loading

Formar a criança inteira e os caminhos para diminuir o sofrimento escolar

por Claudia Costin*

Há vários relatos na literatura sobre sofrimento em escolas. Não me refiro aqui às dores associadas ao processo de aprender, e sim às que resultam da interação social.

Scholastique Mukasonga descreve em seu livro autobiográfico, “As baratas”, várias cenas em que tutsis eram discriminados no ambiente escolar, em Ruanda, tanto pela administração do sistema como por colegas, numa violência cotidiana quase normalizada. Ariel Dorfman, num livro também autobiográfico, “Uma vida em trânsito”, conta sobre um professor que o humilhou em sala, pois ele, imigrante recente no Chile, ainda não falava bem espanhol.

As situações de sofrimento podem gerar duas respostas: a que ambos escritores adotaram, a de se empenharem mais ainda nos estudos, ou a de desistência de um caminho por demais pedregoso. Esse segundo, infelizmente, é o mais frequente e pode envolver desde insucesso escolar, passando por abandono da escola, no que a pesquisadora americana Linda Darling-Hammond chamou de o conduto escola-prisão, até o suicídio.

Muito se tem escrito sobre bullying e as consequências nefastas dessa prática, que envolve ridicularizar e agredir sistematicamente um colega percebido como diferente, seja por ele ter aparência ou costumes distintos dos valorizados pelo grupo social, seja por apresentar uma fragilidade percebida pelos outros. As escolas procuram adotar programas de combate a essa prática, nem sempre com sucesso.

A questão é que escola não é apenas lugar de ensinar matérias, é um espaço que deveria formar a criança inteira, desenvolvendo tanto competências cognitivas quanto socioemocionais. Ensinar autoconhecimento e controle, importantes para o desenvolvimento de autonomia, mas também educar para a empatia, o respeito ao outro, percebido como portador de sentimentos e projetos, mesmo que diferentes dos seus.

Para que a escola possa fazer isso bem, o importante não é ter aulas de competências socioemocionais, e sim desenvolver essas competências nos próprios professores, para que possam incorporá-las em suas aulas, como prática cotidiana.

Um exemplo disso pude ver numa escola que alfabetizou todos os alunos no primeiro ano, numa das áreas conflagradas do Rio. Ao perguntar à professora como fazia, ela respondeu-me: coloco-os em círculo a cada início de aula e cada um fala como se sente, que frustrações teve no dia anterior, depois nos damos as mãos, calamos durante dois minutos para que os problemas possam ir embora e então estamos todos prontos para aprender”. Ela não falou, nem precisava, mas com essa iniciativa criou também um clima de paz entre os alunos.

 

*Parceira da Comunitas na frente de Educação na cidade de Pelotas (RS), Claudia Costin é professora da FGV e professora-visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Bird, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.

 

Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo.

Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *