Em meio a uma eleição de candidatos mal preparados, um grupo de prefeitos foi à Universidade Colúmbia, em Nova York, estudar gestão pública
A disputa à Presidência da República em 2018 tem dado motivos para o desânimo com a falta de preparo das lideranças políticas brasileiras. Mas, fora do circo eleitoral, há sinais de gente disposta a estudar e se preparar para ajudar a tornar o Estado mais eficiente. Exemplo disso foi a viagem de uma comitiva de prefeitos, servidores públicos e empresários que, em julho, passou por um curso de gestão pública na Universidade Colúmbia, em Nova York.
Patrocinado pela ONG paulistana Comunitas, que em 2012 criou o programa Juntos, dedicado a montar projetos inovadores em prefeituras, o grupo foi formado por prefeitos de cidades como Campinas, no interior paulista, e Teresina, capital do Piauí. Estavam também na turma nomes da elite empresarial brasileira, como Elie Horn, fundador da construtora Cyrela, e Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo de shopping centers Iguatemi. Na condição de mentores do Juntos, eles foram abrir a cabeça para problemas incomuns ao dia a dia de seus negócios.
Em cinco dias de aulas, acompanhadas por EXAME, a turma trocou experiências com altos funcionários públicos de metrópoles americanas sobre como resolver desafios urbanos como criminalidade e mau uso de espaços públicos. Focado em estudos de caso, o curso lembrou um treinamento de executivos do setor privado. Numa aula, os alunos viram como a prefeitura de Memphis, uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos, está reduzindo a criminalidade ao ensinar a jovens negros de famílias carentes os fundamentos da música soul criada lá nos anos 60.
Ainda no quesito segurança, uma demanda dos prefeitos brasileiros diante do tamanho do problema em suas cidades, o grupo visitou o Compstat, banco de dados da polícia de Nova York cujo mapeamento das áreas barras-pesadas foi essencial para direcionar esforços policiais — e reduzir o crime a taxas mínimas históricas.
Em outra sessão, os prefeitos saíram pelo campus da universidade, bloquinho e caneta à mão, para anotar a movimentação de pedestres. O motivo? Analisar obstáculos aos transeuntes, como a aglomeração na portaria e a falta de sombra no pátio central da universidade — um suplício no calorão do verão nova-iorquino — para, depois, ver como algumas cidades facilitam a vida de quem anda a pé. Para além dos exercícios que mais pareciam um passeio na metrópole, os alunos conheceram a lógica por trás da Central Park Conservancy, ONG que administra o parque mais famoso do mundo. Desde os anos 80, a ONG já captou mais de 800 milhões de dólares de doadores privados para o Central Park e outros parques locais — hoje ela paga o salário de jardineiros e vigilantes desses espaços públicos.
Na agenda, deu tempo ainda de a turma ver como autoridades americanas lidam com denúncias de corrupção estatal — uma das aulas mais concorridas com a relevância do tema no Brasil da Lava-Jato. Na aula da promotora federal Rose Hearn, uma espécie de “xerife anticorrupção” durante o mandato do bilionário Michael Bloomberg na prefeitura de Nova York, de 2002 a 2013, a turma aprendeu como canais de denúncia contra servidores corruptos desbarataram esquemas fraudulentos e economizaram 500 milhões de dólares aos cofres públicos.
Mesmos problemas recentes na vida dos políticos ali presentes, como o uso inteligente das redes sociais, receberam atenção. Os brasileiros viram, por exemplo, que uma linguagem informal eleva a chance de conquistar seguidores. Em meio às sessões, era comum debates entre colegas — Jereissati Filho e Rodrigo Neves, prefeito de Niterói, estavam entre os alunos mais participativos. Outros, como Paula Mascarenhas, prefeita de Pelotas, no interior gaúcho, anotavam páginas e mais páginas de referências.
Se o curso em Nova York fosse uma política pública, seria possível dizer que a iniciativa já trouxe resultados para o cidadão — e a um custo-benefício invejável em meio à gastança típica da máquina pública. A semana de aulas custou 5.500 dólares por estudante, arcados pela Comunitas com recursos de doadores privados. Passagens e hospedagens saíram do bolso dos alunos. Para alguns deles, o investimento serviu para ver novas formas de tocar a máquina pública. Ou, no jargão da iniciativa privada, “pensar fora da caixa”.
Para Firmino Filho, prefeito de Teresina, as andanças por Colúmbia ajudaram a olhar as ruas para além dos carros. O resultado: uma ideia antiga de instalar lombadas eletrônicas em avenidas movimentadas de Teresina agora deverá incluir outras medidas pró–pedestres, como calçadas mais largas. Jonas Donizette, prefeito de Campinas, ficou interessado em adotar a gestão do Central Park no Parque do Taquaral, o principal da cidade de 1,1 milhão de habitantes, gerido pela prefeitura. “Mas o projeto teria de ser adaptado à realidade brasileira, em que as parcerias público-privadas ainda sofrem resistências”, diz Donizette.
No combate à corrupção, a conclusão era de que há semelhanças entre as realidades brasileira e a americana, mas os controles por aqui podem melhorar. “Hoje, investigações da prefeitura usam funcionários deslocados de várias secretarias”, diz Raquel Lyra, prefeita de Caruaru, no agreste pernambucano. “Quero montar um departamento só para isso.” Já Miguel Coelho, mandatário de Petrolina, no sertão de Pernambuco, e o mais novo da turma, com 27 anos, viu que a estratégia de mídias sociais que adota segue o recomendado no curso: “Costumo usar gifs [imagens animadas em repetição] para captar a atenção de quem me acompanha no Instagram”.
Aos olhos do mundo corporativo, muitas ideias discutidas podem parecer óbvias, mas a formação em gestão pública aos moldes do curso em Colúmbia é uma novidade. “A exemplo de um CEO, um prefeito é cobrado a tomar decisões de maneira eficiente”, diz Regina Esteves, presidente da Comunitas. “Mas, ao contrário de um executivo privado, o gestor público não tem muitas opções a recorrer numa hora de pressão.”
A inspiração para o curso em Nova York, formato inédito no Brasil, veio de um treinamento semelhante oferecido pela Universidade Harvard, em Boston. Com 32 milhões de dólares da Bloomberg Philanthropies, o braço de filantropia do ex-prefeito de Nova York, o programa em Harvard tem imersões de prefeitos durante três dias de aulas e é repetido ao longo de um ano. Aberto em 2017, o curso já recebeu 40 prefeitos, boa parte deles de grandes cidades americanas como Filadélfia, Baltimore e Phoenix, que aprenderam com quem comandou a máquina pública, como o próprio Bloomberg, a resolver os enroscos do Leviatã.
É um desafio e tanto montar cursos assim. A começar pela agenda atribulada de alunos e professores, todos normalmente imersos na montanha de problemas de um serviço público. Em seguida, pela escassez de dados. Ao contrário da formação da alta gestão na iniciativa privada, cujo campo teórico cresceu no início do século 20 com livros como os do guru austríaco Peter Drucker, e hoje é um mercado que movimenta por ano 15 bilhões de dólares só nos Estados Unidos, a formação continuada para a elite do serviço público ainda engatinha.
Em países como França e Brasil, a tarefa fica a cargo de instituições públicas disputadas, como a Escola Nacional de Administração Pública, cujos cursos em geral são reservados aos servidores da União. “Há demanda para democratizar essa formação”, diz o economista Thomas Trebat, diretor do Centro Global de Colúmbia no Rio de Janeiro, que montou o curso junto com a Comunitas.
Apesar dos desafios, há sinais de que o treinamento em gestão pública é uma tendência que veio para ficar no Brasil. Há mais cursos superiores e interesse em estudar o tema. Em 1995, eram só 13 opções e 1.000 estudantes. Em 2016, eram 230 turmas, com 58.000 alunos, de acordo com a Pró Pública, associação de bacharéis de gestão pública. O Brasil ainda forma menos profissionais na área que os Estados Unidos: a média lá é de um aluno entre 55 bacharéis; aqui, a relação é de um em 83. “Mas, dada a insatisfação de jovens com o Estado brasileiro, o interesse na formação deve crescer”, diz o gestor público Felipe Drumond, presidente da Pró Pública.
Propostas dos presidenciáveis
Há mais demanda até mesmo de treinamento em cargos de baixa e média gerência no serviço público. No Centro de Lideranças Públicas (CLP), organização civil que nasceu há dez anos com a proposta de formar líderes para o Estado, uma pós–graduação nessa linha já atraiu quase 1.000 inscritos desde 2014. A alta procura por conteúdos de gestão da máquina pública, como a seleção de cargos comissionados ou a prestação de contas a órgãos de controle, motivou o CLP a criar, há dois anos, cursos de dois dias em sua sede, em São Paulo, voltados a prefeitos em início de mandato, além de módulos à distância abertos a servidores de todos os níveis. “Já treinamos mais de 2 300 alunos, dos quais 209 são prefeitos e vices” diz o economista Fabio Ono, diretor do CLP.
Mesmo os candidatos à Presidência em 2018 estão mais cientes da necessidade de formar bons servidores do que concorrentes de eleições passadas. Nos planos de governo entregues ao Tribunal Superior Eleitoral há 68 propostas que, direta ou indiretamente, promovem a formação de quadros públicos. É o dobro do que havia em 2014, de acordo com a Pró Pública. Dos 13 candidatos, só João Goulart Filho (PPL), Vera Lúcia (PSTU) e José Maria Eymael (DC) não têm propostas no TSE. Trata-se de um sinal de que, por trás das maluquices até agora vistas nesta campanha, há motivos para não perder a esperança de vez com as lideranças políticas no Brasil.
Postado originalmente na Revista Exame.
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