loading

Educação aberta ainda é mistério para o investimento social privado

Comunitas é a primeira organização da sociedade civil brasileira a implementar uma política institucional relacionada ao tema.

por Priscila Gonsales* (com colaboração de Bruna Santos, diretora de Inovação e Conhecimento da Comunitas)

A educação é o principal campo de atuação social do setor privado no Brasil. Segundo o último censo GIFE, 84% das organizações associadas trabalham diretamente com a temática e destas, 72% o fazem em cooperação com o setor público. Já a última pesquisa BISC, focada na alocação de recursos das empresas privadas, para além da atuação em si, demonstra que apesar da prioridade à educação ter sido mantida nos últimos dez anos, com o passar do tempo sua condução ficou cada vez mais a cargo dos institutos/fundações. Enquanto em 2010 as empresas respondiam diretamente por 35% dos investimentos realizados nessa área, em 2016 esse percentual caiu para 17%.

Institutos e fundações têm assumido o protagonismo e a liderança em pautar políticas públicas de educação no país. No entanto, a pergunta que fica é: será que a maioria desses institutos e fundações conhece e pratica o conceito global de educação aberta como princípio, de forma a produzir e gerar conhecimento como bem comum para toda a sociedade?

Primeiramente, precisamos diferenciar os conceitos “aberto” e “gratuito”. Aberto tem a ver com uma concepção de cultura livre, ou seja, de compartilhamento de produções autorais, necessariamente com uma licença aberta que permita reusos, recriações e adaptações em relação a conteúdos e formatos. Já gratuito significa apenas dar acesso sem custo a conteúdos específicos e em formatos previamente determinados.

Leia também: Bate-Bola | Diretora de Conhecimento e Inovação da Comunitas aborda inovação em governos

Adotar e praticar o conceito de “aberto” significa fazer parte de um movimento mundial liderado pela UNESCO há 10 anos e que considera o conhecimento como bem comum da humanidade. Conhecimento esse que vem sendo impulsionado pelas novas práticas sociais advindas da cultura digital. Ao alcance de um clique podemos acessar dados, informações e conteúdos em diversos tipos de mídia, além de criar e compartilhar produções variadas que antes eram restritas ao suporte físico. Conhecimento esse também ressaltado no 4º Objetivo da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.

Quanto mais compartilhamos conhecimento, mais conhecimento é gerado, mais pessoas podem ser beneficiadas, incluindo aquelas que não estão nos sistemas formais de ensino. O novo relatório do Horizon Report, um dos principais relatórios em tendências em educação com tecnologia, trouxe novamente a tendência de proliferação dos recursos educacionais abertos, num prazo de três a cinco anos.

Leia também: Vem aí Iara, assistente virtual que ajudará municípios na busca pelo equilíbrio fiscal

Uma das licenças abertas mais conhecidas e utilizadas mundialmente são as do Creative Commons (CC), por ter respaldo jurídico de convenções internacionais, pela simplicidade de uso direto por autores e por ser facilmente encontrada via buscadores na internet. Anualmente, o CC divulga o State of The Commons, que mapeia o crescimento da adoção das licenças. Em 2017, mais de 1,4 bilhão de materiais no mundo todo foram licenciados e, principalmente, compartilhados em plataformas conhecidas na internet como Flickr, Youtube, Wikipedia. Em 2006, no primeiro ano do mapeamento esse número era de 140 milhões.

 

Protagonismo da Comunitas

Há 10 anos trabalhando com o tema no Brasil, o Educadigital vem fomentando e acompanhando a adoção de licenças abertas em materiais educativos por alguns institutos e fundações como Alana, Inspirare, Fundação Telefônica, CIEB, dentre outras. No entanto, a primeira instituição social privada no Brasil a implementar de fato uma política de educação aberta é a Comunitas.

A Comunitas é uma organização fundada como a missão de qualificar o investimento social privado para promover o desenvolvimento sustentável do país. Por meio do seu Programa Juntos, desde 2013 apoia cidades brasileiras a qualificar sua gestão pública e levar melhores serviços aos cidadãos brasileiros. Em cinco anos foram mais de 70 frentes de trabalho em gestão, educação, saúde e outros temas. Esse impacto se ampliou para chegar a mais cidades brasileiras a partir de 2017, com a criação da plataforma Rede Juntos, a primeira plataforma de compartilhamento de conhecimento entre servidores públicos municipais do Brasil.

Ao implementar uma política institucional de educação aberta, a organização elegeu uma licença Creative Commons que atendesse a sua visão institucional e procurou adaptar documentos, termos e contratos firmados para a elaboração de materiais educativos que são disponibilizados na plataforma Rede Juntos. A própria plataforma teve seus termos de uso reeditados conforme a política adotada.

 Leia também: Plataforma digital Rede Juntos completa 1 ano e passa a ter conteúdo aberto 

Nesse sentido, a Comunitas é uma organização pioneira no Brasil a olhar com compromisso para a questão. O Instituto Educadigital deu apoio técnico para a Comunitas, com base no primeiro livro-guia para gestores educacionais sobre implementação de políticas de educação aberta, elaborado com apoio do Comitê Gestor da Internet. A publicação foi lançada em 2017 durante o 2º Congresso Internacional sobre Recursos Educacionais Abertos (REA) da UNESCO, na Eslovênia, cujo resultado foi o documento Plano de Ação de Liubliana, convocando os países-membros a pôr em prática a educação aberta.

 

Caminhos

Se o terceiro setor existe para cooperar com a gestão pública, suas ações e produções poderiam ser consideradas algo bem próximo de um bem público, isto é, propiciar que as experiências exitosas sejam incorporadas pela política pública e permaneçam ou sejam adaptadas, reeditadas. Logo, a intenção de abertura já existe, só bastaria de fato concretizar de forma institucional.

Conforme apontado no livro-guia, são três os aspectos fundamentais a serem considerados nesse processo:

Pedagógico: a concepção de abertura envolve, necessariamente, a concepção de autoria e de cocriação, além da atitude em prol do compartilhamento de ideias, informações e saberes de forma a disseminar boas experiências e inspirar desdobramentos e adaptações;

Técnico: a decisão por uma tecnologia de código aberto ou fechado passa por um critério político-institucional que precisa ser claro e transparente, deve ser considerado o público beneficiado final, o custo (sempre existe) de algo que se recebe gratuitamente x o investimento próprio;

Jurídico: compreender a Lei de Direitos Autorais brasileira, suas limitações e exceções e analisá-la conforme os objetivos e finalidades dos projetos e ações, se as produções são feitas internamente ou por terceiros, se as condições estão expostas em contratos e/ou documentos que permitem diversos usos de um investimento (otimização de recursos).

 

 

*Priscila Gonsales é fundadora do Instituto Educadigital, que tem por objetivo desenvolver ações e projetos de educação aberta na cultura digital.

 


 

Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *