Da crise climática à cooperação internacional, 3º módulo da formação Mudanças Climáticas e Energia proporciona uma visão abrangente sobre os desafios da transição energética e os caminhos para um futuro mais sustentável
Na última quinta (1º), a Comunitas concluiu mais um módulo da formação “Mudanças Climáticas e Energia”. Ministrado pela professora Renata Albuquerque Ribeiro, Coordenadora do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). A ideia foi abordar a temática da transição energética, incluindo o conceito, panorama histórico e atual, descarbonização, o papel do Brasil e de outros players nacionais e mundiais diante do assunto.
A aula também abordou o cenário atual no Brasil, desafios enfrentados e questões relacionadas ao uso da terra, desmatamento e agropecuária. A cooperação internacional também foi discutida, com ênfase na experiência brasileira em projetos de biocombustíveis na África, destacando barreiras e aprendizados. Além disso, a professora trouxe exemplos de transição energética em outros países, ressaltando iniciativas, cooperação internacional e complicações específicas enfrentadas por essas regiões.
Contextualização sobre as mudanças climáticas: como chegamos até aqui?
Em sua aula, Renata abordou questões essenciais sobre as mudanças climáticas e a transição energética, proporcionando uma visão abrangente da situação atual do mundo. Ela enfatizou a preocupação com o aumento da temperatura global, destacando um gráfico do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas (OIMC) que apontou os últimos 8 anos como sendo os mais quentes registrados desde 1980, ressaltando a urgência da crise climática e a ocorrência de eventos extremos que podem levar milhões de pessoas à pobreza.
Além disso, Renata explorou o fenômeno da mudança de paradigmas na discussão climática. Isso porque os efeitos de tais alterações vêm sendo percebidos de forma mais constante pela população, destacando a emergência do tema e a necessidade de uma transição energética justa e democrática. “Ao longo dos anos, a discussão sobre o clima transcendeu suas origens e furou a bolha. O debate sai de um vocabulário que adotava termos como ‘aquecimento global’ para ‘mudanças climáticas’, que é mais abrangente. Nas cidades, eventos extremos, como chuvas intensas, ondas de calor, bem como o aumento na conta de luz, conectaram as pessoas de maneira mais direta às questões climáticas”, explicou.
Também foi salientada a importância dos três Ds da transição energética no enfrentamento das mudanças climáticas, como descarbonização, descentralização e digitalização (uso de tecnologias para distribuição de energia). “Entretanto, é preciso que seja feita uma transição justa, levando em conta os impactos sociais, especialmente para as populações mais vulneráveis”, declarou ela.
A aula também abordou os desafios e as complexidades nas negociações internacionais sobre clima e energia, bem como as disparidades do consumo energético entre os países do Sul e Norte Global, a necessidade de cooperação internacional para enfrentar desafios comuns e de inclusão das pessoas impactadas com as mudanças climáticas nas arenas de decisão. “A população mais vulnerável não deve arcar com os custos financeiros e nem sofrer as consequências negativas do processo de transição. É crucial incluir ativamente as pessoas afetadas nas arenas de decisão, a exemplo das COPs”.
Cooperação internacional para a transição energética
Renata apontou a existência de uma assimetria no que diz respeito tanto ao uso quanto à distribuição de energia em escala global, além da emissão desproporcional de gases de efeito estufa (GEE). Um exemplo de tal disparidade é o continente africano que apresenta algumas singularidades. Ele é responsável por apenas 5% das emissões globais de GEE e possui baixos índices de acesso à energia pela população.
A nível global, 675 milhões de pessoas não têm acesso à eletricidade, destas 80% vivem na África Subsaariana. No entanto, os países africanos são altamente impactados pelos fenômenos meteorológicos agravados pelos efeitos das mudanças climáticas, como secas e inundações. “Como a África pode fazer uma transição energética se o continente ainda não fornece energia em todas as suas áreas?”, questionou ela.
Renata também promoveu um debate acerca da eficiência energética global, destacando a matriz energética brasileira essencialmente limpa em comparação com a matriz mundial, mais poluente. Porém, quando o assunto é transição energética, países mais ricos como Suíça, Finlândia e Noruega lideram o ranking. Enquanto isso, o Brasil busca estabelecer parcerias internacionais para efetivar sua transição energética de maneira mais eficaz.
“O Brasil vem despontando como um país com um grande poder de influência na área ambiental e energética e essa é uma grande oportunidade para ampliarmos nosso capital político e diplomático. A Amazônia representa parte desse poder, tornando o Brasil uma ponte entre países em desenvolvimento com os países desenvolvidos. O país tem a capacidade de transitar entre diferentes pontos e tem buscado se destacar nesse sentido, criando coalizões e protagonizando debates importantes, como visto na última Cúpula da Amazônia”, explicou Renata.
Transição energética no Brasil e na América Latina
Alguns dos projetos brasileiros de sucesso na área de transição energética envolvem defesa, ciência, tecnologia e, mais significamente, a promoção e produção de biocombustíveis também em países africanos, apesar de essas iniciativas terem enfrentado desafios importantes, especialmente relacionados à segurança alimentar, uso do solo e ações sociais.
A transição energética na América Latina também foi abordada, com casos exitosos da Costa Rica, com uma matriz de 99% de energia limpa, e do Uruguai, com um percentual de 80% de matriz energética limpa.
Além disso, ela apontou projetos de cooperação internacional realizados no continente africano, como o Power Africa financiado pelos Estado Unidos, levantando questionamentos sobre a escolha das regiões da África para a realização do mesmo, já que as áreas mais necessitadas ficaram de fora do projeto.
Renata também destacou questões futuras e fez alertas sobre conflitos socioambientais que estão em debate a nível global referente à produção de energia. Aos problemas associados à energia eólica, Renata trouxe o caso do Marrocos, país dependente da energia eólica e solar produzida no Saara Ocidental, que ao mesmo tempo vive em uma disputa antiga pela produção de energia no território com indígenas saharauis.
Outro exemplo foi sobre os alertas que os indígenas mapuches manifestam na Argentina em relação aos riscos do fracking (em português, fraturamento hidráulico). Método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo, mas com grande potencial de contaminar lençóis freáticos e comprometer a qualidade de vida de quem vive próximo aos poços, e que tem sido discutido no Congresso brasileiro.
Sobre a Formação
A formação “Mudanças Climáticas e Energia” é realizada a partir de uma parceria entre a Comunitas e o Climate Hub | Rio, laboratório de clima do Columbia Global Centers | Rio, com o objetivo de capacitar gestores públicos para liderar a transição energética, um processo essencial na mitigação das mudanças climáticas.
Voltado para lideranças públicas que atuam na área energética, o curso terá 12h de conteúdo programático distribuídas ao longo de quatro módulos, que abordarão questões essenciais para o tema, como introdução às mudanças climáticas, aproveitamento energético, transição energética e políticas públicas para investimento em descarbonização energética.
O próximo e último módulo, ministrado por Martin Dietrich Brauch, será realizado nos dias 20 e 22, após a pausa de carnaval, e abordará a temática da descarbonização energética. O propósito das aulas é apresentar a importância do marco político, jurídico e regulatório para o investimento em descarbonização energética e os desafios para financiar tal investimento, bem como soluções para a descarbonização de áreas de consumo final de energia particularmente relevantes na esfera municipal: eficiência energética, edifícios, transporte e mobilidade urbana.
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