelo fechamento das aulas. Como que não voltar às aulas poderia impactar a educação em São Paulo e no País?

Seja em São Paulo ou no País, o impacto mais relevante ao meu ver como profissional de saúde pública é sobre a própria saúde, principalmente a saúde mental das pessoas, das crianças, dos jovens, dos estudantes.

A saúde mental engloba aspectos relacionados à depressão, distúrbios de atenção, estresse pós-traumático, 85% das crianças pode desenvolver estresse pós traumático por um período prolongado em isolamento em casa.

Além disso, também temos que considerar a questão de que a escola não é somente um ambiente de ensino, ela também faz parte de uma rede de proteção social principalmente em comunidades carentes onde o acompanhamento das crianças em relação à violência doméstica.

As escolas fazem notificação de violência contra crianças, inclusive eu era coordenador de emergências na época, coordenava o sistema e fui um dos responsáveis pela inclusão da notificação de violência dentro das escolas.

Também temos a questão alimentar, seja do ponto de vista da falta de alimento, porque a escola é uma fonte de alimentos importante. Isso pode ser resolvido parcialmente, como São Paulo está fazendo fornecendo transferência de renda, e como os Estados Unidos, onde a escola continua funcionando sem os alunos, a cozinha continua funcionando e a preparação de quentinhas continua com a distribuição para aquelas casas – acho que em alguns lugares de Manaus eles também estão fazendo assim.

Bom, por outro lado, você tem também o aumento da obesidade, porque a criança está o tempo inteiro em casa comendo só o que acha, tem uma monotonia alimentar e várias dificuldades.

Você tem também aspectos relacionados, como hipovitaminose de vitamina D por falta de tomar sol, e crescimento da miopia por causa do uso das telas de celulares. Muitos desses jovens estão fazendo as aulas virtuais usando o celular que tem uma tela pequena, olhando muito próximo, então você tem aspectos relacionados a isso. Também existe a dificuldade e a falta de preparação de professores tanto da rede pública quanto da privada em organizar o ensino à distância e organizar as matérias de tal maneira que permita um aproveitamento maior do aluno.

Do ponto de vista de saúde pública global, é um benefício importante porque o distanciamento social é um dos instrumentos mais eficientes para o controle da Covid-19. No entanto, ao longo do tempo ele pode chegar em um nível de esgotamento das pessoas como eu estou vendo aqui em Brasília. As pessoas não estão acreditando mais, então o que a gente está vendo hoje, aqui no condomínio onde eu moro por exemplo é a criançada na rua, não pode usar a área da piscina, não pode usar academia, mas estão se aglomerando em alguns lugares.

O que realmente está fechado ainda são teatros, cinemas e escolas. Porém cinemas e teatros estão discutindo, estão reabrindo em diferentes formatos, mas as escolas ficaram para trás.

Ao meu ver, os adolescentes do ensino médio e da escola superior deveriam estar sendo tratados da mesma maneira que o shopping. Que diferença tem? Porque eles estão indo para o shopping, estão indo se encontrar. É uma falácia achar que a gente ainda está em um nível importante e mesmo com essas aberturas que aconteceram a gente vem observando que o padrão ainda está mantido, você está conseguindo fazer.

Acredito que é preciso criar um ambiente de exercício dessa volta gradual para se preparar para o ano de 2021.

Em uma retomada gradual, qual é a perspectiva do que ela pode afetar nesse dano de se manter fechado? Não voltando tudo de uma vez, voltando aos poucos e podendo fechar. Qual é a perspectiva de benefício disso?

A perspectiva de benefício ao meu ver primeiro é a priorização daquelas crianças. Partindo da premissa que eu tenha a estrutura mínima necessária na escola. Não estou falando que é a estrutura que eu desejo, porque a que eu desejo é uma escola ideal e isso a gente não vai ter agora, mas estou falando do que é necessário e possível. Precisamos de pé no chão, porque senão a gente vai começar a discutir questões que não tem nada a ver com a epidemia em si.

Uma vez que eu vou retornando aos poucos, não vou conseguir voltar todo mundo ao mesmo tempo.

Por exemplo, imagine que eu tenha uma sala de aula e eu seja professor de uma escola da quarta série e tenha 30 alunos. E aí a minha sala é pequena e eu não consigo receber todo mundo, mas se eu tenho 5 dias na semana e consigo dividir essa turma de tal maneira considerando que todo mundo vai poder ir para a aula, que ninguém tenha condição de risco que vai ficar fora, ou seja, está todo mundo dentro do padrão que poderá ir e os pais desejam que a criança vá.

E o que se deseja com isso? A primeira coisa é dar um suporte principalmente às crianças que já não estão conseguindo acompanhar mesmo tendo computador ou não tendo computador.

Então aquelas crianças que estão mais vulneráveis porque têm distúrbio de atenção, não conseguem acompanhar, não estão conseguindo fazer as tarefas escolares – essas crianças devem estar na prioridade zero. As crianças que têm problemas de saúde mental, que estão muito arredias e ficando muito no quarto, não conseguem interagir e são mais caladas, então trazê-las até porque elas já não estão tendo aula e os outros colegas da sala estão tendo aula e estão avançando.

O primeiro ponto é recuperar essas pessoas. O outro ponto é você trazer o professor e os pais para dentro do problema, ou seja, os pais e professores se encontrarem, mesmo que parcialmente, e terem uma discussão mais concreta sobre que metodologia e conteúdo são esses que estão sendo oferecidos. Eu sei que muitos estão fazendo isso, muitas escolas estão trabalhando dessa forma, mas eu tenho ouvido relatos de que não é o suficiente, ou seja, ainda não está adequado mesmo em escolas caras e também nas escolas públicas aqui.

O outro aspecto é discutir e envolver o diretor da escola, os trabalhadores da escola que também precisam voltar para a sua saúde mental para entender os riscos, também estão esgotados e cansados de ficar em casa, e eles planejarem melhor o que e quando vai ser esse retorno em 2021, ou seja, quando começa o ano regular em 2021 e como vai ser isso considerando que a gente vai ter realmente uma vacina com melhor qualidade lá para julho do ano que vem.

Então o que eu vou fazer no primeiro semestre? Eu vou considerar ele uma extensão de 2020? É isso que a gente quer? Eu não quero dar nenhuma alternativa e nenhuma perspectiva para os pais? Sabendo que a gente tem fechamento de escola, tem desemprego. Saiu uma matéria agora dizendo que só em São Paulo a gente teve 73% de aumento de inscrições de alunos em escolas públicas, porque estão fechando as escolas menores. Todo mundo acha que escola é rica. Tem escolas muito ricas, mas tem escolas que os proprietários trabalham para sobreviver, as condições são de sobrevivência, se não trabalha não tem dinheiro, não tem recursos. Então tem esses aspectos.

E deve ser colocado também com transparência, e aí os prefeitos e secretários têm que vir a público, porque a abertura da escola não pode ser vista como custo apesar de ter um custo adicional, já que é necessário contratar mais gente, aumentar a limpeza, aumentar a compra de EPIs, então eu sei também que há uma resistência na abertura também por essa característica operacional e financeira.

É um conjunto de narrativas e atores que precisam discutir o problema colocando luz sobre ele. O que eu tenho aqui na minha mão? Quais são as minhas fraquezas? Porque a fraqueza e a fortaleza são fatores intrínsecos.

Então na escola, por exemplo, minha fraqueza é que a sala é pequena ou não é bem ventilada. Isso gera uma oportunidade, que seria melhorar a qualidade do trabalho, botar uma janela maior, preparar atividades ao ar livre, essas coisas. Minha fortaleza é que eu tenho a minha comunidade engajada, está todo mundo querendo voltar, eu fiz reunião então eu conheço a minha comunidade, ela pode ajudar a saúde na identificação dos casos comunicantes. E as ameaças são os problemas que a gente já está vendo concretamente: evasão escolar, desemprego.

O prejuízo estimado para o Brasil com a não abertura das escolas é de cerca de 1% do PIB, então você imagina o que a gente pode enfrentar. E é por isso que eu como epidemiologista e como professor estou vendo o quanto é necessário o retorno escolar com segurança.

Reitero que não é abrir as escolas todas ao mesmo tempo, mas você discutir a graduação, a dimensão, nível fundamental, médio, superior, pré-escola, entender um pouco essas dimensões e construir uma estratégia de comunicação de risco, que eu sugiro inclusive que toda prefeitura deveria ter um plano de emergência para situações epidemiológicas como surtos e epidemias, e dentro desse plano tem que se prever uma estratégia de comunicação de risco.

O modelo desse plano já está no Ministério da Saúde, inclusive eu ajudei a criar o plano. Está no site do Ministério da Saúde: www.saude.gov.br/sds. É só procurar lá “emergência de saúde pública” e vai ter o plano de emergência, o modelo que a gente fez.

Para finalizar, quais são as principais referências de reabertura da educação que a gente tem no mundo, e o que você está pesquisando e no que está se espelhando.

As principais referências internacionais nós temos a Noruega, Alemanha, Portugal, França, Nova Zelândia, Austrália, essas são as positivas, experiências de abertura que já estão acontecendo há 2 ou 3 meses e que vem se mantendo dentro do padrão esperado, ou seja, tem muito mais experiência positiva. Tem as negativas como Israel, África do Sul e alguns estados dos Estados Unidos. Temos a experiência do Canadá e do Uruguai que são muito positivas também.

No Brasil temos a experiência de Manaus que é muito positiva. Lá eles fecharam as escolas em 16 de março, reabriram no dia 6 de julho já em queda, e até 20 de agosto não tiveram rebote de casos. Nas escolas privadas tiveram duas notificações apenas de casos que foram investigados e eles não foram de dentro da escola. Nas escolas públicas, que são mais de 120, tiveram apenas 24 casos notificados, que são casos leves e estão sendo investigados. Então está sendo uma experiência muito exitosa a de Manaus e que eu acho que deveria ser olhada com mais cuidado e com mais respeito, inclusive porque eles acabaram tendo uma falha no processo de aquisição de máscara, isso foi colocado na mídia toda, então vale para os prefeitos tomarem muito cuidado e se atentarem para as aquisições e o cuidado da logística e distribuição para evitar coisas similares.

A gente sabe que muitas vezes tem questões relacionadas ao fornecedor, a complexidade da logística por ter produtos de tamanhos diferentes, e como a gente tem uma lei de licitação que pega o produto mais barato, é muito difícil você conseguir fazer um produto que seja o mais barato e melhor.

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Muitas vezes em saúde no setor público não se tem essa combinação de qualidade com o valor, isso também não é muito discutido e eu acho que deveria ser revisto na legislação, porque ela privilegia empresas que produzem produtos de má qualidade ganhando licitações e muitas vezes combinando essas vendas, muitas de fundo de quintal. Isso é um problema real muito complexo que deve ser atentado para evitar meme, porque ninguém está mostrando os êxitos que Manaus está tendo. A gente está tendo muitos pontos positivos e isso não está sendo apresentado. Mais uma vez a importância da comunicação de risco e da estratégia de comunicação, porque estão fazendo muita coisa, mas não estão conseguindo mostrar o resultado positivo desse trabalho de uma maneira que seja técnica e ao mesmo tempo dê segurança para as pessoas e não seja apenas de autopromoção ou promocional.

 

 

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