A criação de políticas públicas precisa ser um processo empático, que leve em consideração tanto as necessidades quanto os anseios dos cidadãos. Para isso, o comportamento das pessoas precisa ser levado em conta
Como o estudo do comportamento dos cidadãos pode impactar na construção de melhores políticas públicas? Esse foi o tema central da discussão promovida pela Comunitas, durante o primeiro Encontro Rede Juntos do ano, realizado na tarde da última quinta (06). O evento contou com a participação de 36 pessoas de cerca de 10 cidades do Brasil.
O Encontro Rede Juntos focou no compartilhamento de experiências de especialistas no assunto, como a presidente do Instituto Fundação João Goulart (FJG) e da célula de ciências comportamentais do Rio de Janeiro (NudgeRio), Rafaela Bastos; o Gestor de Cultura na Prefeitura de Jundiaí (SP), Marcelo Peroni; e a Secretária de Planejamento e Governança da Prefeitura de São Vicente (SP), Talita Correa.
Enquanto Rafaela introduziu o tema das ciências comportamentais aplicadas às políticas públicas, falando de sua importância para todas as áreas do governo, Marcelo abordou a construção de políticas públicas focadas na primeira infância como uma ferramenta para redução das desigualdades no futuro. Para finalizar, Talita partilhou a experiência de São Vicente para incentivar os contribuintes a quitar o IPTU em atraso.
Rafaela Bastos: “Os elementos comportamentais para a criação de políticas são aspectos que facilitam a conexão do cidadão e para o sucesso da implementação das políticas públicas”
A NudgeRio, unidade de ciências comportamentais do Rio de Janeiro, surgiu em 2018 e foi o primeiro centro de Nudge do Brasil. De lá para cá, a unidade já acumulou diversas experiências bem sucedidas na aplicação da metodologia nudge no município carioca.
Dentre as políticas públicas implementadas, tomando por base os aspectos comportamentais da população, Bastos abordou o case do Travessia Mais Legal, realizado em novembro do mesmo ano de criação do NudgeRio. A iniciativa atendeu a uma demanda da CET-Rio, alinhada com as estratégias para reduzir a taxa de mortalidade causada por acidentes de trânsito. A intervenção focou na melhoria da sinalização das travessias de pedestre e consequente aumento da segurança viária da população, de acordo com a análise comportamental da população.
“As pessoas se comportam de acordo com um estímulo recebido, e temos mapeado o que é um comportamento desejável e indesejado. Nós usamos os próprios códigos vigentes nas leis de trânsito de forma a orientar a sinalização tanto de pedestres quanto motoristas e fomos indicando onde era a travessia mais legal, com placas”, explicou Rafaela.
Com a ação, houve uma redução de movimentos indesejados em até 30% nos períodos de maior volume de pedestre. Além da redução do movimento indesejado na travessia de pedestres, a experiência promoveu uma marca simbólica para uma política pública de mobilidade urbana, que pode ser replicada em outros locais da cidade.
Marcelo Peroni: “Nós acreditamos que uma cidade boa para as crianças é boa para todos”
Jundiaí é conhecida como a Cidade das Crianças por ter uma série de políticas públicas voltadas para a infância e primeira infância. O município olha para os pequenos como seres de direito, que podem participar da construção da cidade. Por isso, o município paulista tem um comitê, formado por crianças escolhidas a partir de sorteio, das seis regiões da cidade, que se encontram quinzenalmente para discutir a construção das políticas públicas.
Além do direito à participação, Peroni também exemplificou, como direito das crianças, o acesso à cultura e a liberdade para brincar. Mas, para garanti-los, é necessário criar mecanismos que fomentem os estímulos corretos e atrativos para os pequenos.
Dentre as políticas públicas desenvolvidas na cidade, uma escuta popular permitiu que algumas vias da cidade fossem fechadas para veículos aos domingos, para que as crianças possam brincar na rua. Outra iniciativa é o “Pé de Ouvido”, que se trata de QR codes gravados com histórias de artistas da cidade, que contam histórias para estimular que a criança possa recontá-la depois.
Porém, ele explicou que as políticas públicas desenvolvidas localmente são criadas a partir de uma análise profunda de dados e escuta com a população. “São 300 indicadores que olhamos na cidade, dos quais 107 são voltados para a primeira infância. A gente promove um cruzamento de dados para a definição de uma política pública que a gente precisa implementar. Nós também entendemos que, com base nos dados que temos, de escuta com a população, a gente implementa um projeto piloto para, a partir do seu sucesso, ampliar a iniciativa. E é preciso entender como dar escalabilidade para as políticas públicas.
Talita Correa: “O Nudge é uma ferramenta que pode ajudar a cidade em diversos aspectos da nossa gestão”
Talita iniciou sua apresentação explicando alguns aprendizados e desafios que o experimento da implementação da metodologia de Nudges em São Vicente tem trazido para a administração pública. O primeiro grande passo, de acordo com ela, foi sensibilizar os gestores municipais para a importância da metodologia localmente, que será a primeira cidade do Brasil a completar 500 anos e a narrativa que tem sido trabalhada é a de buscar inovação.
As dificuldades orçamentárias também foram abordadas por ela, que explicou de que forma a metodologia de Nudges pode contribuir para melhorar a arrecadação municipal. “Depois da capacitação da NudgeRio que fizemos com os nossos servidores no ano passado, com o apoio da Comunitas, nós tínhamos algumas opções, mas escolhemos melhorar a arrecadação do IPTU. Nosso escopo foi trabalhar a metodologia para arrecadar o IPTU com os cidadãos inadimplentes. Optamos por enviar email, visto que é gratuito, e tivemos o apoio da NudgeRio ao longo de todo processo”, contou ela.
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