Atual diretor técnico na Informática de Municípios Associados (IMA), Leandro Telles é formado em Engenharia de Controle e Automação pela Unicamp. Cursou especialização em Gestão Pública Municipal pela Unifesp. É também mestre em Gestão Pública pela Universidade de Columbia, de Nova Iorque, por meio de bolsa de estudos concedida pela Comunitas. Atuou como diretor de TI na Prefeitura de Campinas de 2013 a 2016. De 2006 a 2012, foi empreendedor e também atuou na área técnica de computação desde 1993, além de ter participado de projetos premiados no Brasil.
Leandro foi um dos especialistas parceiros que colaboraram na produção da mais recente publicação da Comunitas, sobre o uso da tecnologia na gestão pública.
Confira como foi nosso Bate-Bola.
# Como os desafios sociais podem ser minimizados com o uso da tecnologia por parte da gestão pública?
O uso da tecnologia permite o poder público aumentar o controle sobre a prestação do serviço público. É possível saber, por exemplo, quais e quantos medicamentos estão sendo distribuídos pela rede de saúde, assim como é possível identificar o desempenho dos alunos na rede de educação. Isto, no fim do dia, significa diminuição dos desperdícios dos recursos públicos e consequentemente maior capacidade de investimento em áreas que necessitam de atenção. Com o uso da tecnologia é possível, também, evitar fraudes. A tecnologia é capaz de, por exemplo, auxiliar auditores fiscais a identificar quais empresas estão sonegando impostos.
# Em relação à tecnologia da informação: como transformar os dados em informação útil para a população?
Para que a informação possa ser útil para a população ela primeiro precisa fazer sentido e ser útil para a própria gestão pública. O poder público coleta, ou deveria coletar, todos os dias, uma infinidade de dados sobre a sociedade e seu comportamento, nas mais diversas áreas: saúde, educação, tributária… Estes dados devem ser utilizados pelo governo para entender o comportamento social, assim como para identificar quais são as deficiências do próprio poder público. O governo, ao enxergar o verdadeiro funcionamento da máquina pública, consegue, com o uso da tecnologia, disponibilizar para a população informações sobre seu desempenho e sobre a qualidade dos serviços prestados.
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# Quais os desafios para o uso da tecnologia da informação e comunicação nas prefeituras brasileiras, levando em consideração a complexidade do estado?
No meu ponto de vista, o principal desafio está na dificuldade de integração das diversas áreas das prefeituras. É comum que prefeituras possuam estruturas administrativas fortemente “departamentalizadas”. Nestas administrações, cada silo enfrenta seus desafios diários de forma totalmente desacoplada dos demais. Os problemas que surgem, na maioria das vezes, são resolvidos sob a ótica somente de um determinado departamento e não com a visão no todo ou no principal interessado – o cidadão. Isto decorre do excesso de burocracia e da falta de recurso (humano e financeiro) para criação de soluções integradas, que contemplem revisão e automação de processos e reaproveitamento de soluções pré-existentes. Para sanar este problema, as prefeituras precisam criar ambientes colaborativos e multidisciplinares, que possuam como meta a identificação e solução de problemas bem específicos. Os participantes destes ambientes devem ser capazes de propor soluções transversais para os problemas, de forma que eles sejam resolvidos do ponto de vista do cidadão e não da administração. Recentemente, reestruturamos todo o departamento de desenvolvimento de sistemas e soluções da IMA para ele contemplar este tipo de visão. Criamos uma estrutura voltada para a solução de problemas e não para o desenvolvimento de uma tecnologia sob demanda de um determinado departamento. A reestruturação foi registrada no artigo “Inovar para acelerar”.
# O que o governo, em nível federal, deveria fazer para simplificar e estimular o desenvolvimento de ações tecnológicas nas cidades?
Acredito que o governo federal tenha um papel importante em relação a ações tecnológicas, de especificação e padronização. O governo federal, em minha opinião, deveria ser o agente que define como o fluxo de informações deve ocorrer nas esferas administrativas e entre elas. Peguemos o exemplo da Lei Complementar 157/2016, que definiu novas regras para recolhimento do ISS para leasing, planos de saúde e cartões de crédito. Sem a definição de padrões de comunicação entre as empresas operadoras e o poder público, o controle sobre o recolhimento do imposto ficará prejudicado. O controle seria simplificado se o governo federal tivesse estabelecido critérios técnicos para transferência de informações entre os entes interessados. A mesma coisa acontece com os sistemas utilizados pelas áreas que não são de responsabilidade exclusiva do poder municipal, como saúde, educação, segurança pública, meio ambiente, infraestrutura. A tecnologia adotada nestas áreas pelas prefeituras diverge muito em termos de capacidade e qualidade. Cada prefeitura cria sua própria solução, ou seja, cada prefeitura investe, sozinha, no desenvolvimento de ações tecnológicas que na verdade poderiam ser desenvolvidas uma única vez e utilizada por todas.
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# Como a participação da iniciativa privada – causa apoiada pela Comunitas – pode auxiliar na inovação tecnológica na gestão pública?
A iniciativa privada tem papel fundamental na adoção de tecnologias pela gestão pública. Ela encontra nichos de atuação dentro do poder público que muitas vezes não são identificados pelo próprio governo. Além disto, a iniciativa privada tem capacidade de investimento que o poder público não possui. Ainda, a iniciativa privada desenvolve tecnologia com velocidade superior à velocidade dos governos. Entretanto, a iniciativa privada, sozinha, não é capaz de encontrar as melhores soluções para os problemas cada vez mais complexos da sociedade. Acredito que a inovação tecnológica pode ser potencializada pela união de esforços entre poder público e iniciativa privada.
# Como engajar a própria população durante esse processo de inovação tecnológica na gestão pública?
O senso comum diz que a população é pouco engajada nas questões que dizem respeito à gestão pública. Por outro lado, vemos cada vez mais o surgimento de soluções desenvolvidas pela própria população que afetam a administração pública. Somente para citar alguns exemplos, temos o Uber, Airbnb e mais recentemente o Bitcoin. Todas estas tecnologias afetam mercados regulamentados pelos governos, mas foram desenvolvidas pela iniciativa privada. Acredito que sempre haverá parte da população que desejará participar e parte da população que não terá interesse em participar. Para aquela parte que quer participar o engajamento será maior à medida que o governo for mais aberto. Não somente em relação aos seus dados, mas à própria gestão. Imagine que um cidadão encontre uma maneira mais eficiente de realizar agendamentos de consultas médicas na rede de saúde. Ainda, que o agendamento minimize a possibilidade de não comparecimento por parte da população. Este cidadão não consegue contribuir com o poder público porque o serviço público não é aberto, ou seja, não está acessível para que a população se engaje para desenvolver tecnologia que ajude a gestão pública. O conceito de serviço público aberto vai além do conceito de dados abertos. O primeiro permite que o cidadão seja agente participativo da gestão pública, atuando e afetando a forma como o serviço público é prestado. Já o segundo, coloca o cidadão numa posição de consumidor de informação, não permitindo sua atuação. É possível fazer uma analogia do serviço público aberto a uma partida de futebol. Quando temos dados abertos, é como se a população participasse da partida, porém, somente assistindo a ela, enquanto que quando temos serviços públicos abertos, é como se a população também fizesse parte do time e jogasse junto com ele. Com os serviços públicos abertos, conseguimos construir a cidade como plataforma, assunto muito discutindo recentemente em fóruns sobre gestão pública e cidades inteligentes.
# Qual a importância do servidor público nesse decorrer de transformação tecnologia na administração pública?
O servidor público é o agente capaz de realizar projetos de longo prazo que tragam impactos positivos para toda a sociedade, ao contrário da visão política, que está geralmente vinculada a projetos de curto prazo. O servidor público é também peça fundamental na construção de uma administração pública mais eficiente, mais eficaz, mais transparente e mais participativa. O servidor público conhece a máquina pública e a sociedade onde ela está inserida. Ainda, ele possui conhecimento para direcionar corretamente investimentos em tecnologia que mudem definitivamente como o serviço público é prestado.
# Publicações como a cartilha de Tecnologia lançada recentemente pela Comunitas, podem auxiliar na ampliação do uso de ferramentas tecnológicas em um maior número de municípios?
Com certeza absoluta pode. A adoção de qualquer tecnologia no setor público depende fortemente da certeza de que aquela tecnologia irá realmente funcionar e trazer os resultados esperados. Ao contrário do setor privado, que possui liberdade para “experimentar”, o setor público, que é responsável pelo dinheiro público, precisa ser assertivo aos definir os investimentos que serão feitos e quais ferramentas tecnológicas serão utilizadas. As cartilhas de replicabilidade publicadas pela Comunitas auxiliam os gestores públicos a seguirem por caminhos conhecidos. Elas apresentam histórico de adoção de ferramentas por outros órgãos públicos e os resultados obtidos. Assim, o fator incerteza fica minimizado ou eliminado. Além disso, com a plataforma Rede Juntos, o gestor público tem condições de antes de começar a colocar o projeto em prática, saber onde ele vai chegar e quais os resultados que ele pode atingir também.
Confira a opinião do Leandro Telles sobre a plataforma digital Rede Juntos:
https://www.youtube.com/watch?v=tZsQ6xvj6TQ
Clica no play e ouça as palavras de Leandro Telles sobre o uso da tecnologia na gestão pública:
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