Em entrevista para a Comunitas, o Diretor-Presidente da CCPar compartilha insights sobre o processo de concessão do equipamento para o setor privado, abordando os desafios, as estratégias adotadas e as possibilidades de replicação dessa iniciativa em outros territórios
O fortalecimento das parcerias público-privadas de impacto social é essencial para o Brasil, visto que pode garantir segurança jurídica aos investidores e impulsionar a modernização da gestão pública. Ao delegar a execução de projetos a entidades privadas, o Estado pode oferecer serviços públicos de qualidade que, de outra forma, não teria condições de prestar sozinho, assegurando a continuidade e sustentabilidade dessas ações.
Nesse sentido, o projeto “Mapa da Contratualização”, liderado pela Comunitas, é uma iniciativa que busca democratizar o conhecimento sobre os processos de contratualização de serviços públicos no Brasil, oferecendo uma visão abrangente das parcerias público-privadas de impacto social no país.
Dentre as mais de 7 mil parcerias mapeadas pelo projeto, os municípios se destacam como protagonistas na formalização de parcerias com o setor privado, abarcando uma fatia de 63,1% do total analisado. Em sua 3ª edição, o Mapa destaca 39 experiências bem-sucedidas realizadas em diversos territórios para inspirar e apoiar gestores públicos de todo o Brasil na elaboração de seus planos de governo. Um desses casos é o BioParque, no Rio de Janeiro (RJ).
Contexto do processo de concessão do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro
O Jardim Zoológico do Rio de Janeiro é o zoológico mais antigo do país, tendo sido fundado em 1945 no local conhecido como Quinta da Boa Vista, histórico parque localizado no bairro de São Cristóvão que serviu de residência à Família Real Portuguesa e à Família Imperial Brasileira, onde também opera o Museu Nacional, a mais antiga instituição científica do Brasil.
Apesar de sua importância cultural e turística, o zoológico passou por diversas dificuldades de gestão ao longo de sua história. O Ministério Público (MP) chegou a interditar o equipamento em 2016 por conta das más condições em que os animais eram mantidos. Em decorrência das fiscalizações, a prefeitura então assinou um acordo com o MP para regularizar o cenário e optou por conceder a gestão da atração cultural à iniciativa privada.
A concessão do zoológico foi assumida pelo Grupo Cataratas, que realizou a revitalização do espaço, agora renomeado para BioParque, com objetivo de operá-lo como um “centro de conservação da biodiversidade”.
Visão do gestor: desafios e oportunidades na concessão de parques
Em entrevista exclusiva para a Comunitas, Gustavo Guerrante, Diretor-Presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) — empresa municipal do Rio de Janeiro responsável pelas concessões e parcerias público-privadas (PPP) da cidade — compartilha insights sobre a concessão do zoológico municipal para o setor privado. Ele aborda os desafios enfrentados, as estratégias adotadas e as possibilidades de replicação dessa iniciativa em outros territórios. Confira a seguir:
1 – Como foi decidida a adoção da PPP? Havia outras modalidades de contratualização que poderiam ter sido consideradas? E como se chegou à conclusão de que seria inviável para a prefeitura continuar gerindo o zoológico?
A análise realizada focou em avaliar se o modelo de gestão seria autossustentável ou se haveria a necessidade de aportes financeiros do município. Ao nos aprofundarmos nos números, percebemos que era possível conduzir a concessão sem a necessidade de aportes mensais.
Decidimos que a prefeitura não continuaria administrando o zoológico porque isso não fazia sentido do ponto de vista estratégico. Na época, eram destinados cerca de R$ 18 milhões dos cofres municipais anualmente para a manutenção do zoológico, além de demandar uma equipe de mais de 300 pessoas. Em última análise, foi uma decisão estratégica e política de que a gestão do zoológico deixaria de ser uma atribuição municipal, que permaneceria apenas com a função de fiscalização.
2 – Como foi o processo de elaboração do Termo de Referência? Houve muitas modificações durante o seu desenvolvimento, especialmente em relação aos valores e às contrapartidas previstas?
Embora tenhamos realizado um processo de manifestação de interesse, o tempo disponível para elaborar o Termo de Referência (TR) era muito curto, de modo que grupos interessados pudessem se manifestar. O material recebido, resultado de três meses de estudos, foi analisado durante seis meses adicionais de discussões contratuais.
Durante esse período, envolvemos uma equipe da Fundação RioZoo (órgão público que abriga – mesmo que com uma estrutura bastante reduzida – o corpo técnico que conhece de animais e suas especificidades) para considerar questões específicas, como a permanência dos tratadores. Estabelecemos a condição de que os tratadores não poderiam ser substituídos durante um período de quatro a cinco anos, devido à possibilidade de alguns animais não se adaptarem a novos cuidadores. Assim, a obrigação de manutenção dos tratadores foi incluída devido a essa especificidade.
Também havia a exigência de que o zoológico não fosse fechado durante as intervenções, o que resultou em custos adicionais. No entanto, o Ministério Público solicitou o fechamento temporário, visando o conforto dos animais. Outro ponto de discussão foi o valor do ingresso, que exigiu um estudo aprofundado, pois precisávamos de uma referência. Para isso, remontamos às origens da criação do zoológico, quando o custo de um ingresso era equivalente ao de uma entrada para um jogo de futebol no Maracanã.
Nos debates, ficou claro que não queríamos que o zoológico se tornasse um programa elitizado. No entanto, se permitíssemos que a concessionária definisse livremente o preço, haveria a tendência de preferirem receber 100 mil visitantes pagando R$ 100 em vez de 500 mil pagando R$ 30. Isso se deve ao fato de que a concessionária poderia optar por oferecer produtos e serviços mais caros, com menor custo operacional. Diante disso, estabelecemos um preço-teto, levando em conta descontos como meia-entrada, gratuidade para programas da rede municipal de ensino e para professores da rede municipal.
3 – Como foi possível calcular o valor da concessão, considerando que ainda não havia uma modelagem financeira específica para esse tipo de projeto?
Não há muita alternativa nesse caso. O cálculo é feito através da tradicional análise do investimento necessário em relação ao período de concessão e aos custos operacionais. Estima-se o investimento inicial, os custos operacionais, e as receitas ao longo do tempo, determinando quanto tempo é necessário para que o investimento se amortize em um contrato de longo prazo, geralmente de 25 a 30 anos, com uma taxa interna de retorno (TIR) aceitável e compatível com o setor de infraestrutura, em torno de 8,5% a 9% na época.
Atualmente, a TIR está em aproximadamente 9%. Com esses dados, é possível determinar se o contrato pode ser viável com ou sem aporte de capital. No nosso caso, não foi necessário aporte.
4 – Quais desafios surgiram durante a contratualização do zoológico, a exemplo de atrasos ou mudanças contratuais?
Esse contrato não passou por reequilíbrios até agora. Somente em 2024, estamos analisando o primeiro pedido de reequilíbrio apresentado pela concessionária, devido à pandemia e a adaptações de obras não previstas, que foram exigidas pelo IPHAN. Estes são os principais pleitos da concessionária no momento. O contrato já está em vigor há 8 anos e tem se mantido estável.
Existe um mito comum de que concessões e PPPs passam por inúmeros aditivos, pedidos de reequilíbrio e muitas discussões. No entanto, isso é inerente à natureza desses contratos, que são dinâmicos e precisam ser adaptados conforme as circunstâncias. Essa é uma realidade constante, pois esses contratos são “entidades vivas”, que exigem ajustes ao longo do tempo.
5 – Como foi o envolvimento da população no processo de concessão do BioParque?
É importante destacar que todos os processos legais necessários para a formalização da parceria foram rigorosamente seguidos, incluindo a realização de audiências públicas e o cumprimento dos requisitos dos processos licitatórios.
Na época do fechamento do zoológico, determinado pelo Ministério Público, as principais críticas enfrentadas foram relacionadas a dois pontos: primeiro, as alegações de que a prefeitura estaria maltratando os animais, levantadas por sociedades defensoras dos direitos dos animais; e segundo, a preocupação de que o zoológico perderia seu status como um ativo popular. A manifestação da sociedade concentrou-se, portanto, nesses dois aspectos.
6 – Como contornar as críticas da sociedade?
Diversas questões são incorporadas ao longo do processo, e a audiência pública desempenha um papel fundamental nesse aspecto. A preocupação com o tratamento dos animais surgiu com a atuação da Fundação RioZoo, mas outras questões relevantes também foram levantadas, como a preservação da via pública que abriga as palmeiras imperiais. Foi exigido que o projeto fosse ajustado para garantir que essa via permanecesse totalmente visível.
A audiência pública é essencial para identificar e implementar modificações necessárias no projeto, que podem não ser evidentes inicialmente. Essas questões frequentemente surgem apenas durante a audiência e são parte integrante do processo licitatório. Em alguns casos, mesmo com uma equipe técnica competente, certas propostas podem não funcionar conforme o esperado quando analisadas apenas na frieza do papel.
7 – Como foram definidas as previsões de indicadores no processo de modelagem do contrato e na incorporação das sugestões recebidas?
A questão dos indicadores de desempenho é um processo de aprendizado contínuo, que envolve erros e ajustes ao longo do tempo. Inicialmente, pode-se tender a listar um grande número de indicadores, abrangendo desde aspectos mínimos, como a cor do meio-fio ou da cadeira, até detalhes específicos, como a cor do camarão consumido pelos flamingos. Com o tempo, aprendemos, muitas vezes de maneira desafiadora, que uma lista extensa de indicadores de desempenho pode aumentar a complexidade da fiscalização e tornar o processo mais difícil.
A elaboração dos indicadores de desempenho é, portanto, uma prática que exige discernimento para identificar o que é realmente essencial, de forma a manter o contrato dinâmico e adaptável. A experiência mostrou que uma abordagem excessivamente extensa nem sempre resulta em sucesso; por outro lado, focar nos indicadores-chave (KPIs) específicos para a concessão em questão pode ser mais eficaz.
No caso do zoológico, por exemplo, hoje consideramos que uma quantidade menor de indicadores seria mais adequada em comparação com a abordagem adotada na época. Embora na ocasião tenhamos acreditado estar sendo diligentes, acabamos estabelecendo um número excessivo de indicadores relacionados à infraestrutura em detrimento dos aspectos de manejo dos animais.
Responder a essa questão de maneira simples é complicado, mas aprendemos que, primeiramente, é fundamental formular estudos para ter um direcionamento claro para a modelagem do contrato e, depois, realizar ajustes conforme o contrato está em execução. Atualmente, ao discutir a modelagem de novos contratos, busco condensar o máximo possível de itens, sempre imaginando a perspectiva do técnico responsável pela execução.
8 – Qual é a avaliação atual dos indicadores de desempenho do BioParque? Eles são considerados positivos?
A avaliação atual dos indicadores de desempenho do BioParque tem sido positiva, com índices favoráveis de qualidade de visitação. No entanto, temos observado um desafio relacionado ao conceito de aprisionamento dos animais, o que tem impactado negativamente a visitação. Notamos uma queda no número de visitantes desde o final do ano passado.
Existe uma necessidade de abordar essa questão de forma estratégica, tanto por parte de nossa equipe quanto do parceiro, para valorizar a experiência do visitante e avaliar se esse tipo de experiência continuará sendo desejada. É essencial refletir sobre se os zoológicos continuarão sendo uma atração de interesse público. Devemos considerar estratégias para transformar o zoológico em um espaço que também tenha um foco científico, sem comprometer a qualidade de vida dos animais. Este é um tema que exige uma discussão aprofundada sobre a função e a relevância do zoológico como atração.
Assim como o aquário, que conta com a presença de diversos pesquisadores e biólogos, o BioParque deverá considerar um caminho semelhante. Esta é a minha impressão.
9 – A redução na visitação tem gerado preocupações para a prefeitura, especialmente considerando a duração prolongada da concessão, que é de 35 anos?
A redução na visitação não necessariamente causa preocupação imediata, mas indica que o contrato exigirá uma atenção mais cuidadosa e adaptativa. O poder público possui a capacidade de ajustar a estratégia conforme as necessidades da cidade evoluem. A cidade, como um organismo dinâmico, demanda que o BioParque seja reavaliado em seu contexto atual.
Nesse sentido, é necessário considerar como reorganizar o BioParque para melhor atender às expectativas da população. Será que a transformação do BioParque em uma atração diferente, talvez mais interativa, seria uma alternativa viável? É fundamental refletir sobre a necessidade de ajustar o BioParque para garantir que ele continue a atender às demandas e interesses da população.
10 – Você acredita que, da forma como foi feita a concessão, é possível replicar o modelo para outros municípios? Se sim, que conselhos você daria?
Acredito que não apenas é possível, mas também necessário considerar alternativas para a gestão dos zoológicos. Em minha visão, os governos podem ter dificuldades em administrar eficazmente um zoológico devido à necessidade de se concentrar em outras prioridades, como o cuidado com as pessoas e a melhoria da qualidade de vida da população.
Dado que o contrato é de longo prazo e considerando a atual discussão sobre a aceitação pública dos zoológicos, é essencial explorar maneiras de torná-los mais valiosos para a pesquisa científica e a educação. Isso pode envolver a adoção de estratégias que priorizem a pesquisa em detrimento da visitação, uma vez que isso pode causar estresse aos animais. É importante também garantir que o espaço destinado aos animais seja suficientemente amplo para assegurar sua qualidade de vida.
Além disso, é muito importante reconhecer que os municípios que possuem zoológicos têm a obrigação de cuidar dos animais. Fechar um zoológico não é uma tarefa simples, especialmente levando em consideração a dificuldade de encontrar santuários adequados para receber os animais. Portanto, a solução pode ser transformar o zoológico em uma instituição que beneficie a sociedade, minimizando o impacto negativo na qualidade de vida dos animais.
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