Aprofundando em um tema complexo e pouco explorado.
Você sabia que mais de 60 milhões de brasileiros estão com alguma conta em atraso, ou com o famoso “nome sujo”? Se você é um deles, perdão, mas a chamada vem com o simples intuito de dizer que: as prefeituras não estão em situação diferente.
Provavelmente você já ouviu, leu ou conversou com alguém sobre a prefeitura da sua cidade, e chegaram ao ponto no qual ela estava passando por dificuldades de pagamento de fornecedores, atraso no salário de funcionários, dívidas e mais dívidas, não é mesmo? Neste texto, pretendemos elucidar as dívidas mais comuns dos governos municipais, como isso prejudica os cidadãos e a urgência para buscar soluções para as dívidas públicas municipais.
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COMO COMEÇOU TUDO ISSO?
O nosso Código Tributário Nacional foi promulgado pelo General Castello Branco, sendo utilizado como base da divisão de arrecadação dos tributos até hoje… Exatamente! O nosso modelo tributário é praticamente o mesmo há mais de 50 anos!
Conforme já abordamos no texto de governos municipais em números, ainda hoje existe uma grande concentração da arrecadação de tributos e de receita disponível na União. No entanto, no regime militar, a concentração era ainda maior, chegando a mais de 70% em alguns anos, conforme podemos ver na tabela abaixo.
* Arrecadação direta é tudo que o governo arrecada por meio de tributos;
** Receitas disponíveis são o volume de recursos disponíveis para cada esfera de governo após a arrecadação direta e as transferências intergovernamentais.
Tabela elaborada pelo autor. Referências: carga tributária 2016; carga tributária 1998; CNM – estudos fiscais; CNM – carga tributária 2014
A centralização por parte da União (decorrente do regime militar) e incapacidade de gestão dos governos estaduais e municipais foram os grandes responsáveis para estados e municípios começarem a ter problemas com dívidas. Nesse contexto, começaram a recorrer a empréstimos externos, agravando mais a situação e com um ponto de atenção bastante importante: as atuais diretrizes, leis de responsabilidade fiscal e transparência não existiam, logo, pode-se imaginar as “incoerências” que possam ter acontecido na época.
LEI COMPLEMENTAR 101/2000 – A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
Os tempos avançaram, a Constituição redesenhou o pacto federativo e as respectivas funções dos estados, municípios e da União. A partir disso, legislações e mecanismos de controle foram surgindo para impor cada vez mais responsabilidades aos nossos governantes. Nesse contexto, no dia 04 de maio de 2000, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estipulando algumas premissas fiscais com a crença de que, apenas com o equilíbrio e controle permanente das contas públicas, seria possível alcançar o crescimento sustentável de governos municipais e estaduais.
Existem três pontos a se destacar que convergem diretamente com o que queremos explicar:
- Estipulou-se um limite de gastos com pessoal de 60% da receita corrente líquida (RCL) para estados e municípios;
- Determinou-se um teto da relação de 1,2 entre a dívida consolidada líquida (DCL) e a RCL para municípios;
- Proibiu-se deixar para o ano seguinte despesas superiores aos recursos em caixa, resultando nos conhecidos (e temidos) Restos a Pagar.
Mas espera aí! Antes de prosseguir, o que é RCL e DCL? De forma bem simples, a RCL Municipal é tudo aquilo que o município arrecada e recebe de repasses (em alguns casos, se subtrai a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema próprio de previdência e assistência social).
Já a DCL representa a Dívida Consolidada – tudo aquilo que o município está devendo em relação a imóveis, contratos, precatórios (explicaremos adiante), financiamentos, entre outros – menos o que o município tem em caixa, aplicações financeiras e os valores garantidos que irá receber.
Sabe aquela conta de luz, água, aluguel ou internet que acabamos atrasando alguns meses (ou seja, não estamos em dia)? Suponhamos que esse atraso já acumula o valor de R$ 2.000,00. Essa seria a Dívida Consolidada. Mas… ainda temos um dinheiro na poupança (que não queremos mexer) e alguns trocados que um parente próximo garantiu que iria pagar, somando ambos em R$ 1.200,00. Sendo assim: R$ 1200 – R$ 2000, a nossa DCL é de R$ -800,00!
Segundo a LRF, se a razão entre DCL e RCL for maior que 1,2 (ou seja, se DCL/RCL > 1,2)… Sinal vermelho! Caso queira consultar a situação do seu município, é só clicar aqui.
DETALHANDO O ENDIVIDAMENTO DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
Segundo o Índice FIRJAN de Gestão Fiscal de 2016, 86% dos municípios brasileiros estão em situação fiscal difícil ou crítica. Destas, 575 cidades ultrapassaram o limite estabelecido de gastos com pessoal. Essas prefeituras, apenas no ano de 2016, gastaram R$ 1,8 bilhão a mais do que deveriam. Outra informação importante é que, segundo o FINBRA 2016, a relação percentual de despesas com pessoal pelo total de despesas mostra que 4425 prefeituras – das 5266 que prestaram contas – têm gastos com pessoal superiores a 50% do total. Isso resulta em atraso de salários, não pagamento de 13º de funcionários e por aí vai…
Ainda em 2016, 715 prefeitos e prefeitas entregaram suas respectivas prefeituras com o caixa totalmente comprometido com os Restos a Pagar. Para deixar mais claro, significa que essas prefeituras entraram no “cheque especial”, somando uma pendência de R$ 6,3 bilhões para seus sucessores.
No final das contas, mais de 2 mil prefeituras descumpriram alguma determinação da LRF em 2016. Elas estão sujeitas a sofrer sanções, que variam de não receber transferências voluntárias (como as emendas parlamentares, por exemplo) a contratar operações de crédito, como financiamento de bancos de fomento nacionais ou internacionais.
DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA
E os endividamentos não param por aí… De acordo com a Receita Federal, em 2017, 4,95 mil municípios (89% do total) sustentam uma dívida que somada chega a quase R$ 100 bilhões com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa inadimplência também leva a sanções, como o bloqueio de parcelas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a sinalizar pendências no Cadastro Único de Convênios (Cauc), deixando a prefeitura com o “nome sujo” e inviabilizando mais uma vez vários repasses.
E AINDA TEM OS PRECATÓRIOS…
Resumidamente, segundo o Conselho Nacional da Justiça, os “precatórios são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para cobrar de municípios, estados ou União (…) os valores devidos após condenação judicial definitiva”. Ainda em 2012, apenas as prefeituras deviam R$ 32,5 bilhões em precatórios. Existe uma grande dificuldade em afirmar o valor exato e atualizado que as prefeituras devem em precatórios, devido à grande rotatividade desses processos na justiça. Estima-se, realmente, que esses valores não sofreram grandes alterações e sinalizam mais um problema para os gestores municipais.
DIANTE DISSO, O QUE FAZER COM AS DÍVIDAS MUNICIPAIS?
Algumas resoluções vêm sendo discutidas em níveis estratégicos, como o refinanciamento das dívidas municipais, flexibilização de algumas legislações, entre outros. No entanto, os municípios demandam soluções pontuais e operacionais para serem executadas o quanto antes.
Entendendo que as prefeituras precisam prestar serviços públicos de qualidade à população, se faz necessário gastar de forma mais eficiente (qualificar a despesa organizacional), enxugando gastos desnecessários e eliminando desperdícios, sem necessariamente cortar serviços básicos. Além disso, haja visto o alto gasto com pessoal, as prefeituras precisam aprofundar-se em discussões mais técnicas quando se trata desta área, como por exemplo: revisão dos Planos de Cargos, Carreiras e Salários dos servidores, eliminação de inconsistências e desproporcionalidades exageradas na folha e, minimamente, adequações legais referentes às legislações trabalhistas.
Em vídeo, o especialista Alexandre Simões, sócio da nossa parceira-técnica MAiS, tira dúvidas que podemos ter sobre o planejamento do orçamento público municipal.
https://www.youtube.com/watch?v=mLIlTkB6TbA
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