Crédito da imagem: site Tempo de Política
Mais de 33 milhões. Esse é o número de pessoas no Brasil que se encontram em situação de vulnerabilidade alimentar, de acordo com a Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar). O dado é chocante, ainda mais se for levado em consideração que, em apenas um ano, são 14 milhões de novos famintos no país, mesma nação que tinha saído do mapa da fome em 2014.
Mais da metade da população do país —125,2 milhões de pessoas — vive com algum grau de insegurança alimentar, sendo que mais de 15% se encontra em estágio de vulnerabilidade alimentar grave, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), que analisa dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e Distrito Federal.
Afora a pandemia, existem inúmeros motivos pelos quais a crise alimentar vem assombrando não só o Brasil, como o mundo. A combinação entre problemas nas cadeias globais de produção, que ainda se refletem no pós-covid, eventos climáticos extremos, que comprometem a produção agrícola, e a guerra na Ucrânia vêm ampliando os efeitos da escalada da inflação em todos os países. No Brasil, porém, existem outros fatores que agravam a situação ainda mais, como a diminuição de renda e do poder de compra da população, bem como o aumento do número de desempregados, que hoje corresponde a quase 12 milhões de pessoas.
Diante de todo esse cenário, a Comunitas pensou em três métodos pelos quais o setor empresarial pode contribuir para a transformação do Brasil de forma a mitigar os efeitos negativos das desigualdades sociais, principalmente no que se refere à fome:
#1 – Apoio às políticas públicas
De acordo com o Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC) 2021, que analisa os dados referentes a 2020, novas iniciativas foram desenvolvidas em áreas que não são, historicamente, prioridade ao investimento social corporativo (ISCs). Dentre esses setores, podemos destacar a saúde, em que 92% da Rede BISC declarou ter direcionado aportes financeiros, a alimentação e nutrição, para os quais 58% das empresas destinaram recursos, e a comunicação (75%).
A emergência sanitária evidenciou de forma mais escancarada as mazelas sociais com as quais o Brasil ainda convive. Nesse sentido, há a necessidade de se construir pontes entre os setores da sociedade – público, privado e sociedade civil organizada, que se mostraram (e continuam se mostrando) fundamentais para apoiar a população mais vulnerável.
O desafio de vencer a fome passa também, e necessariamente, pela redução da pobreza e a constituição de políticas públicas de erradicação da pobreza e da miséria, que vêm sofrendo um retrocesso histórico, de acordo com a pesquisa da Rede PENSSAN. Portanto, é necessário valorizar as construções, projetos e metodologias do governo, apoiando no fortalecimento dessas políticas, para que haja um maior impacto social.
Para exemplificar, nos meses mais severos de lockdown, em que as escolas ficaram fechadas, diversas famílias foram impactadas não apenas com a mudança da metodologia de ensino, que passou a ser à distância, mas com o fim temporário da merenda escolar – fonte principal de alimentação para crianças em situação de vulnerabilidade social.
Para garantir a alimentação dessas crianças, o governo de São Paulo, com o apoio da Comunitas, criou o programa Merenda em Casa, projeto de transferência direta de renda que beneficiou cerca de 920 mil famílias em todo o Estado. O programa foi financiado com recursos oriundos da alimentação escolar e contribuições do setor privado, sendo direcionado a famílias com renda mensal de até R$ 178,00 por pessoa cadastradas no CadÚnico, bem como famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família com alunos na rede estadual de São Paulo. A iniciativa foi tão inovadora que foi replicada em outros estados e municípios, como Minas Gerais e Santos.
#2 – Fomento às Organizações da Sociedade Civil (OSCs)
De acordo com o BISC 2021, a relação com organizações sociais mudou e ganhou espaço junto à agenda social corporativa. E isso também se manifesta no número de organizações privadas sem fins lucrativos que foram envolvidas pelas empresas e institutos/ fundações empresariais na realização de seus investimentos sociais – 2.056 organizações, número 3 vezes superior ao visto em 2019.
Do total de investimentos sociais de 2020, 38% foram repassados diretamente às organizações sem fins lucrativos – cerca de R$ 1,9 bilhão – valor inédito na série histórica da pesquisa BISC. Os valores de repasse têm, ao longo dos últimos anos, mudado de perfil. Valores de até R$ 40 mil vinham ganhando espaço junto à Rede BISC, apresentando crescimento contínuo e, em 2019, congregavam mais da metade dos recursos repassados.
Contudo, em 2020, há uma mudança considerável no perfil e valores intermediários – de R$ 40 mil a R$ 140 mil – ganham espaço, aumentando 20 p.p. em 2020 com relação a 2019. De maneira correlata, também ganha espaço valores altos (mais de R$ 140 mil), que apresentaram crescimento de 11 p.p. no último ano, se comparado, também, a 2019.
Um exemplo disso é a Fundação Gargill, que já apoiou mais de 60 organizações em 52 cidades desde que lançou seu programa de Edital, em 2014. Os investimentos totais, desde o lançamento do programa até o momento, giram na ordem de R$ 10 milhões, beneficiando mais de 170 mil pessoas.
O objetivo é estimular iniciativas inovadoras em toda cadeia de alimentação, combater o desperdício de alimentos, fortalecer as comunidades e o empreendedorismo. Em 2021, foram selecionadas 14 OSCs, que receberam entre R$ 50 mil e R$ 200 mil, além de atender a mais de 46 mil pessoas.
#3 – Criação de projetos próprios
Em 2020, sob influência da pandemia, houve um aumento significativo do investimento direto do setor corporativo em projetos próprios sendo executados por terceiros. Já por parte dos institutos/fundações, embora essas organizações normalmente executem seus projetos, também houve o crescimento na tendência de apoiar ações de organizações sociais.Este comportamento no período de emergência foi diferente da tendência crescente do apoio de empresas à execução de projetos desenvolvidos por organizações da sociedade civil (OSC), observado entre os anos de 2017 e 2020.
O retorno do Brasil ao Mapa da Fome exige uma atuação de todos os setores de forma mais continuada e em diversas frentes de atuação. Uma dessas iniciativas é o programa Alimento que Transforma, do Instituto BRF, uma empresa transnacional brasileira do ramo alimentício, fruto da fusão entre Sadia e Perdigão. O objetivo é combater o desperdício de alimentos como forma de enfrentar a fome.
O Instituto apoia cinco grandes projetos implementados nas principais regiões brasileiras e conta com a parceria de organizações sociais para a realização dos mesmos. Com o objetivo de abordar a educação sob diferentes perspectivas, que incluem a produção científica, incentivo à inovação, desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e ações de cultura e engajamento de públicos-chave, o programa reforça o poder que o alimento tem como ferramenta de transformação social.
Outro ponto importante a ser mencionado trata da parceria entre empresas. Em 2014, o BISC já buscava analisar essa questão. Para 53% do grupo, as parcerias tendem a ser fortalecidas quando há alinhamento dos ISCs aos interesses do próprio negócio, o que conduz ao trabalho conjunto com outras empresas do próprio setor. Outro ponto de convergência da rede foi a identificação de problemas públicos que exigem uma atuação coletiva, aparecendo com 47%, como é o caso do enfrentamento à fome.
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