Confira entrevista da prefeitura Paula Mascarenhas ao editor-chefe do Diário popular, Pablo Rodrigues.
Em aproximadamente uma hora de entrevista exclusiva ao Diário Popular, concedida na tarde da última segunda-feira em seu gabinete, a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB) falou, sem recusar ou desviar de quaisquer perguntas, sobre a relação do município com a Comunitas, alvo de críticas especialmente da oposição na Câmara de Vereadores. Paula defendeu a parceria, elencou o que considera avanços e disse ver intenções eleitorais em quem a ataca. Mais: disse que o alvo seria, no fundo, o ex-prefeito Eduardo Leite (PSDB) – talvez o candidato tucano de maior expressão para disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados ou até mesmo o governo do Rio Grande do Sul nas próximas eleições.
Aos que atacam o governo por estabelecer parceria com a Comunitas, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), como frizou a prefeita, “não uma empresa”, o revide veio sem meias palavras: “A gente não pode se dobrar aos maus exemplos na relação entre o público e o privado país afora. Pelotas é um excelente caso de uma ótima relação. A parceria que temos com a Comunitas é legal, ética e focada no interesse público”.
[Magis+] – Por que o governo considera tão importante esta parceria com a Comunitas?
Paula Mascarenhas – Existe uma fila de prefeitos batendo na porta da Comunitas querendo participar do projeto Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável. Por que todos querem? Porque na verdade se recebe recursos privados para serem investidos em áreas que a própria prefeitura elenca como prioritárias. Em geral, a gente foca em inovação, o que é sempre difícil para um gestor, principalmente em época de crise, contratar consultorias, investir em inovação, porque há um risco e a gente nunca tem como prever exatamente os resultados. Então, quando se tem uma organização que está apostando na qualificação da gestão pública, na inovação da gestão pública e te oferece este tipo de parceria, é muito bom porque os riscos não são públicos, não são com recurso público, são com recursos privados, e os resultados têm sido fantásticos para a população. A Rede Bem Cuidar, premiada em primeiro lugar em todo o país, esse novo conceito de UBS que a gente desenvolveu na Bom Jesus, no Simões Lopes e na Guabiroba, e que eu pretendo replicar. Essa ideia de replicabilidade está por trás do projeto Juntos. Não só a replicabilidade de projetos no próprio município como troca entre os municípios. A Rede Bem Cuidar está indo para outros lugares. Nosso escritório de projetos, que garantiu que a gente tirasse tantas obras do papel, num momento tão difícil do Brasil em que tantos municípios não conseguem mostrar resultados, nós estamos aí com cem obras em andamento, certamente fruto do planejamento estratégico, desse acompanhamento de projetos que a gente está exportando. Eu quero buscar de Santos (SP) um projeto que se desenvolveu lá com muito sucesso, que é de agilização na aprovação de projetos, com outra concepção de relação, baseada na confiança e responsabilização. Os resultados públicos têm sido fantásticos. E os recursos, os riscos, não são públicos, são privados. Não tivemos nenhum exemplo de projeto que não tenha dado certo. Todos tiveram excelentes resultados. Fomos o único município gaúcho lá em Brasília, em uma exposição do Prêmio Inova SUS, que recebeu prêmio e com dois projetos: a Rede Bem Cuidar e a Mão de Obra Prisional. Eu tenho maior orgulho de fazer parte do projeto Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável. E a população de Pelotas tem sentido os efeitos positivos disso. Há um terreno fértil para a inovação.
M+ – Como tu enxergas os ataques à parceria com a Comunitas?
Paula – Eu entendo e respeito as divergências e que as pessoas possam ter críticas ou não estar bem informadas. Eu acho que junto com esses ataques há uma antecipação da eleição do ano que vem. Há um viés político forte, eleitoral.
M+ – Achas que para atingir o ex-prefeito Eduardo?
Paula – Certamente, para atingir o Eduardo. Há muita desinformação e talvez alguma má intenção também. Há uma questão básica que está na origem de todos os raciocínios críticos que nos fizeram – e que já temos falado e corrigido e seguem sendo replicados: os críticos consideram a Comunitas uma empresa. A Comunitas não é uma empresa. É uma Oscip, uma organização que congrega empresários. Não empresas, empresários. Não contratamos os serviços da Comunitas. Não existe passagem de recurso público para a Comunitas. E todas as críticas que nos fazem partem desse pressuposto de que há recursos públicos indo para lá ou de que mesmo os recursos dos parceiros locais que saem seriam para remunerar a Comunitas – e isso não é verdade. É para entrar no orçamento que banca as consultorias, os projetos. Elenquei alguns projetos para este ano. Vamos trabalhar com equilíbrio fiscal. E também com a segurança pública, uma consultoria nesta área. A gente vai propor para a sociedade o pacto Pelotas pela Paz. Vamos fazer um plano municipal de segurança pública. Seremos o primeiro município gaúcho a ter. Na Educação, teremos a Cláudia Costin, que é considerada por muitos uma das maiores autoridades brasileiras nesta área. Ela está vindo aqui e conversando com nosso pessoal da Smed, focando na qualificação para manter essa melhoria do Ideb que a gente verificou na última prova. E na inovação em Saúde, vamos fazer um outro aplicativo de celular para acompanhamento de medicação, para que as equipes tenham acompanhamento do que os usuários estão fazendo e prevenir a volta do usuário para o sistema. Essas são as frentes iniciais de trabalho. Tenho muita expectativa de que a gente tenha tanto sucesso nestes projetos quanto teve nos anteriores. Então, não existe nenhum pagamento ou contratação da Comunitas. Eles colocavam recursos nos projetos, nas consultorias, bem como os líderes locais, uma contrapartida que a Comunitas pede, para que exista sustentabilidade no tempo, para que a sociedade local participe, acompanhe, cobre, para que seja uma política de Estado mais do que de governo, como aconteceu em Curitiba (PR) – o prefeito não se reelegeu, mas a sociedade curitibana disse para o eleito: “A gente quer continuar com o projeto Juntos”. E o prefeito eleito topou. Isso não tem a ver com partidos, mas com engajamento da sociedade, com governança.
M+ – Essa contrapartida dos empresários locais, principalmente as reuniões que tu tiveste com eles, gerou críticas. É papel do governo promover esses encontros? Por que secretários e a prefeita se reunirem com os empresários para viabilizar o projeto? Não seria papel da Comunitas fazer isso?
Paula – Eu tive apenas um encontro com eles. Em geral, a Comunitas faz. Nesse dia, nessa única reunião que fiz com eles, eu achei… na verdade, como a gente foca nos resultados, eu achei que era interessante, no início do meu governo, eu falar sobre resultados (neste instante, Paula mostra uma revista com destaque para os resultados dos quatro anos de parceria entre Pelotas e o Juntos). De certa forma, eu fui prestar contas do que significou para Pelotas nestes primeiros quatro anos e por que eu queria continuar. Foi uma espécie de prestação de contas e sensibilização dos empresários para o projeto. Não falei em recursos, em valores.
M+ – Não se definiu cota específica para empresário nesta reunião, então?
Paula – Não, porque esse tipo de conversa é feito diretamente pelos assessores da Comunitas com os empresários. Eu não falei sobre recursos. Saiu a notícia de que a gente tinha pedido isso ou aquilo. Não se falou absolutamente em valores. Não é meu papel, não passa pela prefeitura esse tipo de coisa. Então, na verdade foi uma prestação de contas e uma sensibilização. Achei mais do que legítimo participar com alguns secretários. Porque o nosso papel é colocá-los em contato – os empresários de fora e os daqui -, abrir caminhos. A partir daí, uma rede pode se formar. Isso é para quem quer participar. Para quem tem vocação. Para quem acha que é importante o mundo privado participar dos resultados públicos, para quem quer controlar, acompanhar a gestão pública. Nem todos os empresários têm essa visão. E a gente respeita. Tem que identificar as pessoas com esse perfil em Pelotas. E há gente com esse perfil na cidade.
M+ – Como tu vês o fato de o ex-prefeito Eduardo ter recebido indicação da Comunitas para estudar na Universidade de Columbia (EUA)? Isso atinge o governo de alguma forma? Vês algo de errado nisso?
Paula – Não vejo nada de errado. Não atinge o governo nem o próprio Eduardo. Atingiria se houvesse recurso público envolvido, se a Comunitas tivesse sido contratada pela prefeitura, como está neste raciocínio que eu critico. Na verdade, esse projeto foca na melhoria da administração pública. Eles têm bolsas de estudo. Uma servidora de carreira nossa, a Alice Szczepanski (área da Educação), já participou de pós-graduação em São Paulo, esteve uma semana em Harvard. O Eduardo foi apresentado porque muitos gestores e servidores públicos acabam fazendo este caminho e tendo contato com universidades, sobretudo nos Estados Unidos. O conceito por trás disso é o de investir em gestão e gestores públicos comprometidos com uma visão mais moderna, de foco em inovação. O Eduardo está se qualificando por isso. Não está sendo mantido pela Comunitas. Não está recebendo dinheiro deles. E mesmo que recebesse não teria nenhum tipo de problema porque não há nenhum vínculo de contratação, nenhum recurso público sendo colocado a serviço da Comunitas.
M+ – A relação conturbada que se dá é em função da Falconi, contratada no governo anterior, que sofreu demanda judicial. Ela é um braço da Comunitas?
Paula – Ela não é um braço da Comunitas. É uma grande empresa de consultoria. Uma das maiores do país. A Comunitas tem como trabalho basicamente a contratação de consultorias em diversas áreas. Então, a Falconi é uma das consultorias que a Comunitas contrata. No nosso caso, a Falconi para a Educação foi contratada. Na Rede Bem Cuidar, foi o Tellus, por exemplo. Quando a Falconi chegou aqui, eles nos mostraram projeto levado para o Rio de Janeiro com grandes conquistas na melhoria do Ideb. Eu fiquei encantada e cheguei a dizer pro Eduardo para deixarmos o planejamento estratégico e apostar tudo em Educação. Ele ficou motivado também. Mas disse que precisávamos, antes de tudo, governar o governo. Planejamento estratégico precede qualquer coisa. Mais adiante, conhecendo mais a prefeitura, a gente percebeu que existia um recurso, o Salário Educação, o qual investimos para recuperar toda a rede de Educação Infantil do município, em torno de R$ 20 milhões, recurso em geral não usado pelos governos ou usado para tapar furo e que não era, ao fim, utilizado em Educação. Resolvemos pegar 10% deste recurso que teríamos para investir nos quatro anos, para contratar a Falconi naquele projeto de Educação que tinha nos marcado muito. E nós usamos a lei 8.666, que prevê inexigibilidade de licitação em alguns casos. Nós fizemos uma contratação por inexigibilidade, assim como o Poder Judiciário, ministérios, várias instituições públicas fazem com a própria Falconi. Então, não foi uma invenção de Pelotas. Mas aqui houve uma denúncia e o Ministério Público achou que devia entrar com ação. Na primeira instância, perdemos. No Tribunal de Justiça, também perdemos, mas isso continua em instâncias superiores. Ainda estamos discutindo na Justiça. Mas foi uma crítica em relação à forma de contratação, forma utilizada por outras instituições públicas também. Isso não tem nada a ver com a Comunitas, que trouxe a Falconi para nos prestar consultoria para a área de planejamento estratégico, e a gente resolveu contratar diretamente, aí, sim, com recursos públicos para a Educação.
M+ – A Falconi deu resultados no período em que esteve em Pelotas?
Paula – Eles começaram a trabalhar e formaram um grupo de servidores públicos aqui, dentro desta área de gestão em Educação. Começaram a trabalhar a ambiência. Nós crescemos 23% no Ideb. Foi o maior crescimento do país. No Estado, depois de nós, quem mais cresceu chegou a 7%. Aquele grupo formado pela Falconi seguiu trabalhando durante um tempo. Agora estamos fazendo pesquisa interna, ouvindo diretores e professores dessas escolas que cresceram mais no Ideb, para ver ao que eles atribuem esse crescimento. Há vários fatores. Mas tem aparecido muito o trabalho da Falconi.
M+ – O vereador Marcus Cunha (PDT) tem batido na doação de R$ 150 mil feita pelo empresário Carlos Jereissati para a tua campanha. Como vês isso? Enxergas algum tipo de problema?
Paula – Neste momento do país, qualquer mistura de doação eleitoral, empresa privada, poderes públicos, pronto: parece que há, com o perdão da palavra, alguma “sacanagem”. O Carlos Jereissati doou para o PSDB, mas direcionado à minha campanha, e isso está lá declaradíssimo. Foram R$ 150 mil, a maior doação da minha campanha. Fiquei muito honrada de receber essa doação porque significa um voto de confiança de um grande empresário brasileiro que se preocupa com gestão pública – e que tem tido contato com várias administrações públicas por conta do projeto Juntos – e que achou que valia a pena ajudar o nosso projeto em Pelotas a seguir em frente. Não tenho absolutamente nenhum constrangimento em dizer isso, porque temos recebido o Carlos Jereissati, padrinho de Pelotas no Juntos pelo Desenvolvimento, responsável por acompanhar de perto o andamento dos projetos. Ele ficou satisfeito com os resultados e apostou, como cidadão preocupado com a gestão pública. Ele só nos trouxe coisas. Não levou nada, nenhum recurso da prefeitura. Todo o raciocínio do Marcus Cunha (PDT) está baseado em uma ideia absolutamente incorreta de que eles doam porque estão recebendo muito mais. Cheguei a ler um absurdo de que doaram R$ 150 mil e vão receber R$ 300 mil. Eu nem sei de onde isso surgiu. Não sei de valores. Mas digamos que fossem R$ 300 mil… Esse dinheiro não iria para o bolso do Carlos Jereissati nem para a Comunitas, mas para os projetos: o de Educação, da Cláudia Costin, vai para o projeto Pelotas Pacto pela Paz… Não vai para engrossar a conta bancária de nenhum grande empresário nacional. Francamente, eles nem precisam disso. Eles colocaram, no governo Eduardo, por baixo, mais de R$ 3 milhões. A prefeitura investiu R$ 300 mil nesse período porque a nossa parte no Termo de Parceria é pagar as despesas de transporte, hospedagem e alimentação dos consultores, independentemente da empresa contratada. E naquela época isso era feito por ressarcimento, com prestação de contas, a título indenizatório. Agora isso vai mudar também: vamos pagar só estadia e transporte, por contratação direta em hotéis. Colocamos R$ 300 mil, eles R$ 3 milhões. Os empresários locais devem ter colocado cento e poucos mil – não sei exatamente disso, porque o recurso privado que vai para a Comunitas não passa por nós. Então, por qualquer conta que se faça, não há como fazer um raciocínio desse tipo, de algo suspeito. É tudo às claras. Transparente.
Postado originalmente em Diário Popular.
Foto: Paulo Rossi – DP