Nos anos 1990, quando vivia sob o controle do cartel de narcotráfico de Pablo Escobar, a colombiana Medellín, capital da província de Antioquia, com 2,5 milhões de habitantes, era considerada a cidade mais violenta do mundo: registrava 381 assassinatos a cada 100 mil habitantes, em um cenário que misturava narcotráfico, guerrilha, repressão do Estado, corrupção e desigualdade social. Com medo da morte e dos milhares de sequestros, muitos empresários deixaram a cidade: manter a família em Miami (EUA) e negócios em Medellín tornou-se prática comum para as grandes empresas. “Muita gente saiu da Colômbia e nunca mais voltou”, conta o pesquisador colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho (Rio de Janeiro) e professor da Universidade Positivo. Ele mesmo deixou Medellín no fim dos anos 70, depois que 18 colegas da universidade em que lecionava foram assassinados, e hoje mora em Londrina, no Paraná.
A realidade atual de Medellín é bem diferente. Seis das dez companhias mais valiosas da Colômbia têm sua sede principal na cidade; são 37 empresas para cada mil habitantes e a meta é chegar a 50 em 2019, segundo a prefeitura. Além disso, Medellín reduziu em 90% a taxa de homicídios, para 21 mortes a cada 100 mil habitantes. “Sem o setor privado seria impossível que a cidade tivesse saído de seu pior momento”, afirmou o atual prefeito, Federico Gutiérrez, a uma plateia de empresários e políticos brasileiros na semana passada. “Os empresários decidiram continuar a ajudar a cidade apesar das dificuldades.”
Rodríguez, o pesquisador colombiano, conta que o caso de Medellín só foi bem-sucedido – e diferente do que ocorreu na maior parte da Colômbia – porque a cidadania local “comprou” a ideia do então prefeito Sergio Fajardo (2004-2007) de ocupar os espaços violentos do meio urbano, erradicando focos de narcotráfico por meio de ações coordenadas da polícia, comandadas pela prefeitura.
A liberação das áreas era seguida, num prazo de 120 dias, de uma série de obras sociais entregues pela à comunidade. “Sinalizava que o Estado veio para ficar e que não os abandonaria”, diz o pesquisador, que destaca que já houve tentativas semelhantes no Brasil, como as Unidade de Polícia Pacificadoras (UPPs) do Rio, mas que faltou a contrapartida do investimento social, que em Medellín foi bancado pelas empresas.
“Fajardo reunia os empresários locais e perguntava: ‘quanto vocês estão gastando para manter a família em Miami e gerir a empresa em Medellín, por medo? Não topariam me ajudar nessas obras que vão reduzir a violência?’ E assim conseguiu que eles financiassem 90% das obras sociais”, diz.
O modelo de gestão colaborativa de Medellín – pelo qual múltiplos atores, incluindo instituições públicas e privadas, se reúnem, criam, implementam e supervisionam as regras para soluções de longo prazo para os desafios da sociedade – pode servir de inspiração e ser replicado no Brasil, na visão defendida pela organização da sociedade civil Comunitas, durante o 10º Encontro de Líderes, organizado pela entidade.
O evento reuniu lideranças políticas como o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além de empresários como o vice-presidente do grupo Globo, José Roberto Marinho, Jorge Gerdau, do grupo homônimo, José Ermírio de Moraes Neto, do Votorantim, e Pedro Jereissati, do Iguatemi.
O evento relatou experiências positivas de prefeitos selecionados pela entidade que firmaram parcerias com o setor privado no âmbito do programa Juntos, criado pela Comunitas em 2012. O programa aproxima líderes e acionistas de empresas brasileiras das prefeituras em ações que ajudem a melhorar a gestão pública – em especial, a financeira – om foco no aprimoramento dos serviços públicos. “A ideia não é apenas apoiar projetos isolados das prefeituras, mas criar uma agenda de desenvolvimento sustentável”, afirma Regina Esteves, presidente da Comunitas.
Em Paraty (RJ), por exemplo, a parceria resultou na queda de 49% nos casos de roubo a partir de uma agenda para redução da violência, segundo a Comunitas; em Porto Alegre, apoiou a criação de um sistema para selecionar técnicos para cargos estratégicos da administração municipal, com 10 mil currículos cadastrados e 530 profissionais contratados em 8 meses.
“A gente se reúne duas ou três vezes por ano com todos os secretários para saber como estão indo os avanços no trabalho, as dificuldades. Há também a participação muito importante do setor privado local”, diz José Ermírio de Moraes Neto, integrante do Juntos.
“Só abrindo as portas para o diálogo é que a participação efetiva da sociedade e das administrações públicas poderão se reinventar e responder aos anseios dos cidadãos”, afirmou José Roberto Marinho, vice-presidente do grupo Globo, que abriu o evento.
O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PV) foi apresentado como exemplo de melhora da gestão fiscal municipal. Em 2016, Niterói foi a única cidade do Rio a alcançar a excelência na gestão de suas contas públicas, ficando em 6º lugar do ranking nacional na qualidade de sua situação fiscal no Índice Firjan, ante a 2.188ª posição que ocupava quatro anos antes.
Além de ajustar as contas e demitir cargos comissionados, sua gestão criou uma comissão de programação financeira e fiscal. “Toda despesa acima de R$ 100 mil é previamente analisada pela comissão”, diz o prefeito. A cidade planeja agora criar dois fundos para administrar recursos extraordinários que, prevê, virão dos royalties dos campos do pré-salque estão crescendo em produção e devem chegar a R$ 1 bilhão a partir de 2018. “Precisamos aprender com os erros do passado recente de cidades e do próprio Estado com o petróleo e aproveitar esses recursos para desenvolver a economia local e ampliar as receitas próprias”, diz.
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Dez por cento dos recursos irão para um fundo de estabilização fiscal que será mantido por 25 anos, espécie de “colchão” contra períodos de arrecadação baixa. Outros 20% irão para um segundo fundo, destinado ao desenvolvimento da economia criativa, inovação e desenvolvimento local. A lei será encaminhada à Câmara Municipal no início do ano, prevê o prefeito. (Colaborou Cristiane Agostine, de São Paulo)
Portado originalmente no jornal Valor Econômico.
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