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Entrevista: Fernando Schuler discute como as contratualizações podem favorecer a agenda ambiental no Brasil

Em entrevista para a Comunitas, o cientista político avalia as perspectivas futuras das parcerias público-privadas na área ambiental e aponta desafios e soluções para a implementação bem sucedida dessas iniciativas

Crédito da Imagem: Wikipedia

A temática da contratualização é bastante ampla. No Brasil, existem basicamente quatro legislações: Lei das Concessões, Lei das PPPs, Lei das Organizações Sociais e a Lei 3.019, mais popularmente conhecida como MROSC, que formam a base de um movimento conhecido como “contracting out” (contratando por fora, em tradução livre).

A principal vantagem da contratualização é ser mais dinâmica na ponta, visto que não se tem a burocracia característica do Estado – que muitas pessoas consideram como um grande problema, mas é apenas uma questão de especialização. “O setor privado faz melhor algumas coisas, enquanto o setor público é melhor em outras”, explica o cientista político e pesquisador líder do Mapa da Contratualização, Fernando Schuler, em entrevista para a Comunitas.

Na conversa, o especialista destaca como os processos de contratualização podem contribuir para o avanço da pauta ambiental e do enfrentamento às mudanças climáticas no país, bem como as perspectivas futuras e os desafios para a formalização de parcerias público-privadas de impacto social na área de sustentabilidade.

Confira a seguir!

1 – Quais são as principais oportunidades que o Brasil pode explorar na área de sustentabilidade por meio das contratualizações?

Tudo o que diz respeito à infraestrutura de saneamento básico, como gestão de resíduos sólidos, gestão das águas e saneamento terá impacto ambiental em processos de contratualização. Outros tipos de processos de contratualização que também impactam o meio ambiente são a gestão urbana, como parques ambientais e praças, e a geração de energias renováveis. Na gestão de resíduos sólidos, a fronteira óbvia do momento é produzir biogás.

Avançando um pouco mais no assunto, políticas de combate à pobreza, onde se tem realmente um problema de impacto em termos de desenvolvimento humano. Nas periferias urbanas, as zonas de pobreza, as chamadas favelas, são áreas desestruturadas dentro das grandes cidades brasileiras. Algumas com maior, outras com menor visibilidade, que não têm tratamento de esgoto, acesso à água ou ao recolhimento de lixo regularmente e etc. Todas essas ‘patologias’ da extrema pobreza no Brasil, dessas áreas de favelização, podem ter uma via de solução por meio da contratualização. 

2 – De que forma a agenda de contratualização pode contribuir para o enfrentamento de eventos climáticos extremos em comparação com abordagens exclusivamente governamentais? 

A partir do Marco do Saneamento Básico, os governos de todos os estados serão obrigados a realizar processos competitivos – e, portanto, a abrir o mercado de saneamento ao setor privado. São metas bastante agressivas, que exigem investimento privado. Nós tivemos agora, recentemente, a primeira privatização nessa área, que aconteceu na Corsan (RS). Quem ganhou a licitação foi o Grupo Aegea, uma empresa brasileira de saneamento que também comanda a companhia Águas do Rio, que foi o processo de concessão do Cedae (RJ).

Embora as legislações sejam diferentes, o sentido de contracting out é o mesmo. Empresas têm multiplicado em várias vezes o investimento e realizado ações que o setor estatal não conseguia fazer há muito tempo. 

Por exemplo, no Rio de Janeiro, a concessionária foi responsável pela recuperação da balneabilidade da Praia do Flamengo e da Praia do Botafogo, além da recuperação ambiental da Lagoa Rodrigo de Freitas. Também foi feita a desobstrução de dutos, a retomada do escoamento do esgoto produzido em várias partes da cidade do Rio de Janeiro, fazendo o direcionamento desses resíduos para tratamento e evitando que esse lixo fosse parar diretamente no mar. Então, obviamente, você tem um impacto ambiental enorme. 

Nós mesmos entrevistamos os técnicos da Aegea, perguntando como foi possível que tudo isso acontecesse em questão de um pouco mais de um ano de trabalho. Simplesmente por conta do volume do investimento, melhora da gestão, metas bem definidas e a especialização da empresa concessionária. 

3 – Como você avalia as perspectivas para o futuro das parcerias público-privadas na área de sustentabilidade ambiental no Brasil? 

Acredito que o momento é de se pensar nas energias renováveis, como é o caso do biogás. Na minha visão, as cidades inteligentes, estados que estão realmente preocupados com isso, deveriam pensar em processos de concessão mais abrangentes, determinando que a empresa ganhadora da ação não só fará a gestão do recolhimento e processamento dos resíduos, mas fazendo a conversão para centros de produção de energia renovável. 

Isso já é feito em diferentes locais do Brasil, em uma escala ainda artesanal, por assim dizer. Mas isso pode ser feito em uma escala muito maior, com mais investimentos e contratos de mais longo prazo. E a gestão de resíduos sólidos foi incluída no Marco do Saneamento Básico. O país já avançou muito, mas ainda há muito por fazer. O Brasil ainda tem cerca de 75 milhões de pessoas sem acesso a saneamento básico. Esse é o tamanho do mercado que está posto. Há um caminho enorme pela frente nessas áreas. 

4 – Quais são os principais desafios enfrentados na implementação de contratualizações na área de energia e meio ambiente no Brasil e como podemos superá-los?

Ainda falando da gestão dos resíduos sólidos, o processo de contratualização deste setor tem avançado de forma muito lenta. Isso se deve ao fato de ser uma área ainda menos profissionalizada, pois há muitos interesses de natureza política na gestão desses lixões, controlados em grande medida pelo sistema político.

O que caracteriza a contratualização é a profissionalização da prestação de um serviço. Os contratos são de longo prazo, então a influência política acaba sendo bastante reduzida. Quando o processo é bem feito, você tem uma gestão privada, e não uma gestão política. O resultado tende a ser maior, enquanto que o controle político diminui muito. Portanto, o incentivo político para que isso seja feito é de mais longo do que de curto prazo. 

Há muita resistência localizada para que um processo como esse avance. Além do que, há muito desconhecimento e complexidade técnica para se fazer um processo de contratualização. 

Eu diria que existe uma curva de aprendizagem – que é um pouco do que a Comunitas faz. Daí a importância de um projeto como o Mapa da Contratualização – e da própria Rede Juntos – que é um trabalho educativo, um trabalho de formação. Comunicar bem os instrumentos jurídicos, os exemplos que vêm sendo desenvolvidos no país, mapear quais são as boas experiências, produzir cases, seminários e workshops que vêm sendo feitos. 

A lei não só precisa ser estudada e entendida, como o sistema político precisa incorporar essa legislação. 

5 – Você poderia citar exemplos bem sucedidos de contratualizações na área de sustentabilidade no Brasil e no mundo? 

Os modelos de contratualização não surgiram do ‘nada’, eles surgiram da realidade prática e de um aprendizado que não é só brasileiro, mas de um movimento de décadas do mundo inteiro, e o Brasil vem se tornando um modelo internacional, na verdade. Por vários governos, em várias instâncias. 

Na área de gestão de parques, por exemplo, o caso do Ibirapuera (SP) vem se tornando um benchmarking, que foi expandido para o Villa Lobos (SP). E, nesses casos, o que se tem é a concessão de uma área de grande atratividade, a exemplo do Ibirapuera, mas a empresa que ganhou o processo de concessão tem responsabilidade de gerenciar outros cinco parques com menos poder de atração, permitindo que haja a distribuição de recursos de áreas com mais visibilidade para áreas com menos visibilidade. E isso vai ter um impacto enorme, não só ambiental, mas no lazer, turismo, economia e assim por diante. 

Com relação aos parques naturais, posso citar a contratualização do Parque das Cataratas do Iguaçu (na fronteira entre o Brasil e a Argentina), que foi renovada recentemente, foi realizada em 1998 e é um exemplo, um modelo de gestão. Nós também temos o Instituto Chico Mendes, que faz a gestão dos parques nacionais do país – e são mais de 300 áreas de reserva natural. Também posso citar a concessão da Floresta da Tijuca (RJ) e Fernando de Noronha (PE). O Brasil já tem uma experiência relativamente longa, que gera recursos para o Instituto Chico Mendes, e o governo deixa de depender totalmente do orçamento. 

Eu mencionei anteriormente a questão do enfrentamento à pobreza no Brasil. Nós temos uma experiência muito bem sucedida em São Paulo, que é a PPP de Habitação Popular (Casa Paulista), realizada em uma região depreciada no centro da cidade. A prefeitura contrata o setor privado para fazer a gestão da carteira de moradias de interesse social. 

De novo, após investimento, agilidade na gestão e etc, houve não só a conversão da construção da habitação popular, mas a reconversão de espaços urbanos muito mais ampla. Isso vai proporcionar para essas pessoas acesso a diversos tipos de serviço, como saúde, transporte público, comércio e criação de espaços de lazer. É quase como se fosse um replanejamento urbano, a conversão de áreas favelizadas em bairros estruturados, com acesso à saneamento, distribuição de água, segurança, iluminação e etc.

Quer saber mais sobre contratualização? Não deixe de acompanhar o site criado pela Comunitas especialmente para a temática, o Mapa da Contratualização!

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