Novos valores e comportamentos pedem novas formas de posicionamento por parte das empresas.
por Helio Mattar*
Novos valores e comportamentos de consumo pedem novas formas de posicionamento, de entrega e de comunicação por parte das empresas. Esta conclusão pode ser derivada dos resultados da Pesquisa Akatu 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil: desafios, barreiras e motivações, a qual ressaltou que, em um cenário onde 61% da população não tem a menor ideia do que é um produto sustentável, simplesmente dizer que uma empresa trabalha em prol da sustentabilidade não terá muita eficácia ou relevância e nem trará a almejada reputação para suas marcas.
Mas, ao mesmo tempo em que a população não compreende o que é um produto sustentável, o consumidor valoriza práticas, valores e organizações que se mostram éticas e transparentes, que não são corruptas, que não praticam trabalho escravo e que tem propósitos ambientais e sociais claramente definidos e efetivamente perseguidos. Mas, para que sejam ouvidas em tempos de fake news, é valioso que as empresas saibam contar suas histórias, mostrar quem são e o que fazem, desde que esse discurso seja verdadeiro e mostre os reais benefícios que suas ações trazem para a sociedade e para o mundo.
Há mais de 17 anos, o Instituto Akatu acompanha a relação do consumidor brasileiro com as empresas e suas ações de sustentabilidade. Em sua quinta edição, a Pesquisa Akatu teve como objetivo analisar a evolução do grau de consciência e comportamento do consumidor brasileiro e identificar barreiras e gatilhos para o consumo consciente. Além disso, o estudo explorou a percepção e a expectativa das pessoas quanto às práticas de sustentabilidade e de responsabilidade social das empresas (RSE).
Quando o tema é o relacionamento entre marcas e pessoas, todas as edições do estudo, sem exceção, revelaram que a maior expectativa dos consumidores é de que forma de agir das empresas as levem a atuar como agentes produtores de impactos positivos sobre o meio ambiente e a sociedade, pensando para além do próprio lucro. Este assunto é complexo, e discuti-lo mais a fundo ultrapassaria os limites deste artigo, mas vale a discussão de um ponto específico. Há empresas que vêm se comprometendo em melhorar as suas operações, mas, mesmo quando já têm planos concretizados em ações, há problemas de comunicação de seus resultados aos consumidores de uma maneira que seja entendida e absorvida com credibilidade.
As posturas de comunicação corporativa variam bastante, mas quase nunca são eficazes: há empresas que engrandecem suas realizações para além do que é de fato relevante no contexto maior em que se enquadram (como exemplo, afirmam reduzir a emissão de GEE com uma ação pontual, mas não usam, de modo relevante, energia de fontes renováveis nos processos industriais), enquanto outras comunicam atributos relevantes, mas pecam na execução da comunicação ou na mídia escolhida; e outras ainda praticamente não se expõem aos consumidores, muitas vezes por receio de receberem críticas pelo que não estão fazendo ou de parecerem incoerentes, mesmo quando implementam mudanças de fato estratégicas ou estruturais visando a sustentabilidade.
Parece complicado? Pois o desafio não para por aí. Não é só o engajamento do público externo que é importante –o posicionamento de comunicação para os públicos internos também deve ser cuidado. Os colaboradores da empresa, inclusive os vendedores, são atores importantes para a construção da reputação das marcas, como também os seus compradores, responsáveis por rastrear a procedência dos materiais utilizados nos processos das companhias fornecedoras, e que, também, estão, em sua maioria, engajadas de forma insuficiente em prol da sustentabilidade.
Na prática, isso significa que as estratégias de marketing e de comunicação de muitas empresas em relação à sustentabilidade não apresentam mensagens claras e bem definidas, conteúdos verdadeiramente engajadores, públicos-alvo claramente definidos e relevância efetiva do que está sendo comunicado. Ou seja, é hora de repensar o que, de fato, é central nos valores da marca e de que forma incorporar esses elementos na comunicação, buscando refletir sobre a consistência desses valores com o que está sendo posto em prática, em termos de ações, também das mensagens-chave.
Em não havendo consistência entre os valores e práticas, com certeza haverá incoerências entre os planos e o que de fato é executado. E numa sociedade em que a transparência passou a ser a regra, em que a visibilidade das ações e das omissões, por parte das empresas está permanentemente exposta aos vários stakeholders, a falta de coerência entre valores e práticas é rapidamente percebida. É melhor que aempres a não comunique suas ações se isso for expor a falta de coerência com os valores por ela declarados publicamente.
Nesse sentido, os stakeholders são os principais veículos de comunicação em relação à reputação da empresa e suas marcas frente à sociedade. Ouvem sobre o que a empresa faz e deixa de fazer continuamente, especialmente nas redes sociais. É fundamental que os stakeholders se convençam da sinceridade das ações de cada empresa quando confrontadas com os valores por ela declarados. Basta dizer que, na Pesquisa Akatu, uma das maiores variações entre os seus resultados de 2012 e 2018 foram os relativos aos consumidores acreditarem no que as empresas dizem fazer em termos de responsabilidade social e ambiental. Enquanto que em 2012 um percentual de 12% dos consumidores diziam acreditar no que as empresas comunicam dependendo de onde viram a notícia, em 2018 esse percentual passou a 31%, certamente refletindo a intensidade de uso das redes sociais pelos consumidores, indicando a possibilidade de, ao saber a origem da informação, ficar clara a sua credibilidade.
Assim, dado o poder de disseminação das redes sociais, e o seu uso por todos os stakeholders das empresas, esses poderão reforçar positivamente a reputação das mesmas ao ouvir sobre as suas ações sociais e ambientais. Nesse sentido, a reputação das empresas dependerá mais e mais do que circula sobre elas e menos do que as próprias empresas falam de si mesmas. Ainda assim, a comunicação das empresas, de modo verdadeiro, sobre o que fazem em sustentabilidade, confirmará o que dizem os stakeholders e trará credibilidade a sua mensagem.
Essas constatações mostram que o momento é propício para abrir ou expandir canais de diálogo e comunicação permanente com os stakeholders visando a trocar informações sobre os impactos sociais e ambientais das atividades da empresa.
As marcas e empresas que já possuem boa reputação no mercado têm grande oportunidade de aprofundar estes canais. As que não têm, precisam trabalhar intensamente nessa frente. Já sabemos disso, mas não custa repetir: a reputação das marcas nunca foi tão importante. As marcas são o selo de confiança (ou desconfiança) frente ao consumidor e, dada a consciência cada vez mais profunda sobre temas como aquecimento global, poluição e impacto social das operações empresariais, estão mudando as exigências dos consumidores perante as empresas.
Claro que para que manter um canal aberto de comunicação é imprescindível que os planos ou atributos a serem divulgados sejam bem estruturados, tenham metas e objetivos ao mesmo tempo factíveis e disruptivos e que, de fato, levem em consideração os desejos e preocupações das partes interessadas, inclusive dos consumidores. Antes de receber visitas é necessário deixar a casa bem arrumada.
E, se há receio por parte de uma dada empresa de se expor e receber feedback negativo, é necessário lembrar que o perfeccionismo é um poderoso inimigo. Sabemos que “ninguém é perfeito”, muito menos as empresas. Por isso, o melhor posicionamento é o de mostrar que, embora a empresa não esteja onde gostaria em suas ações de sustentabilidade, há um forte comprometimento com seus planos e sua visão de futuro e que estejam alinhados aos valores efetivos da empresa e àse xpectativas dos stakeholders, em especial dos consumidores.
Um exemplo bem extremo é o da Philips Morris International, fabricante de famosas marcas de cigarro, que preferiu assumir que o tabaco é nocivo e está buscando construir um futuro sem os cigarros na linha de produtos. Na transição, vai se dedicar a vender cigarros eletrônicos, considerados menos prejudiciais à saúde. “Mesmo que paremos de vender cigarros amanhã, nós temos apenas 15% do mercado mundial, e outras empresas vão atender à demanda. Isso não resolveria o problema. Nós temos que ir além de realmente reduzir o número de fumantes e, eventualmente, acabar com o hábito de fumar”, disse Motles Svigilsky, líder de sustentabilidade da Philips Morris.
Mesmo que seja por conveniência, a Philips Morris preferiu assumir que “ninguém é perfeito” e trabalhar publicamente, de forma transparente, com o seu problema, buscando construir uma visão de contribuição para um mundo melhor no futuro. Essa postura está sendo adotada não só no negócio de cigarros, mas em outras empresas do grupo, que atuam em outras áreas, como a de alimentação.
Não engajar os consumidores para as mudanças em direção à sustentabilidade pode representar duas oportunidades perdidas pelas empresas tanto do ponto de vista da transparência, reputação e credibilidade de uma marca quanto o da própria educação do consumidor, que é uma parte essencial da equação e que, como mostra a pesquisa Akatu 2018, sente falta de informações relevantes e confiáveis sobre o que consome. Quanto mais empresas passarem a se comunicar de maneira consistente, mais teremos massa crítica para conseguir a mudança que queremos.
*Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).
Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo.
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