por Marcelo Nonohay*
Estamos comemorando mais um Dia Internacional do Voluntariado. A data é celebrada no dia 5 de dezembro e é o momento de reconhecer e fortalecer o engajamento daqueles que dedicam seu tempo e talento por causas comunitárias.
Além de um dia de reconhecimento, o dia de hoje pode servir também para refletirmos sobre a importância do trabalho voluntário em nosso país, e em como sociedade, governo e empresas devem se articular nessa tarefa.
Ranking Global da Solidariedade
A pesquisa World Giving Index, realizada internacionalmente pela Charities Aid Foundation e conhecida como o ranking global da solidariedade, avalia o nível de solidariedade de 146 países. No ano passado, foram entrevistadas 150 mil pessoas e o Brasil teve seu pior desempenho registrado. O país saiu da posição de número 75 e foi para o 122º lugar no ranking.
O estudo registra quantas pessoas, no mês anterior à consulta, doaram dinheiro para uma organização da sociedade civil, ajudaram um estranho ou fizeram trabalho voluntário.
O Brasil teve queda não somente nas pessoas que doam dinheiro (14% doaram dinheiro, contra 21% no ano anterior), mas também na ajuda a desconhecidos (43% ajudaram um desconhecido, contra 56% da pesquisa anterior).
O trabalho voluntário também apresentou queda: no ranking de 2018, só 13% declararam ter feito algum tipo de trabalho voluntário no mês anterior à pesquisa, contra 20% no ano anterior.
Crise econômica e voluntariado
Algumas pessoas poderiam argumentar que o engajamento de voluntários no Brasil seria prejudicado pelo quadro de crise econômica e desalento da população em relação aos índices de desemprego e violência, por exemplo.
Mas o que explicaria as posições de destaque no percentual de voluntários da Libéria, Serra Leoa e Tajiquistão?
A explicação é que o índice de engajamento de voluntários em um país não tem forte relação com seu desenvolvimento econômico ou social. Outros fatores são mais determinantes para a disseminação de uma cultura de voluntariado.
Enquanto os volumes de doação para caridade possam ser afetados por crise econômicas, a dedicação de tempo e talento está ao alcance de todos. O voluntariado mostra-se uma alternativa em nível individual e coletivo para que os cidadãos atuem para amenizar os efeitos negativos de um cenário de crise.
O Brasil passa por uma crise econômica sem precedentes. Isso contribuiu para a regressão de muitos indicadores sociais. Ainda que as pessoas tenham muito menos recursos financeiros disponíveis para ajudar com dinheiro a organizações e causas, todos podem lançar mão de uma parcela pequena do seu tempo para fazer o bem.
Do ponto de vista do engajamento social de cada cidadão, o trabalho voluntário deveria ser visto como aquilo que alguns economistas chamam de medida anticíclica. Em tempos de crise econômica e piora nos indicadores sociais, mais pessoas deveriam dedicar ainda mais tempo para o trabalho voluntário.
Atuando como voluntário, cada um pode dar a sua contribuição para amenizar a situação de parcelas da população que se encontram em situação de vulnerabilidade social, reduzir desigualdades, promover a diversidade e atuar no desenvolvimento local. As possibilidades de atuação são quase infinitas.
Responsabilidade de um, responsabilidade de todos
Sabemos que a maioria dos brasileiros ainda pensa que o principal responsável por resolver os problemas sociais e ambientais é o governo. Parece que muita gente prefere esperar por uma solução do que tomar a frente e fazer a sua parte.
Essa visão é muito clara na relação de muitas pessoas com aquilo que é público. Tome como exemplo a conservação de uma praça. A visão do público como sendo “de ninguém” faz com que muita gente não atue para conservá-la. O certo seria pensar que o público “é de todos” e, por isso mesmo, todos deveriam cuidar.
Esse tipo de mudança de paradigma deveria ser aplicado aos problemas sociais. Enquanto a maioria da população não entender que esses problemas são compartilhados por todos, afetam a todos e que todos deveriam fazer a sua parte para reduzi-los, nada farão para reverter essa situação.
O trabalho voluntário tem enorme potencial de transformação social. Vivemos em um dos países mais desiguais do planeta. O que impede o engajamento de mais pessoas, então? Na maioria das pesquisas sobre voluntariado, as principais razões são a falta de tempo e a falta de informação ou confiança sobre que causas ou organizações apoiar.
Se queremos ter um país melhor no futuro, precisamos de iniciativas que ajudem a aumentar a confiança nas organizações do terceiro setor, tornem os programas de voluntariado mais acessíveis e valorizem as boas iniciativas.
Como os diversos setores podem contribuir ?
As organizações sociais devem continuar seu esforço de profissionalização e transparência. Com isso, conseguirão fortalecer sua imagem e reforçarão a percepção do relevante papel que desempenham. Além disso, poderão criar programas de voluntariado que possam colher o máximo da contribuição que as pessoas podem dar.
As empresas devem seguir expandindo o seu investimento social, de forma a dar mais sustentabilidade a causas e organizações, assim como estimular e facilitar o trabalho voluntário por meio de programas corporativos bem estruturados.
O Governo Federal tem um papel extremamente importante para estimular o desenvolvimento de uma cultura de voluntariado no Brasil. Em primeiro lugar, muitos espaços e empresas públicas têm grande potencial de realização de trabalhos voluntários. Além disso, o Governo, pela própria visibilidade, tem o grande poder de convocar mais pessoas em prol de melhorias sociais.
O Governo também tem uma relação forte com o terceiro setor, por meio, por exemplo, das leis de incentivo. Tudo isso pode ser explorado pelo poder público para utilizar melhor o capital humano.
Também é muito importante que o Governo entenda que não é papel dele operacionalizar o trabalho voluntário, isso já é feito pelas organizações da sociedade civil. Ele deve dar o direcionamento para a sociedade civil saber quais os grandes gargalos no país, o que precisa de melhoria. Em resumo, seu papel deve ser o de apontar a direção e não fazer.
Cabe a ele estimular, mobilizar, apontar o caminho para desenvolver uma maior cultura de voluntariado. Ele deve ser o primeiro interessado em ter pessoas trabalhando como voluntários, já que o país só tem a ganhar com isso.
*Marcelo Nonohay, diretor da MGN, empresa especializada em projetos de transformação social, com atuação nas áreas de Voluntariado Empresarial, Diversidade e Educação
Postado originalmente no jornal Estado de São Paulo.
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