Alberto Kopittke é advogado, com longo currículo na área de segurança pública. Entre os cargos ocupados, está o de secretário municipal de Segurança Pública e Cidadania do município de Canoas (RS) e chefe da Assessoria Parlamentar do Ministério da Justiça. Atualmente, é doutorando em Políticas Publicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Também atua como consultor do Pacto Pelotas Pela Paz, uma iniciativa desenvolvida pela prefeitura municipal, com apoio da Comunitas em parceria técnica do Cidade Segura, instituto do qual Alberto Kopittke é o diretor-executivo.
Confira como foi o Bate-Bola com o especialista:
Segurança pública é um problema da gestão municipal?
Sem dúvida! Na nova concepção de Segurança Pública, a cidade tem um papel central para construir e executar uma política de redução da violência. Ouso dizer que tão importante quanto o próprio governo estadual ou federal. Essa nova concepção, que foi aplicada nas experiências mais exitosas do mundo, compreende o problema da violência de uma forma muito mais ampla e que deve ser tratado de forma proativa e não mais reativa, esperando o crime acontecer. Essa nova visão também não acredita que apenas as Polícias e o sistema de Justiça Criminal vão conseguir reduzir a onda de violência, sendo fundamental unir o conhecimento e a participação dos servidores do SUS, do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), da Educação, das Guardas Municipais, das Fiscalizações municipais e até mesmo os arquitetos e áreas de limpeza e iluminação urbana. Portanto, não podemos mais jogar nas costas da polícia um problema extremamente complexo e que precisa ser tratado por todos.
Antes de se ter um comportamento violento e participar de alguma organização criminosa, esse jovem passou anos sendo atendido pelos serviços das Prefeituras, mas hoje esses serviços não estão preparados tecnicamente para lidar com o fenômeno da violência e conseguir preveni-lo. Ao mesmo tempo, as cidades tem um grande papel para desenvolver na fiscalização das posturas municipais, do som alto, do consumo de bebidas nas ruas, da venda de produtos ilegais, da presença de crianças em festas, enfim, de um conjunto de “pequenos delitos” que também não podem ser deixados apenas para as polícias. Mas acima de tudo, o(a)s Prefeito(a)s podem liderar uma grande mobilização nas cidades para difundir a cultura de paz e integrarem os diversos atores públicos que hoje já estão atuando sobre o tema da violência e diversos outros que muitas vezes ainda não percebem que também estão envolvidos, além dos empresários, líderes comunitários, esportivos, religiosos, culturais e de comunicação para construir uma agenda comum que seja capaz de mobilizar a cidade para superar a violência. Essa concepção mais ampla de Segurança Pública é o que funcionou em diversos países e cidades do mundo que conseguiram vencer a violência.
Qual a importância de ações como o Pacto Pelotas Pela Paz* para a prevenção da violência na cidade?
Na concepção proativa de Segurança a prevenção é a grande prioridade. Muito mais do que simplesmente prender criminosos, precisamos conseguir que menos jovens desenvolvam o comportamento violento e que as comunidades se tornem mais unidas e coesas para superar a violência. O Pacto Pelotas Pela Paz aplica a concepção preventiva de forma inovadora nas ações de policiamento, de prevenção social, de fiscalização e de urbanismo. Ações de policiamento mais inteligente, com foco em hot spots e indivíduos altamente violentos, possuem um grande potencial para evitar que novos crimes ocorram. Na área da prevenção social, estamos aplicando metodologias baseadas em evidências internacionais no nível primário, que começam na prevenção a gravidez na adolescência, passam pela primeira infância, e nas séries iniciais e finais do ensino fundamental. No nível secundário, de média complexidade, desenvolvemos um trabalho inovador em rede chamado “Cada Jovem Conta”, que congrega a educação, assistência social, saúde e Guarda Municipal para analisar, caso a caso, os jovens que comecem a demonstram comportamento de risco, procurando vinculá-los a fatores protetivos dos serviços públicos e do Banco de Oportunidades, onde os empresários da cidade estão abrindo vagas de aprendizagem e oficinas. E na prevenção terciária, a cidade está criando uma APAC (Associação de Proteção e Assistência a Condenados) e diversas oportunidades de ressocialização. Na fiscalização, a cidade está utilizando a concepção das “Janelas Quebradas”, para atuar sobre pequenos delitos e perturbações, criando um Código de Convivência, que vai atuar sobre os pequenos delitos e regular o consumo de álcool nas ruas e proteger crianças, dando poder para a Guarda Municipal notificar as pessoas que descumprirem as regras. E no urbanismo, o Plano Diretor está sendo remodelando para estimular o uso do espaço público, a criação de fachadas ativas, a retirada de muros e o aumento da iluminação. Tudo isso num esforço para prevenir a violência na cidade.
Outra grande inovação do Pacto é que ele foi todo formulado com base em evidências científicas internacionais sobre o que funciona para reduzir a violência, superando o “achismo” e as crenças de cada um. Não podemos mais gastar o recurso público sem usarmos evidências para desenvolver as estratégias de ação.
Como o Pacto funcionará?
O Pacto funciona através de três espaços de gestão: o Gabinete de Gestão Integrada de Segurança, onde são monitoradas e geridas as estratégias de policiamento e justiça e de fiscalização municipal; o Comitê Integrado de Prevenção (CIP) onde são monitoradas e geridas as estratégias de prevenção social; e o Fórum Municipal de Segurança, onde o poder público deve prestar contar para um grupo de mais de duzentos membros de todos os setores da sociedade civil.
Quais os maiores desafios enfrentados na implementação de uma agenda municipal de segurança?
Embora a falta de recursos financeiros em tempos de crise seja obviamente um problema, ele não é o maior desafio para a implantação da nova concepção de segurança, pois a maioria das estratégias proativas é feita com os serviços que já são desenvolvidos na cidade, só que hoje são reativos, desintegrados, sem planejamento e não são feitos com base em evidências. Existem dois grandes desafios: um interno, onde o desafio é fazer os servidores públicos das mais diversas áreas compreenderem a importância do trabalho integrado e aceitarem novas formas de fazer o seu trabalho. As pessoas costumam se fechar na sua área e possuem resistência para dialogar com outras áreas, fazer planejamentos integrados e principalmente modificar a forma como costumam fazer as coisas, mesmo que elas não venham funcionando. Para isso é fundamental a sensibilização e a formação para as pessoas conhecerem outras experiências exitosas, e acreditarem que é possível fazer diferente. O segundo desafio é a mobilização da sociedade. Explicar para as pessoas uma nova concepção para abordar o problema da violência e mostrar para elas que isso funciona também não é uma tarefa fácil, mesmo que a concepção atual não esteja dando resultados positivos há muitos anos. E para isso, é fundamental uma boa política de comunicação e mostrar os projetos de forma concreta. E para os dois desafios, o papel do(a) Prefeito(a) é fundamental, pois ele é a liderança que pode falar para dentro e para fora e mobilizar todos os atores.
Como estimular a participação do cidadão comum, um dos maiores interessados no resultado final?
É fundamental convocar as pessoas para participarem com projetos concretos. Em Pelotas, os empresários estão sendo convidados a abrirem vagas para jovens e para egressos dos sistema prisional, além de criarem núcleos de Justiça Restaurativa. As demais lideranças serão convidadas para também criarem núcleos de Justiça Restaurativa nos seus locais de atuação, com grupos em aplicativos de troca de mensagem para falarem com as forças de segurança. Outra ação importante são as de comunicação, que precisam motivar e informar as pessoas, além de ações coletivas de ocupação do espaço público, como bicicletadas, caminhadas, corridas e piquenique para unir a sociedade.
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