A Comunitas reuniu líderes do setor público e privado para debater soluções conjuntas e eficazes no combate à criminalidade, destacando a importância da cooperação entre os diferentes níveis de governo
Na última sexta (11), a Comunitas realizou a 17ª edição do Encontro de Líderes com o objetivo de discutir os principais desafios e oportunidades para o Brasil na área da segurança pública. Com o tema “Políticas Integradas e Coalizões em Prol da Segurança Pública”, o encontro, que é realizado anualmente pela organização, se concentrou em debates sobre estratégias colaborativas para fortalecer a segurança no país.
Entre 2017 e 2023, o Brasil registrou uma queda de quase 30% nas mortes violentas intencionais (homicídios), passando de 64.079 para 46.328 vítimas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Além disso, outras modalidades de crimes violentos, como roubos de veículos, cargas e a instituições financeiras, também sofreram redução acentuada. Apesar desses avanços, a percepção de insegurança persiste entre a população, o que indica que, embora os números apontem uma tendência de queda, ainda há desafios a serem enfrentados para alinhar esses resultados com a sensação de segurança nas ruas.
Ao longo de todo esse ano, a Comunitas, com o apoio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), conduziu uma ampla escuta envolvendo governadores e secretários de segurança pública de diversos estados brasileiros, em sua maioria integrantes da rede de lideranças apoiadas pela organização. A ideia foi ouvir os responsáveis por garantir o direito social à segurança, sobretudo por meio da gestão das polícias civis, militares e penais, bem como dos corpos de bombeiros e órgãos de perícia técnica, com objetivo de promover convergências na temática e identificar possibilidades de melhoria no intercâmbio entre as diferentes instituições encarregadas de garantir segurança pública.
“A criação de políticas públicas integradas, que unam segurança, saúde, educação e assistência social, é essencial para promover o atendimento adequado às vítimas e combater as raízes do problema. Ao adotar uma abordagem intersetorial, a Agenda Nacional de Segurança Pública poderá, de fato, promover a construção de territórios mais seguros e resilientes, refletindo o compromisso com o bem-estar e a segurança de todos os brasileiros”, declarou Regina Esteves, Diretora-presidente da Comunitas.
Dentre as personalidades do setor público que participaram do Encontro de Líderes deste ano, destacam-se os governadores Eduardo Leite (RS); Eduardo Riedel (MS); Helder Barbalho (PA); Mauro Mendes (MT); Ronaldo Caiado (GO) e Romeu Zema (MG). Também estiveram presentes o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino; o ex-Ministro Extraordinário de Segurança Pública, Raul Jungmann; e o Secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo.
Além deles, também marcaram presença o Presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan, Rubens Ometto Silveira de Mello; a Vice-Presidente da Neoenergia, Solange Ribeiro; o Diretor-Presidente da Ultrapar, Marcos Lutz; o Membro do Conselho de Administração do Grupo Iguatemi, Carlos Jereissati Filho; o Vice Chairman da Brookfield, Luiz Ildefonso Simões Lopes; o Diretor-Presidente da Rumo, Pedro Palma; o Professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, Benjamin Lessing; o especialista em segurança pública, Luís Flávio Sapori; e o Diretor-Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
No debate sobre segurança pública, os participantes convergiram em alguns aspectos e divergiram em outros. Houve um consenso de que o crime organizado é o maior desafio a ser enfrentado no Brasil e que, para combatê-lo de forma eficaz, é essencial uma maior integração entre os diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal. Também concordaram sobre a necessidade de maior investimento em inteligência, bem como sobre o anacronismo das leis, que não refletem o Brasil de hoje, e a burocracia do judiciário, que atrasa processos e dificulta a punição eficaz dos crimes, alimentando a impunidade e a sensação de insegurança entre a população.
Entretanto, surgiram divergências em relação à governança e autonomia entre as esferas de poder. Enquanto alguns participantes defenderam o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), com uma coordenação nacional, outros expressaram preocupação com a interferência da União na autonomia estadual. Houve também diferenças na forma como os recursos financeiros são geridos, com críticas sobre o uso do Fundo Nacional de Segurança Pública, que foi visto por alguns como ineficiente ou inadequado para atender às necessidades locais.
O desafio do crime organizado
Em mais de 20 anos de pesquisa, o professor Benjamin Lessing aponta que a repressão estatal ao crime organizado na América Latina, incluindo o Brasil, frequentemente produz efeitos colaterais indesejados, tornando-se contraproducente. Segundo ele, os esforços do Estado, ao invés de enfraquecer as facções criminosas, acabam fortalecendo sua influência, especialmente nas prisões, onde o crescimento da população carcerária ajuda a consolidar o poder dessas organizações, como aconteceu com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) no Brasil. Esse fenômeno, que começou concentrado no Sudeste, hoje se expande por todo o país e segue padrões de “governança” dentro das comunidades.
Lessing observa que o controle das facções se dá em grande parte pela imposição de regras dentro das favelas – como a proibição de roubar, delatar ou usar drogas na frente das crianças – o que gera um sentimento de segurança para os moradores. Ele ressalta que a lealdade conquistada pelas facções é um fenômeno latino-americano, e em muitos bairros, a presença dessas organizações é vista como responsável pela ordem local. Um dado preocupante é que, segundo pesquisas, cerca de 6% da população brasileira afirma haver presença armada não-estatal em seus bairros.
A chave, segundo o professor Lessing, não está em aumentar a repressão indiscriminada, mas em diferenciar o comportamento violento do não-violento no combate ao tráfico. Ele sugere que quando o Estado usa sua força coercitiva de forma indistinta, as facções respondem com mais violência. No entanto, se o Estado adotar uma postura mais diferenciada, punindo de forma mais severa os crimes violentos e sendo menos repressivo em relação aos não-violentos, é possível desincentivar o uso da violência por parte das facções.
“Não existe bala de prata. O Estado tem muita força coercitiva. Tudo o que as facções fazem é em antecipação às ações do Estado”, explicou ele.
Flávio Dino defende fortalecimento do SUSP e papel do Judiciário na segurança pública
O Ministro Flávio Dino destacou a necessidade de revisar a percepção errônea de que o Brasil não possui um plano nacional de segurança pública. Segundo ele, desde 2018 existe um plano estruturado que precisa ser fortalecido e atualizado continuamente, mas que ainda tem grande relevância. Dino também enfatizou a importância de valorizar o Fundo Nacional de Segurança Pública, que embora considerado insuficiente, com valor estimado de R$ 2 bilhões, é uma ferramenta muito importante para o financiamento das políticas de segurança no país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Além disso, ele defendeu o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) como meio de coordenação entre as esferas de governo e a promoção de maior controle sobre o armamentismo e as fronteiras do país.
Dino abordou a questão do “ativismo judiciário”, criticando a noção de que o Judiciário interfere excessivamente em decisões de segurança pública. Ele ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel necessário em diversas áreas, como o tratamento das prisões preventivas, a distinção entre porte e tráfico de drogas e o fortalecimento das guardas municipais no combate à criminalidade. Outro ponto também destacado por ele é que o STF tem validado provas que, muitas vezes, foram anuladas por outras instâncias, garantindo mais efetividade nos processos criminais.
Por fim, o Ministro apontou a morosidade do Judiciário como um dos principais desafios para a segurança pública, defendendo a necessidade de um sistema mais eficiente de filtros para reduzir o número de processos a serem julgados pelo Supremo. “O Judiciário pode e deve ser criticado, mas de forma construtiva, evitando reações exageradas que enfraquecem as instituições”, defendeu.
Roda 1
A primeira roda de debate do Encontro de Líderes abordou o tema “Coalizão Governamental: Soluções Compartilhadas para a Segurança”. Participaram do painel os governadores Eduardo Riedel (MS), Helder Barbalho (PA), e Ronaldo Caiado (GO), além do ex-Ministro Raul Jungmann. Os gestores trouxeram suas perspectivas regionais e discutiram como os estados podem cooperar para enfrentar os desafios da segurança pública de forma integrada.
O debate foi moderado por Luís Flávio Sapori, especialista em segurança pública, e também contou com a participação do diretor-presidente da Ultrapar, Marcos Lutz, que trouxe a visão do setor privado sobre o papel das empresas na construção de ambientes mais seguros.
Ao longo do painel, foi consenso entre os participantes que a complexidade do desafio imposto pelo crime organizado demanda uma abordagem integrada, que exige uma cooperação entre as três esferas de governo. As atividades das facções, além de impactar diretamente a segurança, afetam a economia e a política, exigindo investimentos contínuos em inteligência e tecnologia.
Além disso, os debatedores salientaram que a integração entre as forças de segurança e o fortalecimento das ações de fiscalização nas fronteiras são medidas essenciais para conter o avanço das facções criminosas. “A complexidade é grande e não se resolve esse problema em uma única vertente. O Sistema Único de Segurança Pública é uma decisão política que tem que ser tomada, é uma matéria de interesse nacional que não evoluiu na mesma velocidade do crime organizado”, salientou Riedel.
Outro ponto discutido foi a responsabilidade financeira pela segurança pública, que recai majoritariamente sobre os estados, com uma percepção de que o apoio federal ainda é insuficiente. Embora a União tenha feito investimentos importantes em inteligência e tecnologia, a exemplo de radar para aviões de baixa altitude, os participantes reforçaram a necessidade de mais recursos e de uma estratégia integrada de segurança, que coordene melhor as ações entre todas as esferas de governo.
Também foi destacado que a segurança pública deve ser tratada de forma transversal, com foco não apenas na repressão, mas também na prevenção e no combate às causas da criminalidade, como a vulnerabilidade social.
“A agenda de segurança pública é prioritária em todos os estados e devemos trocar informações para que possamos reduzir a criminalidade. Porém, é preciso enfrentar as causas da criminalidade que, certamente, provêm da vulnerabilidade social. Então é preciso pensar políticas que contribuam para reduzir as vulnerabilidades em que as pessoas vivem”, defendeu Helder Barbalho.
Roda 2
A segunda roda de debate teve como tema “Governança e Aliança: Iniciativas Conjuntas para a Segurança Nacional”, e contou com a participação dos governadores Eduardo Leite (RS), Mauro Mendes (MS), e Romeu Zema (MG). Cada um deles abordou suas iniciativas e experiências para fortalecer a segurança pública em seus respectivos estados.
O painel foi moderado pelo diretor-presidente do Fórum de Segurança Pública Renato Sérgio de Lima e contou com a participação do diretor-presidente da Rumo, Pedro Palma, oferecendo a visão do setor privado sobre as parcerias público-privadas na área de segurança. A discussão teve o objetivo de explorar alianças entre estados e como essas colaborações podem resultar em estratégias mais eficazes.
A discussão do painel focou na necessidade de integração e cooperação entre as forças de segurança. O debate revelou a complexidade do combate ao crime organizado, que se expande não apenas no tráfico de drogas, mas também em outras atividades ilícitas. Os participantes enfatizaram a importância de utilizar inteligência e tecnologia para enfrentar a questão, além de promover uma maior coordenação entre os estados e o governo federal.
Outro ponto levantado foi a inadequação das leis e sistemas atuais, que não acompanham a evolução do crime organizado no país. Foi consenso que o arcabouço jurídico brasileiro precisa ser reformado, já que muitas vezes a burocracia e a impunidade enfraquecem o trabalho das forças de segurança. “A União não faz o que deve ser feito porque não conhece o que está acontecendo no território brasileiro. As nossas leis não refletem a realidade do Brasil, basta dizer que o nosso código penal é de 1940, com alguns remendos, mas quanto o mundo e o Brasil mudaram desde lá?”, salientou Mauro Mendes
Por fim, o grupo reforçou a importância de uma governança mais eficiente e de parcerias público-privadas para melhorar a segurança. Embora haja recursos e discussões sobre o tema, faltam ações concretas para enfrentar o crime de maneira eficaz. “De que formas os entes federativos e o governo federal vão trabalhar para construir consenso, ainda é um desafio. E isso não vai ser construído por um setor específico, por uma empresa. É preciso sentar e construir o consenso juntos”, propôs Palma.
O caminho para desmantelar o crime organizado
Em sua apresentação, o Secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, destacou a importância da integração entre o governo federal e os entes federativos para enfrentar o crime organizado. Ele afirmou que o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) é essencial para promover uma colaboração eficaz entre os estados, secretários de segurança e chefes de polícia, além de melhorar o uso de inteligência na prevenção e combate à criminalidade. Sarrubbo também sublinhou que “o crime organizado está entranhado na economia do país e busca se infiltrar na política”, o que torna ainda mais urgente o desenvolvimento de uma resposta coordenada.
O secretário apontou que, apesar da necessidade de mudanças na legislação, o mais importante é garantir que o criminoso perceba o risco real de ser preso ao cometer um crime. Para ele, o aumento das sanções penais por si só não resolvem o problema, sendo fundamental construir uma política de segurança pública que desestruture as organizações criminosas por meio de inteligência e integração entre os estados. Nesse sentido, ele destacou a importância de institucionalizar o SUSP para fortalecer a cooperação interestadual e impedir que falhas em um estado prejudiquem o trabalho de outro.
Por fim, Sarrubbo chamou a atenção para o fato de que o Brasil enfrenta, na verdade, “uma situação de máfia”, e não apenas de crime organizado. Isso exige que a sociedade e os poderes públicos adotem uma abordagem estratégica e integrada, baseada na troca de informações e na institucionalização de mecanismos de cooperação entre as polícias, para enfrentar o problema de maneira eficaz e duradoura.
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