Estudos elaborados pelo TCE e por professor do Ipea apontam uma relação inversa entre o crime e o ensino. Quanto maiores são as taxas de escolarização, menores são os registros de violência.
Estudos elaborados pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e pelo professor Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), do Rio de Janeiro, apontam uma relação inversa entre o crime e a educação. Quanto maiores são as taxas de escolarização, menores são os registros de violência.
Cerqueira analisou a escolaridade das vítimas de homicídios no Brasil entre 1980 e 2010, e descobriu que quem estuda mais tem menos chances de morrer de forma violenta. Segundo o professor, a cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola, a taxa de homicídio numa determinada localidade aumenta 2%.
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“Percebemos que a chance de alguém que não tem o Ensino Médio sofrer homicídio no Brasil é 15,9 vezes maior do que alguém que tenha nível superior, o que mostra que a educação é um verdadeiro escudo contra os homicídios no Brasil”, diz o pesquisador.
Na pesquisa do TCE-RS, realizada em municípios com mais de 100 mil habitantes, foram comparadas as taxas de escolarização e os registros de casos de violência. “Em municípios onde tinha maior taxa de abandono do [ensino] fundamental, a taxa de homicídio doloso é maior, e naqueles em que a expectativa de anos de estudo é menor, também havia maior numero de homicídios”, explica a auditora pública externa do TCE, Débora Brondani da Rocha.
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Números de apenados no estado corroboram a relação. Mais 60% sequer concluíram o ensino fundamental, pois trocaram as salas de aula pelas ruas por volta do quinto ou sexto ano. É justamente nessa fase da vida, aos 12, 13 anos de idade, que os adolescentes podem encontrar no crime a identificação e o acolhimento que deveriam ter sido proporcionados pela escola.
“O maior critério de sucesso educacional seria sabermos quantos alunos não deixamos no meio do caminho”, diz o professor.
Na faixa dos quatro aos 17 anos, 151 mil crianças e adolescentes ainda estão fora da sala de aula, segundo o movimento Todos pela Educação. Por trás do abandono, há escolas defasadas e sucateadas, além de problemas sociais que cercam as periferias.
“Você não dissocia a questão da educação da criança da realidade da família. O crime não é uma situação isolada, é uma decorrência. Quando você chega ao sistema prisional, o sistema prisional é a parte final do desastre social brasileiro”, afirma o advogado e professor Luiz Marcelo Berger.
Quase 800 escolas a menos
A falta de recursos e de infraestrutura na educação gaúcha é mais um obstáculo na luta contra o crime. Nos últimos 20 anos, 793 escolas foram fechadas no estado, como aponta o Conselho Estadual de Educação.
Neste período, o investimento público em educação no estado passou de quase R$ 6 bilhões em 1997 para R$ 9,7 bilhões em 2015. Ainda assim, o montante é inferior ao previsto em lei. Desde 2001, os governos gaúchos não cumprem a Constituição Estadual, que manda destinar 35% dos impostos para a educação. No ano passado, a proporção ficou em 29,28%.
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Berger defende um maior investimento na área em curto prazo para melhorar a situação das escolas no estado. “No mínimo entre cinco a 10 anos, que a gente comece a ter resultado se fizermos investimento a partir de agora. E essa é a pergunta que temos de fazer, se esse investimento vai vir ou não. E nós vamos qualificar esse investimento ou não vamos? Ou seja, vamos analisar se aquilo dá resultado ou não?”, questiona.
Verba elevada para segurança
Enquanto falta investimento para educação, o dinheiro dos impostos destinado pelos governos para a segurança deu um salto, chegando a mais de R$ 5 bilhões em 2016. Ainda que o Poder Público não poupe recursos para combater o crime, as estatísticas aumentam, provando que só repressão não diminui a violência.
Desde 2012, o número de presos no Rio Grande do Sul saltou de 29 mil para 34 mil. Para abriga-los propriamente, o estado teria de criar cerca de 9,4 mil vagas, o que acarretaria em gastos de R$ 500 milhões.
“Não há política pública que vai resolver o problema da criminalidade no Brasil em um prazo de dois três anos”, diz o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rogério Maia Garcia.
‘Masmorras medievais’
O diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados, José Vicente Tavares dos Santos, defende a educação em turno integral para evitar que os alunos. “As prisões não servem para nada, só para aumentar a capacidade criminal. As condições das prisões brasileiras, que são masmorras medievais, não ressocializam”, disse.
Por cada preso cumprindo pena, o estado gasta hoje R$ 24 mil por ano, valor suficiente para manter três alunos em uma escola estadual. O gasto tem poucos resultados, já que o sistema penitenciário, sucateado e superlotado, recupera muito pouco. Cerca de 70% dos detentos de presídios do estado já haviam sido presos outras vezes.
“O Brasil prende muito, mas ao mesmo tempo prende mal, e se pensar em construir presídios para dar segmento a essa política de encarceramento em massa nós dificilmente vamos conseguir transformar isso em reflexos positivos, no que diz respeito à diminuição dos índices de criminalidade”, diz Garcia.
Postado originalmente no portal G1.
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