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“Os governos voltam sua atenção para medidas de visibilidade e resultados imediatos”, afirma Fernando Veloso

Fernando Veloso foi diretor-geral de Segurança Institucional do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro de maio a dezembro de 2017. Está há quinze anos no cargo de Delegado de Polícia em diferentes funções, dentre as quais, subchefe operacional (2011-2014) e chefe da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro (2014-2016). Também é comentarista especialista em segurança pública no RJ1 da TV Globo desde janeiro de 2018.

Além disso, Veloso é um dos parceiros técnicos no desenvolvimento do Pacto Niterói pela Paz, iniciativa da prefeitura – com apoio do Programa Juntos – que visa reunir diversos atores da sociedade, como especialistas, policiais e judiciário, em busca de soluções preventivas no combate à criminalidade.

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#1  Qual a responsabilidade do município no que tange a área de segurança e o desafio de combater o aumento nos índices de violência?

Assumir o papel de protagonismo no âmbito dos diversos segmentos que influenciam na prevenção, resistindo a tentadora sedução de consolidar a identidade de suas guardas municipais de forma espelhada a das policias, em especial a da polícia militar.

Aos municípios, pela característica de maior proximidade e interlocução com o cidadão, através de suas guardas municipais em sinergia com outras secretarias como a de assistência social e outras voltadas ao desenvolvimento da juventude, cabe o desempenho de diferentes papeis junto a sociedade visando um conjunto de medidas de cunho essencialmente acolhedor, interagindo com o cidadão como um agente garantidor de direitos, condutor de ações para proteção desses direitos, sem olvidar a atuação direcionada a prevenção de crimes em cooperação com as policias, proteção de grupos vulneráveis, assim como a ressocialização de jovens envolvidos com a criminalidade de menor potencial ofensivo.

Programas de interação dos agentes das guardas municipais com o segmento juvenil nas escolas, com palestras, campanhas educativas no transito e cidadania, escotismo, meio ambiente e outros, integração com as policias através de acordos de cooperação mútua, como notificação de testemunhas de determinados grupos de crimes por guardas municipais em contrapartida a apoio das policias em ações de fiscalização administrativa ou posturas municipais, criação de mecanismos facilitadores pela prefeitura aos cidadãos vitimados como instalação de postos ou totens de auto atendimento para registros de ocorrência em contrapartida a integração de dados de inteligência com as bases de dados das policias de interesse das atividades administrativas de atribuição das guardas municipais.

Apoio no acolhimento de mulheres vitimadas e monitoramento do cumprimento de medidas cautelares no âmbito da Lei Maria da Penha pela GM em contrapartida à qualificação de seus agentes em atividades especiais como crimes ambientais ou mesmo defesa pessoal e emprego de armas menos letais. Acordos de cooperação mútua com a participação do Ministério Público, como a realização de exames médicos descritivos de lesões corporais leves por corpo medico da prefeitura, suprindo carências crônicas das pericias técnicas estaduais em extensas áreas do território nacional, ante a uma carência nacional de laudos técnicos que impacta na prestação jurisdicional que ao fim e ao cabo tem desdobramentos no aumento da criminalidade em razão da não responsabilização criminal de representativa parcela de autores.

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#2  Quando tratamos de segurança estamos falando de diversos segmentos que precisam se unir em busca de um mesmo objetivo. Como promover uma interlocução de forma eficaz entre polícia, judiciário, sociedade civil organizada, dentre outros órgãos?

A busca pela autopreservação e espírito de corpo das instituições torna essa dinâmica extremamente difícil. Assim, disputas de espaço e de poder estarão sempre presentes nesses contextos de tentativa de integração. A alternativa viável seria através da criação de comitês de gestão com representação de todas as instituições necessárias ao processo de integração, em um espaço de gestão compartilhada em que, preservadas as questões de natureza legal e mesmo constitucional, em especial quanto a atribuições especificas, as decisões de nível estratégico caberiam ao Comitê gestor de segurança pública.

Ilustrativamente seria como se a estrela do xerife da cidade (secretário de segurança) fosse estendida a todos os integrantes desse comitê gestor de segurança pública que poderia contar inclusive com representação de instituições como a OAB.

Exemplificando, em um cenário hipotético, seria como submeter a esse comitê gestor da segurança pública, um projeto para uma cidade de grande porte e com níveis alarmantes de violência, de retomada de vários territórios dominados a décadas por quadrilhas de traficantes fortemente armados, com forte influência no processo político eleitoral, estabilização dessas áreas para uma primeira fase de ocupação policial de proximidade seguida da implantação de projetos sociais e estrutura que elevasse esses ambientes ao patamar de cidades e não mais de verdadeiros guetos.

Nesse caso hipotético, seguramente a evolução das discussões em âmbito estratégico teria que enfrentar uma série de dificuldades, contudo, uma vez superadas as principais, com a representatividade múltipla que lhe é inerente, esse comitê dificilmente deixaria de estabelecer as fases ou as providencias necessárias para a o avanço do Programa de pacificação sem a concomitante implantação das medidas sociais ou outras extraordinárias à esfera policial. Em outras palavras, o comitê com múltipla representatividade não seria surpreendido com o desmantelamento do programa por uma suposta falta de investimento no social.

Concluindo e exemplificando, interlocução considerando as características das instituições brasileiras, cada vez mais ávidas por garantias e direitos, somente através de gestão compartilhada como no modelo adotado pela Guarda Costeira Americana posteriormente difundido por todo o pais através de ato presidencial, denominado Sistema de comando de incidentes.

 

 

#3  E a população? Como envolver os cidadãos de forma eficiente e que eles se sintam parte dessa construção?

Com o modelo de comitê gestor citado acima poderia haver subcomitês com representatividade de diversos segmentos por atividades profissionais ou Conselhos Comunitários, mas essencialmente com transparência e alicerçando as decisões estratégicas em bases de dados legitimadas por universidades ou outros do segmento acadêmico.

 

 

#4  Como manter a sustentabilidade das ações de combate a violência, com troca de mandatos no governo?

Investindo em medidas estruturantes nas policias e não em projetos temporais que ainda que possam trazer eventuais benefícios a sociedade não garantem o funcionamento regular das instituições responsáveis por sua manutenção a longo prazo. Segundo a Secretaria de Fazenda, nos últimos dez anos foram investidos mais recursos na rubrica segurança pública do que na saúde e educação somadas. Não obstante, é cristalino o desmantelamento das policias estaduais. Consolidação da dinâmica de planejamento estratégico de médio e longo prazo das instituições com ampla divulgação para a sociedade.

 

 

#5  Há diferença de papéis entre cidades grandes ou pequenas, ou a responsabilidade e os caminhos para o combate à criminalidade são os mesmos?

O estabelecimento de padrões para cidades maiores ou menores me parece restrito essencialmente a forma, volume ou mesmo a intensidade das políticas a adotar para cada modalidade criminosa, não me parece que haja fórmulas diferentes de enfrentamento considerando volume de pessoas ou dimensões geográficas, mas sim peculiaridades desta ou daquela cidade, seja ela de médio ou grande porte.

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#6  Utilizando sua experiência como chefe da polícia civil do Rio de Janeiro, quais as áreas em que os governos devem ter atenção prioritária para que resultem na diminuição nos índices de criminalidade a longo prazo?

Inicialmente buscando facilitar o desenvolvimento, vamos estabelecer uma restrição e nos referirmos especificamente à criminalidade violenta, ou seja, aquela que pode levar a morte ou a lesão grave.

Historicamente os governos tendem a voltar sua atenção e seus recursos para as medidas com maior visibilidade e de resultados mais imediatos. Via de regra, investem em mais mecanismos de repressão e reforçam a tese de que a solução da criminalidade está na Polícia. Analise das series históricas de homicídio, latrocínio e mortes decorrentes de intervenção policial confrontadas com as mesmas bases de produtividade policial como prisões, apreensões de armas e outros não deixam duvida de que se a Policia é a solução é somente parte dela. O aumento dos índices de criminalidade violenta acompanha o aumento de prisões e apreensões de armas. Por outro lado, a efetiva responsabilização do autor com a resposta do sistema criminal segue outro caminho não fechando o ciclo da repressão, não nos permitindo assim afirmar se a repressão, se levada a efeito como concebida originariamente e em sua concretude, seria eficaz na redução da criminalidade. Fiquemos com essa questão.

Todavia, ainda que pudéssemos comprovar a eficácia do modelo repressivo na redução da criminalidade como muitos afirmam, ainda assim não poderíamos ignorar a relação custo beneficio dessa linha de ação, ou seja, o crime já ocorreu, a vida, já foi tomada, ainda que o autor seja criminalmente responsabilizado e adequadamente reinserido na sociedade, o dano causado pela criminalidade violenta e irreparável. Teríamos vários outros argumentos mas este já me parece suficiente para justificar a necessidade de investimentos na prevenção, seja através da adoção de medidas que dificultem a circulação ilegal de armas de fogo, seja através de programas de conscientização ou campanhas acerca das consequências da pratica de condutas criminosas direcionadas à jovens em idade escolar e à determinados segmentos de trabalhadores mais suscetíveis ao aliciamento por quadrilhas organizadas, seja através do monitoramento e ações mais efetivas junto aos grupos vulneráveis, comumente vítimas e autores dessa criminalidade violenta.

Enfim, poderíamos agrupar as referências acima em áreas como educação, assistência social, cultura, esporte e seguramente desenvolvimento econômico. Restringindo uma vez mais o foco na repressão, falta aos governos um olhar especifico as áreas de inteligência, investigação e perícia técnica e seu potencial para produção de resultados mais significativos na redução da criminalidade. Atuam na repressão, mas de forma seletiva, com custos bem menos elevados, mais próximas pela natureza da atividade ao crivo do MP e Judiciário e com potencial de desmobilização de estruturas criminosas que em suas atividades diárias retroalimentam o círculo vicioso arregimentando pequenos colaboradores para suas atividades.

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