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Violência e desempenho escolar

por Joana Monteiro* e Rudi Rocha**

Como e em que medida a violência afeta bem-estar e desenvolvimento econômico? Embora a violência, em suas mais diversas formas, seja um fenômeno amplamente disseminado em países em desenvolvimento, ou mesmo em regiões de países desenvolvidos, sabemos muito pouco sobre suas consequências. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, nos oferece um cenário potencialmente grave. Muitas favelas do Rio são controladas por traficantes, que usam esses territórios para vender drogas e se proteger (Misse [1999], Silva et al. [2008]). A população dessas comunidades, além de viver sob o domínio do tráfico, é exposta a intensos tiroteios que ocorrem quando as facções disputam territórios ou entram em confronto com a polícia. As consequências da exposição a este tipo de violência podem ir muito além da alta taxa de mortalidade daqueles diretamente envolvidos nos conflitos.

Apesar da gravidade desses confrontos, não há evidência sistemática sobre os impactos de curto e longo prazo da exposição a este tipo de violência sobre a população que vive e trabalha em áreas conflagradas. Uma preocupação imediata refere-se ao impacto que esse tipo de violência pode causar sobre a escolaridade das crianças, visto que muitas escolas estão localizadas dentro ou bem próximas às áreas de conflito, e muitos de seus alunos são moradores dessas regiões.

Existem dois grandes desafios para se quantificar o impacto de exposição à violência sobre educação. Em primeiro lugar, o entendimento do problema é seriamente dificultado pela falta de dados. A violência, em particular aquela associada ao tráfico de drogas, varia muito geograficamente e ao longo do tempo dentro de uma cidade. Os dados oficiais sobre crime são geralmente agregados por áreas extensas e não nos permitem identificar a localização precisa de ocorrências. Para contornar essa dificuldade e identificar onde e quando os conflitos entre facções criminosas ocorrem, utilizamos os registros do Disque-denúncia, que reportam o momento e a localização das disputas armadas entre traficantes. Essa informação nos permitiu construir um banco de dados inédito que nos informa em quais dias cada favela do Rio de Janeiro esteve exposta a um conflito entre 2003 e 2009. A partir disso, somos capazes de observar, por exemplo, que 30% das 979 favelas do Rio tiveram pelo menos um dia de conflito nesse período, e que esse grupo de favelas é distribuído geograficamente por toda a cidade. Observa-se ainda que estes conflitos não são raros. Em 65% dos dias entre 2003 e 2009, pelo menos uma favela estava em conflito no Rio de Janeiro. Utilizando a informação sobre o número de dias com conflito em cada favela e as distâncias entre cada escola municipal e cada favela, calculamos uma medida de exposição à violência por escola. Assim, escolas expostas à violência, de acordo com nossa medida, são aquelas situadas perto de uma ou mais favelas que experimentaram mais de um dia com tiroteios durante o ano letivo.

Um segundo desafio a ser resolvido é a dificuldade em isolar o efeito causal de exposição à violência sobre desempenho escolar. Escolas próximas a áreas de conflito atendem a alunos em situação socioeconômica mais desfavorável, algo que contribui para um pior desempenho escolar. Assim, a simples comparação entre escolas próximas ou não a áreas conflagradas nos levaria a sobrestimar o efeito da violência, pois, acabaríamos por atribuir à violência, diferenças causadas pelo perfil dos estudantes que escolas expostas à violência atendem. Nossa análise busca contornar esse problema ao isolar o efeito sobre educação de quaisquer outras características de alunos, de escolas e do bairro que possam contaminar nossos resultados. Contanto que o perfil de alunos atendidos pela escola não varie ao longo do tempo, conseguimos separar o efeito da violência propriamente dito, de efeitos associados a outras características socioeconômicas relevantes ao longo do período da análise.

Encontramos evidências de que exposição à violência impacta negativamente o desempenho escolar. Mais especificamente, os resultados mostram que estudantes de escolas próximas a áreas expostas a conflitos pontuam menos nos exames de matemática da Prova Brasil. Tal efeito negativo aumenta com a intensidade e a duração do conflito, e quando estes ocorrem nos meses que precedem a prova, decrescendo rapidamente com a distância entre a escola e as áreas nas quais as disputas armadas ocorrem. Encontramos ainda que esses conflitos afetam a rotina escolar ao aumentar a probabilidade de interrupção de aulas durante o ano letivo, aumentam a rotatividade dos diretores e o percentual de faltas dos professores.

É importante mencionar que estes resultados captam o efeito da exposição a conflitos entre facções criminosas. A análise não capta, portanto, os efeitos potencialmente negativos da exposição contínua ao domínio territorial de uma determinada facção criminosa. Dessa forma, nossos resultados devem ser interpretados como uma subestimativa dos efeitos da violência associada ao tráfico de drogas sobre o desempenho escolar e o bem-estar da população exposta.

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Os resultados nos mostram que os custos da violência, em particular daquela associada ao tráfico de drogas, podem ir muito além da alta taxa de mortalidade daqueles diretamente envolvidos nos conflitos. Neste estudo, mostramos que a violência impacta negativamente um ativo relevante ao desenvolvimento de longo prazo, o capital humano. Não apenas isso, apresentamos evidências robustas de que a violência tem um impacto negativo e direto sobre a educação, independentemente de quaisquer outras desvantagens socioeconômicas enfrentadas por famílias, alunos e escolas expostas à violência. Neste sentido, o combate direto à violência deve ser aliado às demais políticas sociais no combate ao ciclo da pobreza em áreas conflagradas.

 

*Joana Monteiro é doutora e mestre em economia pela PUC-Rio e bacharel em economia pela UFRJ. Atualmente, é professora da FGV/EBAPE e Diretora-Presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do Governo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela divulgação e análise de estatísticas de criminalidade e violência.

**Rudi Rocha possui graduação e mestrado em economia pela UFRJ e doutorado em economia pela PUC-Rio. É atualmente professor do IE-UFRJ, onde leciona métodos quantitativos e econometria aplicada em cursos de graduação e pós-graduação.

 

Referências

Misse, M. (1999). Malandros, Marginais e Vagabundos e a Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro.

Monteiro, J e R. Rocha (2016). Drug Battles and School Achievement: Evidence from Rio de Janeiro’s Favelas. Review of Economics and Statistics, a sair.

Silva, J., Fernandes, F. e R. Braga (2008). Grupos Criminosos Armados com Domínio de Território. Reflexões sobre a Territorialidade do Crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro, pp. 16-26. Fundação Heinrich Böll, Rio de Janeiro.

 

Postado originalmente em VoxBr.

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