Por João Luiz Rosa e Marli Olmos | Publicada originalmente no jornal Valor Econômico – edição 02/12/2016)
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Em Campinas (SP), uma versão personalizada do “Diário Oficial do Município” já recebeu 750 mil acessos; em Teresina (PI), jovens recorreram a uma plataforma digital para apresentar 173 projetos voltados ao combate à violência; em Pelotas (RS), a população decidiu, por meio de um aplicativo, acabar com o estacionamento lateral em uma avenida importante e revitalizar o espaço. Como a maioria das cidades brasileiras, esses municípios lidam com orçamentos apertados e dificuldades de planejamento, mas estão descobrindo maneiras de amenizar o que talvez seja a origem do descrédito da população com a classe política – a percepção de que não adianta reclamar dos problemas porque o cidadão comum nunca será ouvido pela administração pública.
A ligação entre tantas experiências diferentes, mas com foco convergente, é o Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável, um grupo de empresários que usa sua experiência na iniciativa privada para ajudar a melhorar a administração das cidades. No grupo, que se autodefine como um coletivo, eles deixam o protagonismo que os distingue no comando de algumas das maiores companhias do país para enfatizar o papel do trabalho compartilhado, sem hierarquia nem cargos.
Criado há quatro anos, o Juntos tem como ponto de partida ajudar os municípios a alcançar o ajuste fiscal e direcionar os recursos públicos para melhorar a vida da população. Nesse período, os oito municípios inicialmente envolvidos no projeto obtiveram um ganho de R$ 501,51 milhões, segundo a consultoria Falconi, parceira técnica do Juntos. Isso foi obtido com o aumento da arrecadação e a redução das despesas, sem precisar elevar impostos ou criar novos tributos. O resultado representa um retorno sobre investimento de R$ 40,87 para cada R$ 1 investido pelo Juntos. “É um multiplicador de 40 vezes, que não vejo em nenhum outro lugar”, diz Ricardo Villela Marino, vice-presidente executivo e membro do conselho do Itaú Unibanco.
“Ajuste fiscal e planejamento são condições sine qua non, mas o Juntos evoluiu. Não ficou só nessas questões”, diz Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo Iguatemi, de shopping centers. O passo seguinte é melhorar a comunicação com o cidadão e seu engajamento nas questões urbanas. “A população não quer ser mais espectadora de seus homens públicos; quer participar.”
Em Santos, foi estabelecido um modelo de participação direta nos resultados para os funcionários municipais, à semelhança do que ocorre na iniciativa privada. O projeto começou com sete secretarias. Quem atinge 100% das metas ganha o bônus integral. Para conseguir metade do prêmio é preciso atingir pelo menos 70%. São dois critérios: a redução de gastos como contas de luz e água e a qualidade dos serviços à população, como o tempo que um paciente espera para ser atendido no posto de saúde ou que um empreendedor gasta para abrir uma empresa. “O monitoramento é bimestral. Adotamos o conceito da meritocracia”, diz o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB).
A ideia é justamente essa: obter um impacto perceptível no dia a dia do cidadão. “Há muitas coisas em comum entre a gestão pública e a privada. O cliente do prefeito é o cidadão”, diz Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco.
As regras para o ingresso dos municípios no Juntos são rigorosas. A nomeação dos secretários pelo prefeito deve seguir critérios técnicos e as contas da prefeitura precisam ser abertas. Só entram políticos “ficha limpa”. Ao longo desses quatro anos, foram admitidas as cidades de Campinas, Itirapina e Santos (SP); Curitiba (PR); Juiz de Fora (MG); Paraty (RJ); Pelotas (RS) e Teresina. Há também um modelo de consórcio com Brotas, Corumbataí, Limeira e São Carlos, todas no interior de São Paulo. O Juntos não apoia projetos isolados. O compromisso é com todo o ciclo de gestão.
As recentes eleições municipais foram, de certa forma, uma prova. Na tentativa de apoiar lideranças novas, o foco original do Juntos foi dirigido a prefeitos em primeira gestão. A troca de gestor poderia significar o fim da experiência, dependendo de quem fosse eleito. Mas não foi isso que aconteceu. Seis dos oito prefeitos participantes foram reeleitos. Em Curitiba, houve troca de partidos, mas o compromisso foi mantido. E em Pelotas, a eleita é vice-prefeita da gestão atual.
Agora, três outros municípios de peso vão se juntar ao grupo – São Paulo, Salvador e Porto Alegre. “O que me inspirou foi buscar quem pode ajudar a encontrar formas de melhorar a qualidade do gasto público”, diz Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM), prefeito reeleito de Salvador.
A entrada da capital paulista, a cidade mais populosa do país, com 12 milhões de habitantes, muda o escopo da iniciativa e cria condições para estabelecer parâmetros internacionais de comparação, diz Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas, organização social na qual nasceu e se desenvolve o Juntos. Em quatro anos, o orçamento destinado pelo grupo às prefeituras foi de R$ 50 milhões. Todos os recursos vêm de doações da iniciativa privada. Mas é consenso que o mais importante não é o dinheiro – é o tempo e o engajamento dos empresários. O projeto exige reuniões periódicas dos integrantes com prefeitos e secretários.
Como o tempo é escasso, um dos desafios principais é multiplicar o modelo. Em janeiro, o grupo vai colocar no ar um sistema de ensino a distância que reúne experiências concretizadas na primeira fase. “Já temos diversas cartilhas, com temas como equilíbrio fiscal e gerenciamento de projetos. Elas serão digitalizadas e colocadas em uma plataforma de ensino interativa, com acesso pela internet”, diz José Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho.
O sistema vai funcionar como uma biblioteca dinâmica. Para facilitar a comunicação, os usuários terão acesso aos contatos dos secretários que já implantaram os projetos descritos. Haverá também salas temáticas de discussão, nas quais os participantes poderão trocar informações. A plataforma vai ficar disponível para qualquer município, mesmo que não integre o Juntos. Nesse caso, porém, a eventual implementação de uma ideia é responsabilidade integral da prefeitura interessada.
Paralelamente, o Juntos está montando uma rede para estender os projetos do núcleo central de municípios. Foram selecionadas 74 cidades, que terão acesso a cursos direcionados e ferramentas adicionais e exclusivos dentro da plataforma digital. Como contrapartida, os prefeitos desses municípios assumiram o compromisso de abraçar conceitos de transparência, entre outros requisitos.
A experiência do Juntos indica um caminho inevitável para a gestão pública – identificar prioridades e, principalmente, aplicar tecnologia para resolver os problemas. “O que acontece, em geral, é que o setor público vive de apagar incêndios. Faz o que é urgente, mas não o que é importante”, diz Jorge Gerdau, presidente do conselho de administração do Grupo Gerdau. A inovação é considerada fundamental porque traz racionalidade à execução dos projetos. “Hoje, a empresa que não usar tecnologia, morre. Será que o Brasil pode ser competitivo com gestões públicas medievais?”, questiona o empresário.
Nos municípios apoiados pelo Juntos, há bons exemplos de aplicação tecnológica. Campinas está instalando fibras ópticas nas escolas municipais, que também passaram a contar com lousas digitais. “Em vez de desenhar, a professora pode buscar um mapa na internet”, diz o prefeito Jonas Donizette (PSB). Em Pelotas, a Rede Bem Estar – um posto de saúde turbinado, com aulas de ginástica e cozinha experimental saudável – conquistou um prêmio do Centro de Design Ativo, uma organização de Nova York. Estão em estudos, agora, formas de a população usar o WhatsApp, o popular aplicativo de comunicação, em trabalhos preventivos, como na área de segurança pública, diz a prefeita eleita Paula Mascarenhas (PSDB).
Levar a escola ou o hospital para a era digital não é tarefa fácil, mas, frequentemente, o mais difícil é usar a inovação na própria máquina pública. “A administração costuma ser muito defensiva em adotar novas tecnologias porque isso impacta a burocracia”, diz Marco Aurelio Ruediger, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getulio Vargas. Para o especialista, o avanço da tecnologia se dá numa velocidade que a estrutura do Estado não consegue acompanhar. No entanto, esse esforço precisa ser feito – e rapidamente. “O risco de fazer a mudança é alto, mas o de não fazê-la é absoluto”, afirma Ruediger.
O que está em jogo é a própria legitimidade dos governos. As redes sociais ajudaram as pessoas a se organizar e expressar suas convicções, incluindo a avaliação que fazem dos políticos. “Antes, a insatisfação demorava mais a aparecer”, diz Ruediger.
Para se aproximar da população, cabe ao gestor público recorrer aos novos meios, em especial as redes sociais, para expor os planos de ação e colher rapidamente as reações dos cidadãos. E isso não apenas às vésperas da eleição. “Comunicação pública não é comunicação eleitoral”, diz Luiz Lara, fundador da agência de publicidade Lew Lara.
O aumento da participação popular é visto como fundamental para evitar fissuras como as que têm caracterizado recentes episódios no mundo. É o caso do Brexit, a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia, e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. O Brexit venceu por uma diferença mínima – 51,9% da população -, enquanto a eleição de Trump provocou protestos nas ruas.
Quando essa divisão de opiniões é muito grande, o risco é de que a parte vencida, que não é pequena, resista a seguir o caminho escolhido. No âmbito municipal, o melhor é estimular a criação conjunta de alternativas capazes de contemplar uma ampla maioria. “Isso é muito transformador”, diz Pedro Paulo Diniz, da Península Participações. “É uma evolução da democracia.”
Aos poucos, as companhias têm dado mais atenção ao que ocorre fora de suas portas. Mesmo com a crise econômica, o volume de investimentos sociais feitos pela iniciativa privada se manteve inalterado no Brasil, em R$ 2,6 bilhões, entre 2014 e o ano passado. O resultado é parte da pesquisa Benchmarking do Investimento Social Corporativo (Bisc), que será divulgada hoje pela Comunitas. O levantamento, feito com 345 organizações, incluindo fundações, mostra que 36% do total conseguiu ampliar os recursos investidos. Em 29% da mostra, o aumento foi superior a 25%. A maioria das organizações ouvidas (64%) diminuiu o volume de recursos, mas só 14% cortou os aportes em mais de um quarto.
“Há várias formas de participar da política, e não necessariamente a partidária”, diz Jereissati. “É uma participação interessada. Se o Brasil não vai bem, seu negócio também não vai bem.”
Foto: Léo Pinheiro