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Equilíbrio fiscal é via para ampliar bem-estar social

por Felipe Salto*

Manter as contas do setor público ajustadas é parte crucial de um modelo de crescimento econômico que se pretenda sustentável e capaz de ampliar o bem-estar social. Melhorar a qualidade da política fiscal, ou seja, a forma pela qual o governo controla as finanças do País, tornando-o capaz de crescer mais e de maneira perene, sem gerar inflação, é uma questão totalmente vinculada a problemas políticos e sociais. Em última análise, ela é a base para que, por meio da redução do desperdício e da corrupção, seja ampliada a qualidade de vida das pessoas, essencialmente das classes mais baixas, que mais dependem dos bens e serviços ofertados pelo Estado.

O que está implícito nas propostas de maior equilíbrio fiscal, ainda que não explicitado de forma correta, é um raciocínio que pretende promover a eficiência do gasto e o aumento dos investimentos. Isto é, a consolidação de uma boa estratégia fiscal pode, de um lado, fazer com que cada vez mais seja obtido um resultado melhor para cada centavo gasto e, de outro, pode levar a um maior crescimento econômico (renda e emprego), por meio da redução das pressões inflacionárias e da carga tributária.

Com menor carga de gastos (menos desperdício e corrupção), uma menor carga tributária será mera consequência, sem grandes revoluções ou reformas. E, com menor pressão do gasto sobre a demanda, será possível uma menor taxa de juros, com expansão de investimentos.

Quanto a este último ponto, há questões estruturais no âmbito monetário, como a do perfil da dívida mobiliária e das operações compromissadas (operações realizadas pelo Banco Central para gerenciamento de liquidez, hoje ainda indexadas à taxa Selic), de que não tratarei aqui. Ambas são responsáveis, ainda, pela explicação do nível elevado da taxa básica de juros. No entanto, elas não excluem a defesa de um Estado mais enxuto. É possível ter maior nível de eficiência no Estado brasileiro, basta conversar com pessoas que passaram por ele para constatar o elevado grau de desperdício nas mais variadas atividades que envolvem as instituições públicas.

Além de abrir espaço para gastos “melhores”, que passariam a ser concentrados em oferta maior e melhor de bens e serviços focados na ampliação do bem-estar social, com recursos que hoje escoam pelo ralo, a redução da pressão do gasto sobre a demanda agregada da economia seria crucial para permitir que a autoridade monetária pudesse reduzir as taxas de juros. Estes funcionam como um incentivo para que o capital seja atraído para o setor financeiro ou para o setor produtivo, e por isso são importantes. Motivariam o investimento.

A avaliação da situação fiscal de um país vai muito além do chamado superávit primário (receitas menos despesas, exceto pagamento de juros), ainda que sua análise seja crucial para a compreensão das finanças públicas. Ter equilíbrio fiscal é a base para alcançar um “Estado saudável”, capacitando-o a promover políticas sociais de qualidade e de forma perene, sem pressionar a inflação – o que só faria acabar com a “felicidade” promovida por políticas expansionistas pouco tempo depois, causando simplesmente perdas diretas sobre o poder de compra (em especial dos mais pobres).

Nos últimos dois anos, com a deterioração empreendida no campo fiscal, o superávit primário foi um dos campos mais atingidos – quando não apenas as estatísticas oficiais foram distorcidas pela chamada “contabilidade criativa”, por meio do inchaço das receitas, mas também os abatimentos de gastos referentes ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na meta fiscal, foram utilizados à exaustão. Também a continuidade da política de concessão de crédito ao BNDES, via expansão da dívida pública, no momento em que a política fiscal precisava se mostrar mais austera, laureou a frouxidão. E, como se não bastasse, já foram autorizados mais R$ 55 bilhões para o banco, sob o mesmo mecanismo, para 2011.

Será que a sociedade vê que os custos de uma inflação mais alta, hoje, estão em parte diretamente relacionados aos gastos de ontem? Como democratizar o debate? Alguém poderia perguntar ao governo por que motivo não seria melhor manter uma trajetória de queda para a dívida bruta ou, ainda, implantar um novo programa social que afetasse a vida das pessoas diretamente (e que custaria muito mais barato), no lugar de direcionar montanhas de dinheiro público para “turbinar” empresas escolhidas pelo governo. Dúvida legítima, não? Por que não tem havido esse debate saudável em nossa democracia?

Está na hora de o equilíbrio fiscal ser encarado como base para promoção do crescimento econômico com aumento do bem-estar social. O que é bem diferente da gastança como motor do bem-estar social.

Ajustar para que e para quem? Não há equilíbrio fiscal por ele mesmo, mas equilíbrio fiscal por um Estado mais eficiente, que permita produzir melhores resultados para a sociedade, fazendo com que a ela retornem, em forma de serviços e bens públicos de qualidade comprovada, os recursos arrecadados na forma de tributos. Eis o desafio.

 

Felipe Salto é economista pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV) e Diretor-Executivo do Instituto Fiscal Independente.

Publicado originalmente no jornal Estadão.

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