Na tarde de ontem (11/11), a Comunitas apresentou os destaques do BISC 2021. Na edição deste ano, o relatório focou em especial nos desdobramentos dos investimentos sociais corporativos que resultaram do enfrentamento à COVID-19 e o avanço da agenda ESG. Além disso, a pesquisa buscou trazer um olhar introdutório referente aos investimentos realizados na região da Amazônia Legal. O painel contou com a participação dos pesquisadores-docentes, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Fischer (FEA/USP), Prof. Dr. Mário Aquino (EAESP/FGV) e Prof.ª Dr.ª Patrícia Mendonça (EACH/USP)
A partir dos dados apresentados, os professores comentaram o que mais chamou a atenção de cada um, bem como ofereceram análises mais aprofundadas do que se pode esperar daqui pra frente.
Para o professor Mário, o gap entre o investimento programado e o investimento não programado por causa do fator pandemia mostra que, embora tenha havido uma necessidade emergencial de se fazer investimentos sociais mais elevados, existe a condição de aumentar os aportes realizados. “Naturalmente vai haver uma retração, uma vez que a curva dos investimentos segue a curva do crescimento econômico do país. Essa é uma tendência que a gente já vem notando”.
Ele ainda salientou que a maior parte das empresas que compõem a Rede BISC são de grande porte, com uma condição diferenciada com relação ao resto da economia do país. Então ele percebe como uma vantagem o fato dessas corporações estarem engajadas em implementar os conceitos ESG às suas práticas de investimento social, por que mostra que as mesmas também têm uma preocupação mais forte com a questão da sustentabilidade. Isso garante a elas uma maior durabilidade, mesmo em cenários muito desfavoráveis economicamente.
Outro ponto que o professor observou foi a questão relativa à queda da participação dos incentivos fiscais, para a qual ele ofereceu duas hipóteses a serem analisadas. A primeira delas se refere, naturalmente, à diminuição das atividades culturais devido às restrições impostas pela pandemia. Como o setor cultural está bastante atrelado à interação social, isso poderia ser uma das razões que levou à queda dos incentivos fiscais na área cultural. A outra hipótese se refere às travas impostas pelo governo federal ao fomento da cultura, que analisa os projetos e concede ou não os incentivos.
O terceiro ponto que o professor Mário destacou se refere a duas colocações no que concerne à questão da incidência das políticas públicas. “Uma Concertação pela Amazônia está aí devido ao desarranjo que existe no que se refere à conservação da Amazônia a partir das políticas de Estado. Então o setor privado acaba se tornando um ator extremamente importante, sobretudo para dar suporte às organizações da sociedade civil que atuam na região”. A segunda colocação trata, justamente, da dimensão da coprodução de serviços e políticas públicas, que é uma tendência que vem desde muito antes da COVID-19. É necessário se pensar em como essa incidência política se traduz do ponto de vista dos indicadores ESG.
“E eu acho que esse é um papel nosso, da academia, de ajudar a trabalhar com essa tradução, isso é fundamental. E, sobretudo, é preciso tentar entender que isso é uma tendência. É importante que tenhamos uma preparação muito forte no entendimento do que é essa participação do investimento privado nas políticas públicas, propriamente dito. Não apenas como contratante ou executor, mas também no processo de concerto dessa política”, finalizou ele.
Para a professora Patrícia Mendonça, o investimento em produção de conhecimento, em ciência e tecnologia e pesquisa é um serviço prestado ao público e comemora a existência do BISC. “Essa é uma área (produção de conhecimento) que ficou completamente desassistida, com cortes na ordem de 90% em cima de recursos que já tinham sido cortados. Então é preciso celebrar essa trajetória de 14 anos de uma pesquisa que tem produzido conhecimento, que tem interagido com as universidades. Assim como a professora Rosa, eu também uso os dados do BISC nas minhas aulas, que são, principalmente, destinadas a servidores públicos e organizações da sociedade civil – em especial as de base e de movimentos sociais”.
Segundo a professora Patrícia, durante suas aulas, quando ela apresenta os dados da pesquisa BISC, ela nota o desconhecimento dos alunos com relação ao engajamento social das empresas.
Na opinião da professora Patrícia, a mudança dos beneficiários dos investimentos sociais corporativos no ano de 2020 levanta o questionamento do porquê eles não vinham sendo apoiados desde antes. Além disso, é preciso entender como foram as interações para construir os hospitais de campanha, a fábrica de vacinas e o que fica de aprendizado para que as próximas pesquisas do BISC tenham uma análise mais aprofundada desse conhecimento.
Para a professora Rosa Maria Fischer, houve muito consenso entre os demais painelistas no que concerne à análise dos dados que, embora preliminares, já são bastante fortes. Considerando o aumento de R$ 2 bilhões em 2019 para R$ 5 bilhões em 2020 , ela defendeu que, “se tem caixa, então é possível investir mais no social e no ambiental”. Embora, também, seja esperado que as empresas não vão manter esse patamar de elevação dos investimentos sociais, percebe-se que existe essa possibilidade de flexibilizar o caixa do investimento, bem como houve a ampliação da inovação social na prática corporativa
Um outro dado que saltou aos olhos da professora Rosa foi o aumento dos investimentos no setor de bens e serviços, com apoio muito forte à área de logística, com insumos e produtos de limpeza – que eram bastante necessários na fase mais intensa da pandemia. Na pesquisa, foram identificadas diversas parcerias entre as empresas no sentido de colaboração mútua entre elas na realização de serviços. “Então se observa que a assinatura do cheque não é a única contribuição que o setor corporativo pode oferecer ao país e isso é muito importante de se detectar”.
Segundo Rosa, a introdução da temática da Amazônia Legal se faz bastante necessária nos momentos atuais, em que se é preciso entender que os investimentos não podem mais ser apenas sociais ou ambientais, mas precisam ser pensados como investimentos socioambientais. “Eu testemunhei a história, desde o início, dos investimentos sociais corporativos e uma preocupação minha era que sempre houve essa separação, investimento social de um lado e investimento ambiental de outro. Finalmente nós estamos conseguindo perceber que muito do investimento olhado só para o social perde de vista possíveis externalidades, até negativas, que podem acontecer no ambiental”.
A professora Rosa consegue vislumbrar uma perspectiva muito positiva para a pesquisa BISC, ampliando sua aproximação socioambiental, em especial no que se refere à Amazônia Legal (embora existam diversos biomas com suas problemáticas no Brasil). Com a pesquisa ampliando seu olhar, ela também pode direcionar parâmetros às empresa nesse sentido. É preciso trabalhar a questão dos ESG de forma compartilhada e não compartimentalizada, uma vez que é necessário ver a sustentabilidade como um todo.
“O grande dificultador para avançarmos na agenda socioambiental é, na verdade, o Estado. E por isso que eu vejo o trabalho de empresas procurando influenciar as políticas públicas, não apenas parceirizar com as políticas públicas, mas influenciar as suas próprias concepções e implementações da ação pública, eu acho que é um papel fundamental que as empresas podem exercer”. Finalizou a professora Rosa.
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