Por Monique Evelle* e Paula Berman**
O Brasil não está imune às crises políticas que vêm acontecendo há décadas na América Latina, principalmente no que se refere à falta de confiança nas instituições, e exigências da população por mais transparência e participação social. O Instituto Update, em sua última pesquisa “Emergências Políticas – América Latina”, destacou que os autoritarismos, desigualdades sociais e consequentemente as democracias frágeis, são alguns dos pilares que fizeram emergir um comportamento de apatia, que nega a política, fazendo com que as pessoas tenham baixa confiança nas instituições, resistência a novos atores e polarização da sociedade.
Outro fato significativo vem da organização GfK Verein, que conduziu uma pesquisa medindo a reputação de diferentes profissões em 27 países em todo o mundo e constatou que apenas 6% dos brasileiros confiam nos políticos, percentual igual ao da Espanha e da França. O que Blockchain tem a ver com isso? Pois bem, essa tecnologia que poucos ainda conhecem é extremamente promissora em sua capacidade de resgatar a confiança da sociedade na política.
Blockchain é a tecnologia por trás da Bitcoin. Muito menos famosa do que sua principal aplicação, entretanto, esta inovação tecnológica tem um potencial enorme de transformar a maneira como a nossa sociedade funciona. Sua inovação central é, através de complexos processos matemáticos e criptográficos, permitir a criação de redes que registram transações financeiras 100% à prova de fraudes. Acontece que redes de blockchain podem ser usadas não só para garantir a integridade de transações financeiras, mas também de qualquer tipo de bem que não pode ser copiado, como votos, registros em cartório, contratos, etc.
É aí que elas podem ajudar a melhorar nossos governos. Hoje, somos cidadãos do séc. XXI, lidando com instituições desenhadas no séc. XVII, feitas com a tecnologia da informação do séc. XV (imprensa). Naturalmente, cidadãos se sentem frustrados por não poderem ter segurança dos resultados de suas eleições, ou não poderem acompanhar de forma transparente como seu imposto é utilizado.
Agora, temos a oportunidade de redesenhar as nossas instituições e criar sistemas mais eficientes. Votos em Blockchain, por exemplo, trazem 100% de segurança sobre a integridade dos resultados, além de serem mais baratos e mais eficientes: qualquer pessoa pode votar online de forma fácil e rápida. Isso permite que comecemos a pensar em novos modelos de representação e participação social. Um desses modelos é a democracia líquida, que permite votar diretamente no que se quer, e delegar seu voto em outras decisões para pessoas em quem você confia e conhece. Isso possibilita que lideranças surjam de baixo para cima, e acaba por promover as melhores ideias, em contraste com a democracia representativa que frequentemente promove personalidades (que mais chamam atenção ou sabem jogar bem o jogo político e midiático).
Trata-se de um sistema que induz à um comportamento ético por parte dos representantes, pois não existe antes das eleições, ou depois: a qualquer momento você pode revogar o seu voto. O seu token de voto é a sua cidadania, e sempre será sua. Por fim, neste sistema, não existe como “comprar um voto”: por mais que um cidadão possa delegar em troca de dinheiro, a pessoa que comprou nunca é dona do voto. O voto sempre pertence ao cidadão e pode ser revogado a qualquer momento.
Isso não é uma ideia para o futuro. Podemos começar já. Acessando brasil.democracy.earth você já pode experimentar um pouquinho do que é uma democracia líquida, criando propostas, debatendo, votando e delegando votos. Uma instituição pode convocar os cidadãos para discutirem diferentes políticas públicas e mapear os resultados, assim como verificar como novos fatos impactam esses resultados, e quais são as lideranças naturais surgindo dentro de cada comunidade.
Com essa tecnologia, o governo pode começar a ouvir melhor e tornar-se mais inteligente. A tecnologia Blockchain pode ser a principal meio para resgatar a política para as pessoas, impulsionando outras inovações políticas que vão desde governos abertos à criação de novas tecnologias cívicas de participação cidadã.
Mas isso vai muito além da democracia. Governo e cidadãos podem usar para trackear exatamente o pagamento e alocação de impostos. Registros em cartório podem ser feitos via blockchain – de forma mais eficiente e segura. Contratos podem ser feitos via smart contracts e multi-assinaturas que auto executam a alocação de recursos dado o cumprimento dos acordos feitos. Temos um universo de possibilidades que podem e devem ser utilizados para renovar e melhorar nossos serviços públicos.
*Reconhecida pela Forbes como “30 under 30”, Monique Evelle viajou cidades brasileiras pesquisando sobre Inovações Políticas nas Periferias, por meio do Instituto Update. Com 23 anos e experiência em gestão de inovação, análise de dados e economia criativa, ela é embaixadora do Democracy Earth, faz parte da Red de Innovación Política en America Latina e escreveu sobre práticas de inovações políticas em territórios brasileiros para o livro “¿Qué democracia para el siglo XXX?”, estruturado pela organização argentina Asuntos del Sur.
**Paula Berman é diretora do Programa de Embaixadores da Democracy Earth Foundation, onde trabalha com líderes em mais de 10 países para criarem pilotos locais de democracia líquida e comunicarem a emergente dinâmica crypto política. Antes de seu trabalho com a DEF, foi capitã do Code for Curitiba, grupo voluntário de hacker ativismo, e liderou o Politikei, plataforma de conexão com Câmaras Municipais. Em 2017, foi selecionada com Jovem Líder de Tecnologia Cívica pela Universidade de Standford e National Democratic Institute (EUA).
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