Comunitas Planejamento Urbano | 25/04/2025

O poder da iluminação pública na redução da violência e na construção de cidades mais justas

A história da iluminação pública mostra que luz é muito mais que infraestrutura; é ferramenta de combate à desigualdade, prevenção de crimes e fomento ao convívio social. No Brasil, as parcerias com o setor privado ajudam a levar esse direito a mais pessoas

Desde os primórdios da humanidade, a luz sempre foi sinônimo de proteção. Para os homens das cavernas, manter as chamas acesas não apenas afastava animais selvagens, mas também garantia calor e criava círculos de proteção onde a comunidade se reunia à noite. Esse instinto primitivo moldou para sempre nossa relação com a iluminação, uma necessidade que evoluiu junto com as sociedades.

Representação de homens das cavernas em volta de uma fogueira. Crédito da Imagem: BBC Brasil

Na era moderna, a iluminação pública herdou a função das fogueiras ancestrais. Seu uso estratégico remonta ao século XV, quando Londres inaugurou uma nova era no planejamento urbano ao se tornar a primeira cidade a regulamentar sobre a iluminação pública. Em 1415, uma ordem real estabeleceu a obrigatoriedade de que os comerciantes mantivessem lampiões a óleo em suas fachadas – medida que visava não só comodidade, mas também combater a criminalidade que prosperava nas ruas londrinas.

Este modelo acabou se difundindo globalmente, embora de forma desigual. Em 1667, Paris, sob o reinado de Luís XIV, elevou a iluminação pública a uma política de Estado, implementando tochas fixas por toda a capital francesa. Quase um século depois, em 1762, Nova Iorque inovou ao criar o primeiro sistema fiscal dedicado exclusivamente ao financiamento da iluminação pública, incluindo a contratação de profissionais especializados,  os “acendedores” de lampiões.

Enquanto as grandes metrópoles avançavam em seus sistemas de iluminação, o Brasil colonial permanecia no escuro. A situação só começou a mudar em 1793, quando o Rio de Janeiro, então capital do Vice-Reinado, instalou seus primeiros 100 lampiões a óleo, que  ficavam sob gestão direta da Intendência Geral de Polícia, revelando como a iluminação era vista, principalmente, como instrumento de segurança pública.

Mais luz, menos violência

Diversos estudos já comprovaram que ruas bem iluminadas trazem vários benefícios para o espaço urbano. Em primeiro lugar, atuam como instrumento de prevenção criminal, já que a boa visibilidade desencoraja a ação de infratores, que tendem a evitar locais onde se sentem expostos. Além disso, a iluminação adequada potencializa o que os especialistas chamam de “vigilância natural” – ao ampliar a visibilidade noturna, transforma os próprios cidadãos em agentes ativos da segurança pública, capazes de identificar e reportar comportamentos suspeitos com maior eficácia.

Mas os benefícios vão além da segurança. Uma iluminação bem planejada humaniza o ambiente urbano, criando espaços públicos mais acolhedores e funcionais durante todas as horas do dia. A claridade estimula o convívio social noturno, fortalece o comércio local após o pôr do sol e, consequentemente, contribui para cidades mais vibrantes e economicamente dinâmicas 24 horas por dia. 

Longe de ser apenas uma infraestrutura básica, a iluminação pública consolida-se hoje como elemento estratégico do planejamento urbano contemporâneo. No entanto, sua implementação no Brasil sempre reproduziu as assimetrias históricas do país. Desde os tempos coloniais, essa disparidade se manifesta de forma gritante. Os primeiros lampiões instalados no Rio de Janeiro, conforme mencionado anteriormente, iluminavam exclusivamente as ruas do centro e os caminhos para igrejas, funcionando a base de óleo de baleia – um combustível caro, que produzia luz fraca e intermitente. 

Escravos trocando o óleo de baleia de lampião na rua da Ajuda (RJ), em 1816 – Arte de Jean Baptiste Debret

Essa política de iluminação não apenas refletia, mas reforçava as profundas desigualdades do período: enquanto a capital recebia seus poucos focos de luz, as demais cidades brasileiras permaneciam mergulhadas em completa escuridão durante à noite, evidenciando como o acesso à iluminação pública sempre foi, no Brasil, um privilégio geográfico e social. Ainda hoje, quanto mais afastados dos grandes centros urbanos, menos eficazes são as políticas de iluminação dos municípios

De acordo com a Plataforma de Evidências do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), a iluminação pública é uma das intervenções situacionais e urbanísticas que mais possui estudos avaliando o seu impacto sobre a criminalidade. A ferramenta também apresenta os resultados de uma metanálise, realizada pela Campbell Collaborations, que avaliou o impacto de 13 programas de iluminação pública e concluiu que este tipo de intervenção provoca uma redução média de 21% do total de crimes cometidos nos locais onde a iluminação pública é melhorada. 

Estudos de casos

A Fundação Getulio Vargas (FGV) conduziu um estudo que analisou o impacto da expansão da iluminação pública na redução da taxa de homicídios em municípios de baixa renda per capita no Nordeste do Brasil. A pesquisa utilizou dados do Sistema Único de Saúde (DataSUS) e focou no período de 2000 a 2010.

O estudo avaliou o efeito do programa Luz para Todos, uma política pública do governo federal voltada à universalização do acesso à energia elétrica, principalmente em áreas rurais e periféricas. Os pesquisadores compararam a evolução dos homicídios em municípios com e sem ampliação significativa da cobertura elétrica. Em cidades que receberam mais investimentos por estarem abaixo do limite de cobertura (85%), os homicídios aumentaram de 44 para 72 por 100 mil habitantes. Já em municípios que já tinham maior cobertura e, portanto, não foram priorizados pelo programa, o aumento foi de 63 para 161 homicídios por 100 mil – um crescimento muito mais expressivo.

A conclusão do estudo, que foi divulgado em 2017, é que a ampliação da cobertura de energia elétrica, ao permitir maior iluminação pública, está associada a um crescimento mais lento da violência letal nessas regiões, contribuindo assim para uma política de segurança mais eficaz em territórios vulneráveis.

Parcerias que iluminam

A Constituição Federal de 1988 define que a competência para a prestação do serviço de iluminação pública é dos municípios, assim como a execução de boa parte das políticas públicas. No entanto, por estar diretamente ligada ao fornecimento de energia elétrica, a iluminação pública também se submete à legislação federal e à regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que define normas e diretrizes para o setor.

A forma de organização e prestação da iluminação pública pode variar conforme a realidade política, administrativa e financeira de cada município. As principais modalidades incluem:

  • Gestão direta pelo poder público municipal: a prefeitura é responsável pela implantação, operação e manutenção do sistema, por meio de equipes próprias ou empresas contratadas.
  • Concessão ou permissão à iniciativa privada: o município transfere a execução do serviço para empresas privadas, geralmente por meio de licitação. A empresa vencedora assume a implantação e gestão do sistema, podendo ser remunerada por tarifas ou contraprestações públicas.
  • Consórcios públicos intermunicipais: municípios se associam para compartilhar responsabilidades, recursos e reduzir custos operacionais, otimizando a prestação do serviço de forma regionalizada.

No entanto, para este artigo vamos analisar quando a prestação da iluminação pública é feita por meio de parcerias com a iniciativa privada, visto que, diante de orçamentos limitados e da necessidade de modernização dos sistemas, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) surgem como uma alternativa eficiente para transformar o cenário da iluminação pública.

Regidas pela Lei nº 11.079/2004, as PPPs de iluminação pública são contratos de longo prazo (13 a 30 anos) nos quais empresas privadas assumem a modernização e gestão do sistema. O modelo predominante é o de concessão administrativa, em que o poder público remunera a concessionária, muitas vezes com recursos da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP). Entre as principais ações estão a substituição de lâmpadas convencionais por LED, a implantação de sistemas de telegestão e manutenção contínua.

A eficiência energética é um dos maiores atrativos. Com a troca para LED, o consumo de energia cai até 50%, gerando economia direta para os cofres públicos – o que permite realocar recursos para áreas como saúde e educação, por exemplo. Além disso, a evolução tecnológica é um chamariz, entrando em cena sistemas de monitoramento remoto, que agilizam reparos e abrem caminho para projetos de cidades inteligentes, como sensores de tráfego e wi-fi público.

Outra vantagem é a previsibilidade orçamentária. Com contratos bem estruturados, os municípios evitam surpresas financeiras e contam com gestão profissionalizada, já que as empresas são selecionadas por licitação e devem cumprir metas rigorosas.

Apesar dos benefícios, é essencial que os projetos sejam bem estruturados, com estudos de viabilidade robustos e transparência nos processos. A fiscalização contínua e a participação social são fundamentais para garantir que as metas sejam cumpridas sem onerar excessivamente o poder público.

Boas práticas

Praça de Belo Horizonte com iluminação 100% de LED graças à PPP. Crédito da Imagem: Bruno Lavorato/Prefeitura de Belo Horizonte

Em 2016, a capital mineira acendeu uma nova era para seus espaços urbanos ao implementar uma das primeiras Parcerias Público-Privadas (PPPs) do país voltada para iluminação pública. O contrato, firmado com a BH Iluminação Pública S.A. – uma Sociedade de Propósito Específico criada exclusivamente para o projeto -, transformou a paisagem noturna da cidade ao substituir 182 mil pontos de luz convencionais por modernas lâmpadas de LED e implantar sistemas inteligentes de telegestão.

O consumo energético despencou em até 50%, aliviando os cofres municipais e permitindo o redirecionamento de recursos para outras áreas prioritárias. Mas os benefícios vão muito além da economia financeira. As ruas mais claras e uniformemente iluminadas trouxeram uma sensação palpável de segurança à população, com relatos de redução de crimes e maior movimentação noturna em áreas comerciais e de lazer.

A tecnologia implementada revelou-se uma aliada na operação do sistema. Com monitoramento remoto e detecção automática de falhas, a prefeitura ganhou agilidade sem precedentes na manutenção, garantindo que eventuais problemas fossem resolvidos em tempo recorde. A iniciativa foi tão bem sucedida que o caso de Belo Horizonte virou referência nacional, ganhando destaque no Mapa da Contratualização, publicação da Comunitas que cataloga as melhores práticas em contratualização na gestão pública brasileira.

Fortalecimento das parcerias público-privadas de impacto social

Fortalecer a gestão pública por meio de parcerias mais eficientes e impactantes é a proposta do Mapa da Contratualização, iniciativa da Comunitas que apoia governos na implementação de parcerias público-privadas de impacto social. Desde 2021, a publicação evoluiu de um esforço conceitual para um guia prático, com destaque para a edição de 2024, que apresenta 13 casos e 26 projetos inspiradores de norte a sul do país. Além das publicações, o Mapa conta com uma base de dados com mais de 7 mil contratos analisados e uma trilha de conhecimento, tudo disponível em uma plataforma online dedicada ao tema.

Fontes:
Revista ContemporâneaIluminação Pública: sua relevância para a segurança e qualidade de vida da população (2023)
Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID): Plataforma de Evidências
Revista da USP: A influência da iluminação pública na segurança urbana noturna (2021)
G1: Entenda como a iluminação pública pode aumentar a segurança e economizar gastos municipais
UOL: Chegada de luz para municípios do Nordeste ajuda na redução de homicídios, diz FGV
Plataforma Rede Juntos: Parcerias público-privadas na iluminação pública: Uma fonte de benefícios para os municípios
Comunitas: Mapa da Contratualização

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