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Contratualizaçao e novas parcerias em Educação com Fernando Schuler

O especialista em contratualização refletiu sobre parcerias que podem ser feitas na Educação e quais as vantagens do modelo de gestão compartilhada na área

 

 

Na data em que se comemora o Dia da Educação, 28 de abril, a Comunitas busca fazer uma reflexão sobre os projetos educacionais do país. Os desafios do Brasil na área são imensos e a pandemia escancarou ainda mais a defasagem de aprendizado dos estudantes da rede pública de ensino.

Uma possível solução para corrigir os déficits educacionais do país passa pelas contratualizações que, ao contrário do imaginário popular, é diferente de privatização. O serviço continua sendo público, porém com a gestão de parceiros. No Brasil, existem diversos mecanismos legais que estabelecem como se dará a relação entre os setores, a exemplo das Parcerias Público-Privadas (PPP). 

Na entrevista abaixo, Fernando Schuler*, parceiro da Rede Comunitas, fala mais sobre o assunto.

Qual a diferença de PPP, Contratualizações e etc, e como o gestor consegue decidir pelo melhor formato?

Este é o grande desafio. O Brasil tem um quadro bastante completo de legislações para estabelecer parcerias e contratualizar a gestão de serviços, em todas as áreas, com o setor privado. Temos a lei das concessões, a lei das PPPs, a lei das Organizações Sociais, o marco regulatório da sociedade civil (lei 13.019/14). E ainda existe a possibilidade de parcerias com os Serviços Sociais Autônomos, hoje basicamente o chamado sistema “S”, o Senai, Senac, Sebrae, que são organizações altamente especializadas em suas respectivas áreas. Para identificar qual a melhor legislação a ser utilizada, é preciso avaliar caso a caso. É preciso conhecer as legislações em profundidade e usar critérios técnicos para decidir. 

Quais os maiores desafios desses modelos de gestão dentro do governo e como se diferenciam de privatização?

Em geral, o conceito de privatização remete a processos de venda do controle patrimonial. Quando uma empresa estatal, por exemplo, passa ao controle completo do setor privado. Obviamente, este não é o caso da prestação de serviços públicos. Não haveria sentido em passar o controle ou a propriedade de escolas públicas, ou postos de saúde, para o setor privado. É aí que entra a contratualização. Neste caso, o que se passa no setor privado é a gestão do respectivo serviço. O foco é reduzir a burocracia, aumentar a accountability e melhorar os resultados, na ponta. O que nós costumamos chamar de impacto social. Então privatização e contratualização são coisas bastante diferentes. 

Como essas parcerias podem funcionar na melhoria da qualidade da Educação?

O Brasil avançou nos processos de reforma do Estado em diversas áreas. Na cultura, temos experiências como a OSESP, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Nas áreas de infra-estrutura, as melhores estradas do País são concedidas, e nossos aeroportos estão todos migrando, com grande sucesso, para a gestão privada. Na saúde igualmente avançamos, com as OSs no Estado de São Paulo, e as PPPs no Estado da Bahia. Só na educação, infelizmente, não avançamos praticamente nada. Nossa educação pública fica nos últimos lugares, a cada três anos, no PISA, mas nos recusamos a inovar. Então é este o desafio. Romper com velhos preconceitos e começar a implantar os modelos da reforma do Estado na educação. 

Nos modelos já existentes de parcerias na Educação, quais indicadores podem sinalizar o sucesso da iniciativa?

Há experiências localizadas, com resultados promissores. O primeiro deles é o próprio ProUni, um dos maiores programas de voucher-educação do mundo. Pesquisa recente mostrou que os alunos bolsistas integrais do Programa têm uma nota média no ENADE 10% maior. A única PPP de educação feita no Brasil, pela prefeitura de Belo Horizonte, mostrou que, com a gestão privada da parte operacional, os diretores de escola têm 25% a mais de tempo para se dedicar à gestão pedagógica. As demais experiências, em Minas Gerais e Porto Alegre, ainda são mundo recentes, e não há dados precisos. De qualquer forma, no plano global há uma ampla base de indicadores para mostrar quais os tipos de regulação que oferecem as melhores perspectivas. Um dos nossos desafios é pesquisar isto em profundidade. 

Quais modelos de parcerias em Educação do mundo podem servir de inspiração para o Brasil?

Há muitos modelos. Talvez o mais importante seja o das Charter Schools, nos Estados Unidos. Há também múltiplos modelos, nos países da União Europeia. Há um extenso sistema de voucher, por exemplo, na Suécia. Na Holanda, mais de dois terços das escolas privadas recebem algum tipo de subvenção pública. Na média europeia, escolas privadas recebem acima de 50% das receitas em subversões públicas, na forma de bolsas e contratos. Na verdade, os sistemas tendem a ser mistos. Sempre que você permite que os alunos de menor renda frequentem as melhores escolas, na área privada, onde estudam os alunos de famílias de maior renda, você não apenas promove a qualidade do ensino, mas também maior igualdade. O segredo é sempre buscar a melhor regulação. De nada adianta dizer: o modelo tem que ser 100% público ou 100% privado. É preciso avaliar qual a modelagem que melhor atende aos estudantes, em cada região, e a partir daí fazer as escolhas. 

É possível vislumbrar a equiparação educacional entre ricos e pobres ao implementar, de uma forma ampla, esses modelos de parceria nas escolas públicas?

Penso que este deve ser o objetivo, a longo prazo. A grande pergunta brasileira, diria civilizatória, na educação, é a seguinte: por que os filhos das famílias de menor renda não podem ter uma educação similar, em termos de qualidade, àquela de que dispõe os filhos de famílias de maior renda? E aqui é importante evitar a caricatura. Não estou me referindo a um pequeno grupo de escola de elite, muito caras, ou escolas internacionais, que sempre existirão, em uma sociedade aberta. Me refiro a escolas de boa qualidade, onde estudam os alunos de classe média. Escolas que têm um custo compatível com o que o Estado gasta, per capita, no Brasil. 

Isto só poderá ser alcançado com ganhos de eficiência. Ganhos de escala, melhoria na gestão, treinamento de professores, disciplina, etc. Em especial, com incentivos de mercado. Somos unânimes em reconhecer que a concorrência promove a eficiência, na economia. Por que ela não produziria também eficiência na educação? O importante é superar os preconceitos e avaliar os melhores modelos. 

Economicamente falando, como é possível calcular, ou quais os itens considerados para avaliar, qual seria a economia para um município ou Estado ao adotar um modelo de parceria na Educação?

Penso que o primeiro aspecto a avaliar é o ganho em termos de accountability do sistema educacional como um todo. Quando a prefeitura faz a gestão via modelos de contratualização, ela sabe exatamente quando ela gasta, em cada contrato, quais são as metas e quais os critérios pelos quais cada escola será avaliada. E ela tem a prerrogativa de encerrar o contrato, caso as metas e objetivos não estejam sendo cumpridos. Isto é o mínimo que se deve exigir em gestão pública. 

Além disso, há um ganho de transparência: os contratos são públicos. Então a comunidade pode saber o que foi acordado, quanto está custando, e quais os objetivos a atingir. Hoje em dia, é virtualmente impossível saber o custo de uma escola, e quais os indicadores de desempenho de um sistema educacional. E mais: os governos simplesmente não têm controle sobre suas redes. Isto em função do corporativismo, da estabilidade no emprego, dos engessamentos da burocracia pública. 

Outra vantagem da contratualização: os profissionais são contratados via CLT, pelas organizações privadas gestoras. Em um país em rápida transição demográfica, qual o sentido de se ficar abrindo concursos e contratar profissionais por 30 anos ou mais, sem possibilidade de exoneração? E sem condicionar a função a qualquer análise de desempenho? Então há vários ganhos que se pode obter com bons modelos de contratualização. 

Uma escola contratualizada de Porto Alegre foi a única, no Estado inteiro do RS, a não interromper as atividades durante a pandemia. Mesmo com todos os riscos, de que forma isso foi positivo para os alunos? E por que isso foi possível neste modelo de gestão?

Isto aconteceu também em Minas Gerais, durante a greve da categoria. Ocorre que as escolas contratualizadas são organizações privadas. Os professores são celetistas, como são os trabalhadores do setor privado. A escola funciona como qualquer estabelecimento particular, que atende aos alunos de maior renda, em nossas cidades. Ou seja: a escola não fica submetida ao tradicional corporativismo, que todos os anos faz com que milhares de alunos percam parte do ano letivo, seja com faltas crônicas ou paralisações. 

Dados do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mostram que os professores da rede estadual faltam, em média, 15% dos dias letivos. Isto é impensável no setor privado. E não é “culpa” dos professores, ou deste ou daquele partido. É o desenho das regras do jogo, isto é, dos incentivos, que está mal-feito. É isso que precisa mudar. 

*Fernando Schuler é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com ênfase em filosofia política. Ele também é professor universitário, articulista, consultor de empresas e organizações civis nas áreas de Cultura, Ciências Políticas, Gestão e Terceiro Setor. Entre 2007 e 2010, foi Secretário de Estado da Justiça e do Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul. Foi Diretor do Ibmec, no Rio de Janeiro, estando na Columbia University, como Visiting Scholar. Atualmente é titular da Cátedra Insper Palavra Aberta.

 

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