por Ilona Szabó de Carvalho*
O direito à segurança é consagrado da Bíblia aos tratados internacionais e está presente no artigo 5º da Constituição brasileira. Porém, a julgar pela tendência dos últimos anos, tudo indica que em 2018 pelo menos 60 mil brasileiros serão assassinados. O Estado brasileiro não consegue cumprir sua obrigação mais sagrada —proteger seus cidadãos. Por que isso ocorre?
Boa parte de nossos líderes e da sociedade possui uma visão desatualizada e ineficiente da segurança pública, enxergando-a como um serviço a ser prestado de cima para baixo e focada em policiamento. Apesar de pouco integrado e inteligente, o sistema de segurança pública e Justiça criminal inclui instituições que atuam na prevenção ao crime, as polícias, o Ministério Público, as varas de execução penal e o sistema penitenciário.
A responsabilidade sobre o setor deve ser compartilhada e não somente limitada a polícias, promotores, juízes e autoridades penais estaduais e federais. Envolve também prefeituras, setor privado e sociedade civil atuando em parceria com especialistas em prevenção, educação, planejamento urbano e desenvolvimento social e econômico.
Leia mais: Pela primeira vez, Pacto Pelotas pela Paz reúne todos os membros dos órgãos de segurança da cidade
É verdade que a operacionalização da segurança pública, de acordo com o artigo 144 da Constituição, é atribuição das polícias. Essa definição, no entanto, diz respeito à aplicação da lei e possibilidade de uso da força. Porém, a maioria das políticas e programas de prevenção da violência não requer a aplicação da lei ou o uso da força.
O primeiro passo para garantir a proteção dos brasileiros, em especial a dos mais vulneráveis, é valorizar a segurança como direito fundamental tão essencial quanto a educação e a saúde. A segurança é um bem público por natureza e sem ela é impossível obtermos avanços socioeconômicos. Os custos sociais da violência já equivalem a 2,5% do PIB brasileiro.
O passo seguinte requer a adoção de uma agenda prioritária que discutiremos nessa coluna. A agenda precisa ter metas claras e incentivos para a criação de um modo de lidar com a segurança pública que seja inclusivo, envolvendo autoridades nacionais, estaduais e municipais. As cidades precisam participar, atuando na prevenção e redesenhando o papel das guardas para uma atuação mais conectada com a população e integrada às polícias.
Leia mais: Como as cidades brasileiras podem assumir seu papel na segurança pública?
Há exemplos no Brasil e em países da América Latina de governadores e prefeitos que não apenas trabalham juntos para conter o crime e punir os criminosos, mas também investem na primeira infância, na educação, em oportunidades voltadas para jovens e iniciativas de urbanização inovadoras em áreas desprivilegiadas. É o caso de Medellín, que com foco em estratégias de prevenção em áreas vulneráveis reduziu a taxa de homicídios de 381 por 100 mil habitantes nos anos 90 para 21 por 100 mil hoje.
Finalmente, para alcançar uma segurança pública permanente, necessitamos de um pacto que resista ao teste do tempo. A lição a ser tirada dos programas de redução de crimes mais bem-sucedidos, da Colômbia aos Estados Unidos, é que eles precisam de planejamento e continuidade. Embora os governantes eleitos gostem de imprimir marca em suas gestões, é indispensável que estratégias e recursos sejam mantidos para além dos ciclos eleitorais. Isto só acontecerá se a sociedade se engajar. Segurança pública não tem lado.
*Ilona Szabó de Carvalho é cientista política, é diretora-executiva do Instituto Igarapé – organização parceria da Comunitas na área de segurança em Paraty. É mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala.
Postado originalmente na Folha de São Paulo.
Sem comentários