A iniciativa unificou práticas de saúde e formação para gestantes, resultando em uma redução significativa das taxas de mortalidade materno-infantil de Santos (SP)
De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a mortalidade infantil reflete as condições socioeconômicas e ambientais de uma região, bem como a disponibilidade de um sistema de saúde de qualidade. Além disso, a garantia de saneamento básico para a população também está diretamente relacionada à mortalidade infantil e à expectativa de vida das pessoas.
A meta global da Organização Mundial de Saúde (OMS) era reduzir a mortalidade infantil para um terço do que foi registrado em 1990 (12,4 milhões de crianças de até 5 anos) até 2015 e diversos esforços foram realizados no mundo todo nesse sentido, inclusive nos municípios brasileiros. E Santos (SP) não foi exceção. Embora a cidade do litoral paulista tenha um bom desempenho no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e de indicadores acima das médias nacionais em diversas áreas, sofria com as altas taxas de mortalidade materno-infantil há pelo menos 23 anos.
Com o apoio da Comunitas, Santos caiu de um índice de mortalidade infantil de 13,7 em 2013 para 6,3 em 2023. Mas o que foi feito para atingir tal resultado? É isso que você vai descobrir a seguir!
Desafio
Na época, a taxa de mortalidade infantil no município paulista era de 13,7, contra 15,02 do índice brasileiro. Além disso, a cidade não vinha atingindo a taxa considerada aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza 10 óbitos por mil nascidos vivos.
Diante do cenário, esse foi o momento em que, segundo a Chefe do Departamento de Atenção Primária de Santos, Mariana Trazzi, o município paulista entendeu a necessidade de implantar um projeto, seguindo as diretrizes do programa ministerial Rede Cegonha, para desenvolver uma nova política na cidade que viabilizasse a redução da mortalidade infantil localmente.
“Há 11 anos, foi criado um grupo técnico com médicos ginecologistas e enfermeiras-obstetrizes, um time de atores realmente importantes, que proporcionasse um impacto e soubesse como atuar naquele momento. A rede de saúde de Santos é composta por 33 policlínicas, 2 Institutos da Mulher e 2 maternidades. Então, nós precisávamos fazer com que essa rede conversasse para entender onde estava a falha e corrigí-la por meio de treinamento”, explicou Mariana.
Objetivo
Foi nesse contexto que a prefeitura implementou o programa Mãe Santista. Lançado em 2013, a iniciativa surgiu com o objetivo de reduzir a taxa de mortalidade infantil para menos de 10. A ideia era oferecer assistência completa à gestante durante toda a gravidez, oferecendo cuidados no período pré-natal, parto, pós-parto e acompanhamento do bebê até os 24 meses de vida (as diretrizes do Rede Cegonha). Para atingir a meta de reduzir a taxa de mortalidade infantil para 9% até 2017, o programa proporcionou atenção mais específica nos exames pré-natais e, com isso, conseguiu reduzir o índice para 11,5% em 2015.
Contudo, percebeu-se que apenas ampliar os serviços de saúde não seria suficiente para alcançar a meta de redução da mortalidade infantil. Era necessário criar uma abordagem mais holística e integrada, que envolvesse não apenas o aspecto clínico, mas também educacional e de apoio emocional às gestantes e mães.
Assim, o projeto Escola das Mães foi concebido como uma extensão do programa Mãe Santista, oferecendo tanto atendimento médico quanto um espaço para educação, capacitação, apoio psicológico e social às gestantes e mães. A proposta era tratar não só os sintomas da mortalidade infantil até o primeiro ano do bebê, mas também abordar suas causas subjacentes, como a falta de conhecimento, apoio familiar insuficiente e desafios socioeconômicos.
“Hoje, o Mãe Santista é um programa muito mais robusto, que entrega, além de uma mortalidade infantil muito baixa, um pré-natal humanizado a uma gestante que é assistida desde o primeiro momento”, contou Trazzi.
Como o projeto foi desenvolvido?
O Escola das Mães foi um projeto implementado em 2016 pela prefeitura local, em parceria com a Comunitas, a partir de um processo de cocriação e design thinking, envolvendo diversos atores como gestores públicos, servidores da saúde, especialistas em saúde materna e usuárias do serviço.
O design thinking é uma abordagem centrada no ser humano, orientada para a resolução de problemas complexos e a criação de soluções inovadoras. Essa metodologia envolve etapas como a exploração, pesquisa, cocriação e implementação de ideias, com foco na empatia com os usuários, geração de insights, prototipagem e testes iterativos para garantir a eficácia das soluções desenvolvidas.
Além da prefeitura de Santos e da Comunitas, diversas entidades trabalharam em colaboração para o desenvolvimento do projeto, como a organização especializada em desenho de políticas públicas baseadas em design thinking, Agência Tellus, a Secretaria de Saúde, profissionais de saúde das Policlínicas, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Instituto da Mulher e Gestante, e a sociedade civil representada pelo Comitê Municipal da Mortalidade Materna e Infantil.
Como funciona o Escola das Mães?
O Escola das Mães é um espaço dedicado ao cuidado com a gestação e a maternidade, localizado dentro de diversas unidades de saúde do município. Equipada com lousas, projetores, materiais educativos e recursos para cursos variados, a sala também conta com bonecas, modelos e itens para o cuidado com bebês. Além disso, oferece tapetes e bolas medicinais para a prática de exercícios físicos específicos para gestantes.
Todas as salas oferecem uma programação de cursos para gestantes e familiares, abordando temas como maternidade, sexualidade, métodos contraceptivos, amamentação, planejamento familiar, plano de parto, bem-estar, trabalho e lazer, entre outros. Muitos desses temas são desenvolvidos com base nas demandas trazidas pelas próprias usuárias do serviço.
A Escola das Mães também oferece acolhimento para mulheres grávidas que necessitam de apoio psicológico e assistência social. Todas as unidades de atenção primária oferecem acompanhamento pré-natal completo, mas as Policlínicas com a Escola de Mães se destacam por oferecerem uma ampla gama de recursos educativos e em grupo, além de diversos materiais de estudos disponíveis.
Principais resultados
A partir das estratégias implementadas de forma conjunta na cidade, Santos conseguiu reduzir a mortalidade materno-infantil para uma taxa abaixo da média estadual e nacional (de 13,7% em 2014 para 6,3% em 2023), beneficiando mais de 14 mil mulheres ao longo de uma década. As usuárias da rede são informadas sobre o Escola das Mães tanto por recomendação da equipe de atendimento, no momento da identificação da gestação, ou por meios de comunicação oficial da prefeitura.
O projeto Escola das Mães unificou as práticas da Prefeitura de Santos voltadas para a saúde da mulher, recém-nascidos e saúde reprodutiva, com o objetivo de melhorar a aprendizagem por meio de vivências práticas e fortalecer uma rede de especialistas engajados em criar atividades que envolvam não só a mulher, mas toda sua rede de apoio.
A implementação da Escola das Mães ampliou significativamente o acesso ao pré-natal para as mulheres grávidas da cidade, oferecendo acompanhamento e formação abrangente em diversos temas. Devido ao sucesso da iniciativa, a prefeitura replicou o projeto para todas as unidades da rede de saúde santista a partir de 2017.
Além disso, as salas da Escola das Mães também se tornaram espaços versáteis, utilizados para diversas atividades além do pré-natal, como grupos de terapia e encontros para a terceira idade.
Reconhecimento
Por se tratar de um projeto inovador, o Escola das Mães foi o grande vencedor da premiação internacional Core77 Design Awards – um dos principais prêmios de design de produtos e serviços no mundo. Em 2017, a iniciativa, única brasileira na competição, venceu duas premiações: na categoria “Design pelo Impacto Social” e no “Voto Popular”, concorrendo com outros 13 projetos.
Além disso, o projeto Escola das Mães foi destaque no programa Profissão Repórter, da Rede Globo. Confira!
Como outros territórios podem replicar?
Inovação muitas vezes é entendida como alguma ação que envolve tecnologia ou ações disruptivas. No entanto, muitas vezes, inovação também pode ser uma ação que modifica o processo de um serviço, deixando-o mais efetivo.
Nesse sentido, para replicar o Escola das Mães, é “necessário um baixo investimento e a compra de uma ou duas centenas de itens”, explica Germano Guimarães, fundador da Agência Tellus, conforme descrito na cartilha indicada logo abaixo. No que diz respeito à mensuração do sucesso da intervenção, um elemento que se destaca em relação a Santos é a existência de um indicador específico com o qual trabalhar: a mortalidade infantil.
Assim, ao se pensar em inovação e melhoria de um serviço que envolva engajamento cidadão, a objetividade na mensuração é algo importante. Antes do lançamento de uma ação que envolva a população, vale ter em mente qual indicador se deseja mudar. E, ao estabelecer o indicador, é preciso definir a ação, de forma que a mesma seja viável e possua legitimidade com os cidadãos.
A Comunitas traz o passo a passo da criação do Escola de Mães na cartilha “EngajamentoCidadão & Inovação em Saúde: os casos de Campinas, Santos e Pelotas” para inspirar gestores públicos de todo o Brasil a replicarem a iniciativa em seus territórios.
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