Em entrevista exclusiva para a Comunitas, gestora do município gaúcho aborda a transição governamental, legado, participação popular e seus próximos passos na gestão pública
Em 2024, um novo ciclo eleitoral se inicia nos mais de 5.500 municípios do Brasil. Segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), mais de 2.200 cidades (cerca de 40%) passarão por uma mudança obrigatória de prefeitos, visto que os gestores reeleitos em 2020 não podem concorrer novamente no pleito deste ano. Entre elas, está Pelotas (RS), em que a atual gestora, Paula Mascarenhas, deverá passar o bastão em 2025.
Ao reconhecer a importância da transição governamental, Paula Mascarenhas enfatiza a necessidade de uma passagem de mandato que permita ao novo gestor compreender plenamente os desafios, projetos e conquistas da administração anterior. Para ela, essa abordagem colaborativa é essencial para manter a estabilidade e a eficácia na administração pública, assegurando uma transição harmoniosa e a continuidade do progresso da cidade.
Em entrevista exclusiva para a Comunitas, a prefeita do município gaúcho abordou a importância da transição governamental, destacando a necessidade de garantir um processo transparente para assegurar a continuidade das políticas públicas e a preservação dos serviços prestados à população. A colaboração mútua e o compartilhamento de informações durante essa etapa são cruciais para garantir uma gestão eficiente com vistas a certificar que os projetos em andamento sejam concluídos, visando sempre o bem-estar da comunidade.
Confira mais detalhes na entrevista a seguir.
1 – 2024 irá encerrar mais um ciclo de governos municipais em todo o Brasil. Quais são os maiores desafios nesse momento?
Os maiores desafios são, justamente, entregar as contas equilibradas, especialmente porque, em Pelotas, enfrentamos dificuldades políticas para realizar reformas e implementar soluções. Negociamos com a Câmara de Vereadores e obtivemos avanços significativos em diversas áreas, como a reforma da previdência, a questão do piso do magistério, um enxugamento da máquina, que se refere, sobretudo, às despesas com o pessoal, e etc. No entanto, tivemos um baque financeiro com a redução das receitas depois da alteração do ICMS, que veio da União. Isso foi bastante grave, influenciou e afetou todos os municípios brasileiros de forma muito significativa, e não foi diferente em Pelotas.
O nosso desafio neste ano é poder, apesar disso, voltar ao equilíbrio fiscal, buscar uma forma de entregarmos uma prefeitura saneada, estável e pronta para o futuro, além de, obviamente, concluir projetos e obras em andamento. São várias entregas que estão previstas para este ano, várias em parceria com o governo do Estado, outras com recursos próprios e recursos de emendas. Então esse é o segundo desafio que se coloca.
2 – Como comunicar à população os avanços e pontos que ainda precisam de melhorias ao final de uma gestão? De que forma isso fortalece a participação popular na gestão pública?
A comunicação de um governo talvez seja um dos seus maiores desafios, maiores gargalos. Em um mundo cada vez mais conectado com as redes sociais, com a influência que elas têm, com as suas virtudes e as suas mazelas, como a proliferação de ”fake news”, isso é, realmente, um calcanhar de Aquiles para os governos poderem fazer uma comunicação correta, alcançar o cidadão e poder passar a sua mensagem, comunicar o que está sendo feito. Da mesma forma, é um desafio estabelecer com esse cidadão uma via de mão dupla que o permita se aproximar do governo e trazer as suas demandas para que seja, enfim, uma relação harmoniosa, de troca, de compartilhamento, de conquistas, mas também de fiscalização, de controle do governo pela sociedade.
Isso é algo em que a gente avançou bastante em Pelotas, mas é um desafio permanente. Esse é um momento em que a velocidade da sociedade não é a mesma velocidade dos governos, por conta de toda uma legislação, de toda uma burocracia estatal, que ainda dificulta muito os processos. Então, isso é algo que se coloca como uma necessidade de construção permanente, mas salutar, para que o governo realmente cumpra o seu papel de compreender a sociedade, de sentir as suas dores, essa necessidade de empatia do governo, que é uma busca constante.
3 – Em que momento a transição governamental é iniciada? Você pode citar os principais pontos a serem levados em consideração nesta etapa?
A transição é um momento fundamental porque, especialmente no nosso caso, em que haverá uma alteração, já que estou concluindo meu segundo mandato, e nós vamos ter um novo governo estabelecido a partir de 1º de janeiro de 2025. Então, há a necessidade de fazermos uma transição muito transparente, muito completa e profunda, com o compartilhamento realmente das ações de governo, das dificuldades, dos projetos, do planejamento de médio e longo prazo.
Isso é fundamental para que a cidade não tenha uma ruptura, para que o os governos possam, por mais que sejam de oposição, ter uma continuidade de ações administrativas, porque o município segue o mesmo, a população segue a mesma, e a gente precisa ter esse compromisso republicano de fazer com que as conquistas, as ações em andamento, tenham continuidade para que a população seja a maior beneficiada no fim desse processo.
Na verdade, na conclusão de um governo, o processo em si, governamental, não tem fim. Acho que é a compreensão disso que é muito necessária para presidir as relações que vão ser estabelecidas durante a transição.
4 – A Comunitas possui um modelo de governança que aproxima lideranças públicas e privadas para a tomada de decisões compartilhadas com foco no desenvolvimento socioeconômico do país. Qual é a sua avaliação, incluindo benefícios e principais aprendizados, das ações desenvolvidas em parceria com a organização para a melhoria dos serviços públicos em Pelotas?
A relação do município de Pelotas com a Comunitas, nesses três mandatos em que nós tivemos o privilégio de fazermos parte dessa rede do Programa Juntos, foi decisiva nas transformações que conseguimos fazer ao longo desse tempo. Tanto no estabelecimento de políticas públicas que realmente mudaram a vida da cidade e a vida das pessoas, quanto na questão dos serviços públicos de saúde (Rede Bem Cuidar).
Essa parceria apoiou na aproximação desses serviços com a população, do uso de tecnologias, de ferramentas de escuta e participação popular para a construção dos serviços públicos, como a construção de um grande programa de segurança pública, que foi absolutamente transformador para a nossa sociedade, que foi o Pacto Pelotas pela Paz. O programa vem preservando vidas, especialmente vidas de jovens, e alterando o cenário de violência, reduzindo os índices de violência a níveis históricos no município.
Tudo isso permitiu que a gente aprendesse a fazer realmente política intersetorial, a trabalhar coletivamente, a engajar servidores públicos, a nos comunicar com a sociedade, a fazer um trabalho interinstitucional extremamente positivo e produtivo de resultado.
Enfim, é difícil de nós avaliarmos como teriam sido os resultados desses governos sem a participação da comunidade, sem o que o Programa Juntos viabilizou para nós em termos de consultorias técnicas, de contato com profissionais de alta qualidade que nos trouxeram, também, ferramentas para buscar o equilíbrio fiscal, para enfrentarmos os desafios que são submetidos aos municípios brasileiros e também a oportunidade de compartilharmos essas experiências com outros municípios e termos acesso a outras boas práticas que vêm sendo desenvolvidas no país.
Foi absolutamente importante, decisiva essa relação e definidora do que nós conseguimos desenvolver e termos conseguido desenvolver ao longo dos 12 anos em que governamos Pelotas, seja no governo Eduardo Leite, quanto depois no meu governo, junto com o Idemar [Barz, vice-prefeito].
5 – Na sua opinião, qual é o maior legado da sua gestão e que conselhos você daria ao novo gestor?
Eu creio que o maior legado que a gente deixa é a capacidade de uma prática administrativa intersetorial. Os nossos servidores públicos de carreira aprenderam, ao longo desses anos, a trabalharem conjuntamente. A saírem, a transporem aqueles limites da sua secretaria, muitas vezes vista como uma ilha, e a construírem pontes com outras secretarias, com outras unidades, compreendendo a política pública não como algo estanque, mas como algo dinâmico de várias facetas, como é a vida das pessoas e a vida em sociedade. Acho que isso vai ser um grande legado. Isso, claro, foi construído a partir do nosso programa de segurança pública e prevenção à violência, que foi o Pacto Pelotas pela Paz.
A partir daí, nós aprendemos a trabalhar em conjunto, a trabalhar de forma intersetorial, a unir objetivos, a compreender a nossa missão e o nosso desafio como algo interligado com várias facetas, com uma projeção múltipla sobre a sociedade, e também a trabalhar com outras instituições. O trabalho integrado, interinstitucional, também é algo que a gente deixa como legado, porque nós envolvemos servidores públicos nesse processo e envolvemos inclusive em posições de chefia, em posições de decisão, e isso vai permitir que, independentemente de quem venha, de quem seja o nosso sucessor ou sucessora, esse gestor encontre um ambiente propício e fértil para o trabalho integrado e coletivo.
6 – Considerando que este é seu último ano de mandato, quais são seus planos para o futuro e qual é sua visão em relação à continuidade de sua atuação na gestão pública após o término da sua gestão como prefeita de Pelotas?
Eu costumo dizer que não faço planos para o meu futuro político porque a política é dinâmica demais e se a gente olha muito para o futuro, esquece de olhar para o próximo passo. E eu tenho um grande compromisso, o maior de todos, que é cumprir o meu mandato até o fim e entregar uma cidade melhor do que aquela que eu recebi – porque eu acho que essa é a missão de todo gestor público. Nesse momento, eu estou muito focada no meu trabalho, de fazer as entregas e concluir o meu mandato com êxito, enfrentar os tantos desafios que ainda estão postos no meu caminho e fazer uma boa gestão. Quero chegar ao fim com a consciência de quem fez e deu o melhor de si. Esse é o plano para o meu futuro imediato.
Quando eu olho para a política, eu penso que a minha tendência é de continuar porque isso foi muito marcante na minha vida. Eu comecei mais tarde e a política transformou a minha vida. E isso me motiva demais, eu acredito que a política é a ferramenta mais capaz de efetuar transformações significativas e de dar vida às mudanças que desejamos ver no mundo e na sociedade.
Eu tenho vontade de prosseguir [na política], mas não sei de que maneira. Isso o futuro dirá. Quero dar minha contribuição, e acredito que todos os cidadãos e cidadãs podem dar a sua contribuição seja onde estiverem, a sociedade precisa de todos. Mas se eu puder estar em um espaço que realmente me dê essa condição de dar dimensão maior ao fruto do meu trabalho, eu vou fazer esse esforço – mesmo sabendo que nada é para sempre e que isso terá uma conclusão um dia.
Mas o fato é que eu levo comigo um grande aprendizado à frente da prefeitura de Pelotas e tenho certeza que, independentemente do que venha a acontecer comigo, e de qualquer espaço que eu possa vir a ocupar, nada será mais grandioso internamente, no sentido de mais tocante, emocionante, mais duro e, em alguns momentos, mais doloroso, mas mais transformador da minha vida – para melhor, claro – do que ter sido prefeita da minha cidade e ter recebido essa missão tão honrosa e essa confiança da população de Pelotas.
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