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Desafios de Tecnologia da Informação e Comunicação para os Governos

por Paulo Roberto Miranda*

As cidades atualmente enfrentam a exigência por melhoria de serviços em um contexto de restrições orçamentárias. A tecnologia pode ser aliada das administrações municipais para que possam atender o cidadão com a qualidade que se faz necessário. É possível, entretanto, que a gestão venha enfrentar desafios tecnológicos, organizacionais e de capacitação de pessoas. Neste artigo, abordamos os principais desafios tecnológicos com que se defrontam os administradores municipais na construção de cidades mais inteligentes, mais inclusivas e mais sustentáveis.

Nas duas últimas décadas, serviços de todas as naturezas têm sofrido uma transformação quase revolucionária. Pode ser percebida nos serviços bancários, no transporte aéreo, nas compras pela Internet, até nos serviços de transporte individual, como e-Car Sharing, Uber, Cabify ou 99Táxi. Um traço comum em todos estes casos é o uso intensivo de tecnologia da informação e comunicação – TIC – para oferecer novos e melhores serviços a um cidadão. O mesmo cidadão, quando necessita utilizar os serviços públicos fornecidos pelos governos, defronta-se geralmente com níveis de qualidade que não podem ser comparados àqueles que ele recebe quando utiliza outros serviços. Por vezes percorre inúmeros guichês para resolver um problema ou obter uma informação e enfrenta demora no atendimento em filas intermináveis. O grande desafio das cidades é usar intensivamente a TIC para melhorar os serviços aos cidadãos, aumentar a produtividade da administração e ampliar os seus canais de comunicação com a sociedade – tudo isto em um ambiente de orçamentos reduzidos. Segundo o IBGE, cerca de 85% da população brasileira vive nas cidades. Elas concentram também a maior parte dos serviços públicos prestados aos cidadãos, em áreas como saúde, educação, transporte, moradia, etc. Mais recentemente, a sociedade bate à porta dos prefeitos também na busca de soluções para os problemas de segurança pública. As administrações municipais enfrentam o crescimento da pressão sobre os serviços, quer pelo adensamento urbano, quer pelo agravamento da crise econômica que leva o cidadão a abandonar serviços privados e buscá-los no governo. Como atender esta demanda crescente neste momento de orçamentos abalados?

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Outros setores foram capazes de utilizar tecnologia intensivamente para transformar seus negócios, oferecer novos serviços e continuar crescendo sem aumentar proporcionalmente os seus custos. Perceber que a transformação digital das cidades é estratégica para enfrentar o desafio de expandir serviços e melhorar a vida dessas comunidades, sem pressionar orçamentos já limitados, é questão de sobrevivência para as cidades e os seus governos. A escassez de recursos nos orçamentos municipais é uma barreira para que novas soluções tecnológicas sejam ofertadas nos serviços públicos. Mas esperar que essas soluções nasçam apenas da iniciativa governamental, também é um equívoco. A oferta de novos serviços aos cidadãos nas cidades representa imenso potencial de negócios para as empresas consolidadas e startups de tecnologia. Várias são as formas possíveis de parcerias entre a administração pública e o setor privado. A criatividade tem sido o caminho encontrado por muitas administrações para buscar soluções inovadoras (como por exemplo a realização de maratonas de programação de jovens universitários em parceria com universidades; abertura das bases de dados do município, com os devidos cuidados em relação a privacidade e sigilo, para que empresas interessadas desenvolvam aplicativos diretamente para o mercado; parcerias com outros municípios e com os governos estaduais; etc.). Consequentemente, a partir do momento em que a administração pública passar a prover condições, estimular e facilitar a criação de soluções que interajam com suas aplicações e serviços, possibilitando um novo patamar de serviços para o cidadão e os diversos entes da sociedade civil, bem como para o mercado privado de TIC, resta clara a existência de potencial significativo de ganhos para a sociedade em geral. Este desafio passa a ser entendido como peça de destaque e relevância das políticas de Cidades Inteligentes (Smart City) dos Municípios, e de Governo Eletrônico (e-Gov) dos Estados e Governo Federal.

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Construir uma smart city é mais que providenciar infraestrutura de TIC para o município. Significa aplicar intensivamente as tecnologias para transformar as condições de vida na cidade. O conceito de cidade inteligente ainda está em formação, mas uma forma de enunciá-lo é como sinônimo de cidade sustentável e habitável. Para tanto, os projetos de cidades inteligentes – ou smart cities, em inglês – são interdisciplinares, envolvendo engenharias, urbanismo, psicologia, design, arte, arquitetura e outras áreas do conhecimento. Numa cidade inteligente, a tecnologia é a plataforma viabilizadora das ações integradas dos diversos setores da administração pública como mobilidade, urbanização, habitação, saúde, educação, trabalho e renda, segurança, meio ambiente, entre outros. Uma das dimensões de uso de tecnologia nas cidades inteligentes é a oferta de serviços com foco no cidadão. Outra, a melhoria da gestão pública, a agilização de processos, o melhor uso dos recursos. Combinados, estes fatores impactam diretamente na vida do cidadão, na redução das necessidades de deslocamentos físicos, na redução dos tempos necessários nas relações dos cidadãos com o governo, em maior possibilidade de transparência. Na smart city, a TIC vai ainda viabilizar a existência de um modo de governo que interage com toda a pluralidade de atores, públicos e privados que a compõem, definindo a terceira dimensão, a possibilidade de ampliação da prática democrática. O novo posicionamento da cidade em relação à tecnologia viabiliza novas formas de participação de todos os atores do processo político – cidadãos, gestores públicos, organizações não governamentais, políticos – no processo de tomada de decisão pública.  Essa visão integrada da gestão das cidades também viabiliza uma forma de governança pública que inclui os cidadãos, seja na defesa de seus interesses, seja no exercício de seus direitos e obrigações.

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Uma ação transformadora do modo de vida nas cidades exige infraestrutura tecnológica que ainda não está presente na maior parte dos municípios brasileiros, mesmo as capitais. Quer-se infraestrutura adequada com alta disponibilidade e sustentabilidade financeira. Dadas as restrições orçamentárias e a maior ou menor possibilidade de acesso às fontes de recursos para investimentos, os gestores públicos devem buscar o melhor equilíbrio, ou as melhores alternativas entre o investimento em estruturas próprias, ou a sua contratação na forma de serviços. As infraestruturas tradicionais não conseguem atender as demandas de uma visão de uma cidade inteligente, que é integrada. Do ponto de vista de TIC, um projeto de Cidade Inteligente inclui:

Infraestrutura digital, integrando os órgãos públicos e disponibilizando amplo acesso dos cidadãos à Internet e serviços de governo eletrônico para a população;

Melhoria nos fluxos de processos de governo por meio de uma atualização tecnológica de sistemas com bases integradas e georreferenciadas; melhoria nos sistemas de Governo Eletrônico (e-gov) especialmente na ampliação dos serviços ofertados eletronicamente e na simplificação do relacionamento do cidadão com o governo; processos de trabalho revistos e automatizados; individualização do cidadão, identificando suas carências e necessidades especiais; e a criação de novos canais de comunicação com a sociedade;

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Desenvolvimento da atividade econômica, de forma a atrair empresas para a região disponibilizando internet de alta velocidade em pontos de interesse para o crescimento da cidade.

As facilidades de comunicação de alta velocidade, com cobertura total no município e largura de banda para acesso público e privado, sem limitação, são infraestrutura básica.  O município deve promover mecanismos de indução voltados à ampliação da infraestrutura de comunicação como parte do Plano Diretor da Cidade. A rápida evolução tecnológica torna mandatório o estabelecimento de regras claras e mais flexíveis que eliminem barreiras à expansão das redes de fibra ótica e de estações rádio-base (fundamentais para a implantação de serviços 3G, 4G e, em breve, 5G) sem comprometer a qualidade de vida e a paisagem urbana. É importante que a administração seja capaz de elaborar um projeto compatível com as diretrizes de crescimento da cidade, incluindo a definição de incentivos adequados para estimular o investimento privado e público para a implantação e disponibilização do acesso à Internet de alta velocidade em todo o território, assim como um plano de continuidade de negócios capaz de conferir segurança e confiabilidade às atividades econômicas e administrativas dependentes da infraestrutura de TIC. Sobre este plano mais amplo, considerando as diretrizes gerais de governo, e tendo como balizadoras as necessidades identificadas nos planos de ação dos diversos segmentos da administração, pode ser construído o projeto da rede corporativa do município com capacidade de suportar as necessidades atuais e futuras de tráfego de informações entre os diversos órgãos da administração e entre esta e a sociedade. Estes projetos deverão certamente prever o processo gradual de implantação da infraestrutura ao longo do tempo.

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É fundamental disponibilizar uma infraestrutura de processamento de dados capaz de suportar as ações de governo na esfera virtual. Sob este rótulo enquadramos os recursos de datacenter, compostos pela arquitetura de hardware e software que deve atender as necessidades operacionais de processamento dos sistemas da cidade com uma visão da sua evolução no tempo, compatível com os diversos planos de ação setoriais. Inclui-se aí também a arquitetura de sistemas de informação, compreendendo a adoção de bases de dados únicas e georreferenciadas, tanto de cidadãos, como de logradouros, de lotes e edificações, de mobiliário urbano, de equipamentos urbanos, etc. Deve-se considerar a necessidade de disponibilizar recursos para integração e a interoperabilidade com sistemas legados e de outras esferas de governo, assim como uma arquitetura orientada a serviços – SOA e a segurança da informação.

A possibilidade de associar todas as informações da cidade aos pontos correspondentes do seu território facilita a visão integrada dos fenômenos urbanos e enriquece os processos decisórios da administração. O referenciamento territorial e geoprocessamento tratam do processamento de dados e informações posicionados geograficamente (associados a pontos do território da cidade), desde sua aquisição até a geração e saída na forma de mapas, relatórios e análises, enriquecidos pela componente espacial. Por meio do referenciamento territorial podem ser integradas informações contidas em diferentes bancos de dados já existentes. Suas ferramentas computacionais, os Sistemas de Informação Geográfica – SIG, permitem realizar análises complexas, fornecendo uma base sólida para a gestão do território. O geoprocessamento deve ser considerado pela gestão municipal como parte da sua infraestrutura de TIC e deve ser construído e operado de forma coordenada, integrada e aberto para o uso das diversas partes interessadas de toda a sociedade. O geoprocessamento aumenta a capacidade operacional da máquina pública, reduzindo os tempos das intervenções, melhorando a qualidade das decisões, ao mesmo tempo em que oferece aos gestores e outros atores, mais conhecimento sobre o município. Importante referência neste campo é a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais – INDE, iniciativa do Governo Federal, instituída pelo Decreto Nº 6.666 de 27/11/2008.

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Outro aspecto da administração pública que devemos considerar como parte da infraestrutura para a cidade inteligente é a racionalização e simplificação dos processos internos da administração e das suas interfaces com a sociedade, combinadas com a sua automação, pela implantação de processos eletrônicos integrados. Os serviços de administração pública disponibilizados eletronicamente constituem um meio eficaz e econômico para melhor servir toda a sociedade.  Em nossas cidades, grande parte dos processos administrativos tramita fisicamente em papel, o que introduz os conhecidos “tempos mortos”, ou “tempos parados”, e atividades não produtivas, puramente burocráticas, tais como atos de comunicação, remessas, arquivamentos e desarquivamentos. Um bom projeto para a implantação de processos de trabalho eletrônicos deve levar à transparência e à racionalização dos procedimentos administrativos, reduzindo e agilizando os trâmites, padronizando documentos e informações que serão disponibilizadas aos cidadãos. A meta deve ser a eliminação de pontos de retrabalho, da perda de qualidade nas saídas dos processos, de atividades desnecessárias ou pouco relevantes para o alcance dos objetivos estratégicos e finalidade dos órgãos, grandes atrasos, acúmulos de serviços, altos custos, e todos os aspectos que dificultam a vida dos cidadãos.

A transformação digital da Administração Pública também cria condições favoráveis para a promoção do desenvolvimento econômico da cidade, levando em conta a mobilidade das empresas e dos cidadãos, que são formadores de uma ou muitas redes em que podem fazer negócios e interagir. O caminho para a integração ativa da população das cidades na Sociedade do Conhecimento passa pela criação de condições favoráveis para a geração, o compartilhamento e a disseminação da informação e do conhecimento. É necessário avançar nos aspectos essenciais para esta construção, tendo o cidadão como foco principal de todas as linhas de ação da administração pública. O que significa, também, considera-lo como partícipe dessa construção. A oferta de novos bens e serviços por meio de novas tecnologias contribui para o crescimento, competitividade, geração de emprego ou trabalho e outros fatores capazes de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Mas o grande diferencial de uma cidade democrática na sociedade da informação e do conhecimento vai além de usufruir de bons serviços e de contar com uma administração ágil.  Os cidadãos têm a oportunidade de participar da construção da cidade, da determinação da agenda de políticas públicas, da sua construção e implementação e ainda do monitoramento necessário.

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Na prática das cidades, dentro dos governos, alguns projetos de tecnologia se perdem pelo caminho, quer por falta de prioridades de governo ou do cidadão, quer por uma visão parcial ou fragmentada de tecnologia. Por vezes, prevalece a agenda dos fornecedores de tecnologia. Uma boa prática de governança de TIC pode romper essas barreiras e ajudar a alavancar o sucesso dos projetos. A falta de uma estrutura competente de governança de TIC nos governos leva a uma situação de dependência da administração em relação às organizações e/ou corporações tecnológicas. Cria-se um quadro de “aprisionamento tecnológico” da administração pública pela organização de TIC pública ou privada. Este quadro de dependência, quer de estruturas de TIC, quer de fornecedores, só é rompido se, do lado da administração, forem desenvolvidos mecanismos de governança de TIC capazes de definir e implementar políticas e planos de ação setoriais, de identificar necessidades e oportunidades de uso produtivo das TIC em apoio às ações de governo e de contratar e gerenciar o fornecimento das soluções tecnológicas correspondentes. As infraestruturas de comunicação e de processamento, os padrões de arquitetura de sistemas, de interoperabilidade, de segurança da informação são viabilizadores das estratégias da gestão, mas não podem prescindir de boas práticas de governança. Assim, as soluções de TIC que implementam conceitos de governo único, smart city, etc., precisam ser pensadas e desenvolvidas como parte das estratégias de governo.

Existem muitos outros pontos não abordados neste artigo, que também são fundamentais e devem ser objeto da atenção dos responsáveis por projetos nesta área. Entre a multiplicidade de tecnologias ofertadas, devem ser consideradas e analisadas sob a ótica de sua adequação às diretrizes políticas, econômicas e técnicas, tecnologias como cloud computing, bigdata, internet das coisas, etc. As soluções adotadas devem incorporar novas mídias, como as redes sociais, além de muita mobilidade.

*Paulo Roberto Miranda é diretor-presidente da Companhia de Tecnologia da Informação de Porto Alegre (PROCEMPA).

Postado originalmente na Rede Juntos, plataforma de conhecimento da Comunitas.


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