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Entrevista: Sérgio Besserman sobre obras públicas que não consideram as mudanças climáticas “é jogar dinheiro fora”

Em entrevista exclusiva para a Comunitas, o professor da formação “Mudanças Climáticas e Energia”, Sérgio Besserman, aborda pontos de inflexão das mudanças climáticas, a urgência de medidas assertivas e a importância da colaboração entre setores para a transição energética

Crédito da Imagem: Ministério do Meio Ambiente

As mudanças climáticas representam uma das maiores ameaças à humanidade no século XXI. O aumento da temperatura média global, intensificação de eventos climáticos extremos e o aumento do nível do mar são apenas alguns dos impactos que o mundo já tem testemunhado.

Para enfrentar este desafio, o presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e professor do primeiro módulo da formação “Mudanças Climáticas e Energia”, Sérgio Besserman, apontou algumas mudanças que o mundo deve implementar para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Para ele, é crucial que governos, setor privado e sociedade civil se mobilizem para uma ação urgente e coordenada, além de priorizar a transição para uma economia de baixo carbono.

Na entrevista abaixo, Besserman oferece informações e insights sobre os principais pontos de inflexão no clima, a urgência de medidas assertivas e como os governos brasileiros têm lidado com a questão.

Confira!

1 – Dentro da discussão sobre mudanças climáticas, pontos de inflexão são momentos em que são desencadeadas uma série de ações cujos efeitos são irreversíveis para o clima. Quais são os principais pontos de inflexão e os efeitos que podem ser sentidos no Brasil e no mundo?

Os pontos de inflexão, ou tipping points, são momentos críticos em processos climáticos em que ultrapassar um determinado limite leva a mudanças irreversíveis e imprevisíveis

O primeiro ponto de inflexão diz respeito à Amazônia. Se ultrapassarmos um determinado ponto de desmatamento, uma parte significativa da Amazônia vira uma savana pobre, no início, e depois vira um cerradão. Mas isso é um processo que levará milhares de anos. E o estoque de carbono que vai para a atmosfera é gigantesco. Por isso o interesse de todo o mundo no que a sociedade brasileira fará com relação à Amazônia.

O segundo ponto de inflexão são os jatos de ventos do continente norte-americano que, de leste a oeste, é como se fossem centenas ou milhares de Rios Amazonas e, pela força desse processo, eles definem grande parte da dinâmica do equilíbrio climático do planeta. Porém, eles estão sendo enfraquecidos. Se isso ocorrer, mudará o clima do planeta inteiro.

O terceiro ponto de inflexão são os bancos de gelo da Groenlândia e da Antártida, que se estendem por quilômetros nos oceanos a partir do continente. Devido à lubrificação do contato do gelo com o solo congelado e ao aumento da temperatura da água próxima, há um risco considerável de colapso desses mantos de gelo. Com a possibilidade de elevação do nível do mar, o impacto disso é a ameaça às populações costeiras em todo o mundo. Embora os cenários analisados estejam em constante mudança, a elevação do nível do mar pode ser muito maior do que a prevista.

Um quarto ponto de inflexão é o solo congelado da Sibéria, que tem uma extensão gigantesca, muito superior à Amazônia, e que está aquecendo. E, nesse processo haverá uma liberação enorme de gás carbônico (CO₂) e metano (CH₄) na atmosfera. Ali, há estocado cinco vezes mais gases do efeito estufa do que tudo o que a humanidade já emitiu desde os tempos industriais. E dependendo da quantidade que for liberada, o mundo muda, a história da humanidade muda.

E, finalmente, um grande e quinto ponto de inflexão global são as correntes oceânicas. As pesquisas se acentuaram muito nos últimos anos e as notícias são muito negativas. Na opinião de muitos papers publicados, com revisão entre pares, esse é um ponto de inflexão que já foi rompido. As correntes oceânicas em todos os oceanos do planeta serão modificadas. Isso significa que as condições para a vida orgânica em cada metro quadrado do planeta serão drasticamente alteradas e as mudanças serão profundas.

2 – Existe uma mobilização em torno da urgência climática em eventos internacionais, como é o caso das COPs, e diversos acordos sendo firmados entre países, porém o ano em que mais esquentamos o planeta foi em 2023. Qual é a real urgência desse tema e por que medidas mais assertivas ainda não foram tomadas?

Na Rio 92, o foco era o princípio da precaução, um termo de análise de gestão de risco que implica em tomar todas as precauções diante de impactos gigantescos, mesmo que a probabilidade seja baixa. Após 32 anos, a urgência mudou devido ao contínuo aumento das emissões de gases de efeito estufa ano após ano.

Os gases têm tempos diferentes para dissipar e nós precisamos evitar a todo custo que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera não ultrapasse 450 partes por milhão porque, provavelmente, isso significaria que nós aumentaríamos a temperatura média do planeta acima de 1,5ºC. Na verdade, acima de 2ºC até 2100 em relação a 1820. 

De modo que a real urgência é a emergência crítica, comparável à situação em que uma ambulância deveria ter chegado há 10 minutos, mas já se passaram 40 minutos sem sinal de sua chegada. Nesse contexto, é impossível imaginar algo mais urgente.

O tempo era ontem e nós já perdemos a primeira partida. Mas temos o resto do século para tentar ganhar o segundo jogo e aí termos direito a uma partida decisiva e construirmos um mundo melhor. Mas mais atrasado do que estamos, é difícil de imaginar.

As medidas mais assertivas que ainda não foram tomadas dependem de uma governança global ainda inexistente na civilização humana nos dias de hoje mas, é necessário acelerar ao extremo a transição para o baixo carbono, com o abandono dos combustíveis fósseis, promover o reflorestamento do planeta na medida do possível e uma mudança radical de hábitos alimentares de modo que a gente esquente muito menos o planeta.

3 – Na Comunitas, atuamos estimulando parcerias entre os setores público e privado para impulsionar governos de todo o Brasil. Como a articulação entre os setores é importante para a promoção da transição energética? Você conhece ações que vêm sendo feitas e que podem servir de exemplo?

A colaboração entre os setores público, privado e o terceiro setor é crucial para promover a transição energética e implementar medidas de adaptação às mudanças climáticas, visando proteger as populações vulneráveis, que são numerosas em todo o mundo e em dezenas de milhões no Brasil.

Nada ocorrerá se não houver mais do que parceria, planejamento integrado e sistêmico entre os setores governamentais e o setor privado.

O Brasil, por exemplo, tem uma matriz energética limpa e pode se tornar 100% fontes renováveis de energia. Contudo, na nossa matriz energética, nós temos um calcanhar de Aquiles, que é o transporte. Imagina um país continental com transporte de carga baseado em caminhão a diesel?

Mas, principalmente, o transporte urbano deve ser eletrificado o mais rapidamente possível porque isso faz com que haja uma diminuição significativa das emissões de gases de efeito estufa, de poluentes e também promova uma redução do barulho de transporte urbano nas grandes cidades. Mais transporte coletivo de qualidade e eficiente, elétrico, e o transporte privado também eletrificado, seria a ação no campo da transição energética mais relevante para o Brasil.

4 – Na sua visão, dentre as medidas que os governos brasileiros estão adotando para lidar com as mudanças climáticas, quais as principais?

Na prática, os governos brasileiros ainda não demonstraram um engajamento efetivo em lidar com as mudanças climáticas. Enquanto alguns estados e municípios mostram um progresso um pouco maior do que outros, mesmo os mais avançados ainda estão muito atrasados. Em uma escala de 0 a 100, esses territórios pontuam algo em torno de 10, 15 ou 20. Comparativamente a cidades e regiões de outros países, há muito a ser feito para alcançar níveis mais significativos de atuação nessa área.

Mas, acima de tudo, no caso do Brasil, como as nossas duas principais fontes de emissão de gases de efeito estufa são o desmatamento da Amazônia e, em segundo lugar, o uso do solo na principal área de produção agropecuária, que é o cerrado, combater o desmatamento e avançar no plano nacional de agricultura de baixo carbono são as medidas principais. 

5 – Quais são suas expectativas em relação ao impacto que a formação Mudanças Climáticas e Energia pode ter na promoção de políticas públicas relacionadas à transição energética e mitigação dos impactos climáticos no Brasil?

Mudanças do clima são o tema mais importante para a civilização e a população mundial, disparado em relação a qualquer outro assunto. Nesse sentido, todas as políticas públicas, de todos os setores – seja energia, transporte, saúde, educação, e assim por diante – devem ter, na questão das mudanças do clima e de seus impactos, um parâmetro absolutamente fundamental. Gastar dinheiro em uma obra pública, ou mesmo em uma política pública que não considere mudanças do clima, além de profunda ignorância, é jogar dinheiro fora.

No que diz respeito à mitigação, é fundamental iniciar imediatamente o planejamento a nível municipal do que é necessário para o máximo de adaptação – porque os impactos se dão a nível local – de modo a preservar o bem estar da população, com total ênfase nos mais vulneráveis, os pobres, as vítimas de qualquer exclusão ou discriminação.

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