por Alberto Kopittke
A epidemia de violência que atinge o Brasil chegou na cidade de Pelotas fazendo os homicídios subirem 500% ao longo dos últimos 12 anos. Essas mortes traduzem o resultado mais dramático de uma espiral de violência que começa a se construir muito antes, em um cenário de degradação dos padrões elementares de convivência. Segundo pesquisa que realizamos com o IPO, Pelotas teve, em apenas um ano, 3,5 mil brigas de rua, mais de 21 mil pessoas ameaçadas, 8,7% da população vítima de discriminação e 27% dos residentes sofreram perturbação do sossego. A violência que afeta as mulheres na cidade é igualmente elevada e 44% delas já foram abordadas nas ruas com comentários desrespeitosos.
A Justiça e as polícias brasileiras estão assoberbadas com um volume crescente de crimes mais graves. Por conta disso, os pequenos delitos deixaram de ter a atenção devida, disseminando a ideia de que as leis não funcionam. As alternativas que aparecem para as vítimas costumam ser ou a conformidade diante do desrespeito ou a resolução privada do conflito, com as prováveis decorrências violentas, enquanto os “mais fortes” vão impondo suas regras de convivência.
As principais experiências exitosas em Segurança Pública, como as de Bogotá, Medellín, Nova York, Diadema em São Paulo e pelo menos outras 20 experiências cientificamente avaliadas, evidenciaram que o uso do Direito Administrativo tem muita capacidade para prevenir atos de incivilidade, os quais fomentam a insegurança e crimes graves, desfazendo a convivência saudável e plural nas ruas das cidades.
É nesse sentido que o Gabinete Integrado de Segurança de Pelotas, que tem reunido quinzenalmente polícias, órgãos de fiscalização, Guarda Municipal, Poder Judiciário e Ministério Público, preparou, para avaliação da Câmara Municipal, o anteprojeto do Código de Convivência, inspirado na legislação pioneira da cidade de Bogotá, onde foi reduzido em 80% o número de homicídios em 20 anos e se construiu uma referência mundial de Cultura de Paz.
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O Código estabelece que caberá à Guarda Municipal (que está sendo fortalecida com 80 novos membros) intervir nos chamados conflitos de baixa densidade, com o objetivo de proteger grupos vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes, tornando efetivos vários comandos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Bernardo. Com a devida autorização legal, a Guarda Municipal poderá ainda autuar administrativamente pessoas que promovam brigas de rua, perturbação do sossego, que ameacem as demais, que portem simulacros de armas de fogo ou que pratiquem atos de preconceito.
Um dos pontos mais polêmicos do Código é o que propõe a restrição do consumo de álcool nas ruas a partir das 22h (não nos bares, restaurantes, clubes ou boates) e, nas praças e parques, a qualquer hora do dia. O álcool é a substância mais associada aos mais diversos atos de violência e aos acidentes de carro em todo o mundo, sendo que as evidências indicam que seu consumo nas ruas potencializa enormemente as suas consequências negativas e fomenta o consumo entre adolescentes e por esse motivo ele possui algum tipo de regramento em mais de 75% dos países do mundo.
O Código e o conjunto de 24 projetos do Pacto Pelotas pela Paz que estão apenas começando a ser implementados constituem experiência inédita no país. É difícil compreender que o consumo generalizado de álcool por adolescentes nas ruas, a perturbação do sossego ou agressões possam fazer parte de alguma utopia social. O projeto do Código obviamente precisa de melhorias que podem e devem ser feitas pelos vereadores, como tem reafirmado a prefeita. Mas o que precisamos não é de discursos meramente ideológicos, que nada propõem para reduzir a violência e sim soluções concretas com base em experiências exitosas, que consigam congregar repressão e prevenção para reconstruir a convivência e assim possam nos ajudar a reduzir essa triste epidemia que leva consigo a vida e o futuro de milhares de jovens.
Postado originalmente no jornal Diário Popular.
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