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Entrevista Regina Esteves: se a gente quer mudança, a gente tem que fazer essa mudança

Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas, discorre sobre os desafios e aprendizados da organização em seus 22 anos de existência

Foto da diretora-presidente da Comunitas, Regina Esteves. Ela tem cabelo castanho com partes mais claras, na altura do ombro, está usando roupa totalmente preta e está sorrindo

Crédito da imagem: Acervo Comunitas

Há 22 anos, a Comunitas surgiu com uma proposta diferente: modelar e implementar parcerias sustentáveis entre os setores público e privado, gerando maior impacto do investimento social, com foco na melhoria dos serviços públicos e, consequentemente, da vida da população. Afinal, o movimento de responsabilidade social corporativa estava começando a ganhar relevância no país. 

Ao longo dos anos, a Comunitas apoiou na implementação e desenvolvimento de mais de 400 frentes de trabalho, nos mais variados temas da administração pública, em vários municípios e estados, que ganharam projeção nacional e passaram a ser replicados em outros territórios. A implementação do modelo de governança compartilhada, valor tão caro à organização, proporcionou maior engajamento das lideranças empresariais e políticas, bem como dos servidores, secretários e da sociedade, e promoveu uma mudança importante na forma de se fazer política.

Na entrevista abaixo, Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas há mais de 20 anos, discorre sobre marcos importantes da história da organização, bem como acerca dos desafios, aprendizados e conquistas que não poderiam deixar de ser relembradas. Confira abaixo:

1. Como a Comunitas foi criada?

A Comunitas foi criada no ano 2000 com o papel de qualificar os investimentos sociais privados e elevá-los aos padrões internacionais, mas carrega em seu DNA o modo de atuação do Conselho da Comunidade Solidária, ao reunir e engajar o setor público, privado, academia e sociedade civil. 

A convicção da organização é de que as empresas brasileiras podem contribuir para a superação dos problemas de ordem econômica e social em diferentes regiões do país, aportando conhecimento especializado e ferramentas de gestão que podem garantir maior eficiência a projetos de benefício público e, assim, colaborar decisivamente com o desenvolvimento social do País.

2. Quais foram os maiores desafios da Comunitas ao longo da sua trajetória?

Em 22 de história, certamente o maior desafio que enfrentamos foi a pandemia. A Comunitas sempre priorizou a implementação de projetos de longo prazo, considerando a importância de ações de Estado, não de governos, para a perenidade das políticas públicas. Porém, durante a pandemia, é evidente que necessitávamos apoiar ações urgentes, que demandavam respostas rápidas das lideranças públicas. 

Com isso, nossas frentes de trabalho que já estavam em desenvolvimento não foram interrompidas, mas remodeladas de uma forma que funcionassem à distância. E, para além disso, também passamos a apoiar iniciativas emergenciais, como disponibilizar especialistas em saúde para apoiar governos nas decisões tomadas durante a pandemia, a exemplo de João Gabbardo, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, que no momento atua como coordenador executivo do Centro de Contingência da Covid-19 em São Paulo, e Januário Montone, ex-presidente da Agência Nacional de Saúde, que integra o comitê de enfrentamento à pandemia do Rio Grande do Sul.

3. Como era a atuação da Comunitas nos anos iniciais da organização e o que motivou a criação do BISC e do Programa Juntos?

Nos primeiros anos de sua história, a Comunitas se dedicou a orientar e apoiar a construção de estratégias de investimento social em institutos e fundações corporativos criados, na época, a partir da expansão da relevância do movimento de responsabilidade social corporativa no Brasil. Em 2008, a Comunitas entendeu que sua missão poderia alcançar maior impacto com um projeto que apoiasse a qualificação do campo do investimento social corporativo como um todo e foi então que nasceu o Benchmarking do Investimento Social Corporativo, o BISC.

Após alguns anos da criação do BISC, demos início ao Programa Juntos, que atua com o aprimoramento da gestão pública. Criado em 2012, a partir de uma demanda do próprio BISC, e desenvolvido a partir de 2013 em Campinas, por meio de um projeto-piloto, o Juntos traz, em sua metodologia, o legado da articulação intersetorial.

O nosso objetivo com a criação do BISC foi aprimorar a gestão social privada, qualidade e impacto do investimento social, influenciando, decididamente, na eficácia do gasto social, permitindo que o responsável pelo investimento compreenda como e onde investir de forma mais aperfeiçoada.

Além disso, por meio de uma parceria abrangente e inovadora com o Chief Executives for Corporates Purpose (CECP), organização norte-americana, e com The Global Exchange, rede de 16 organizações ao redor do mundo, consegue-se comparar esses investimentos aos padrões internacionais e promover um compartilhamento de insights e tendências mundiais, reunindo os mais expressivos líderes empresariais em prol do desenvolvimento social.

4. A Comunitas atua junto a grandes empresários do Brasil por meio das suas reuniões de governança. Qual é a importância desse modelo para a efetividade dos projetos?

Talvez um dos maiores trunfos do Programa Juntos tenha sido a constituição deste modelo de governança, que integra os diferentes setores da sociedade em um mesmo colegiado no qual a busca por soluções e a definição de estratégias e diretrizes é feita de forma transparente e com corresponsabilização de todas as partes. É a tradução mais fiel do que chamamos de governar com e não para a sociedade.

É abrindo as portas para o diálogo e a participação efetiva que as administrações públicas poderão se reinventar e responder aos anseios dos cidadãos e cidadãs, em uma gestão verdadeiramente colaborativa, feita por todos e todas e para todos e todas.

Nesse sentido, o Juntos vem se constituindo não apenas como uma quebra de paradigma do investimento social corporativo, ao reunir, em uma grande coalizão, líderes empresariais comprometidos com o desenvolvimento social e econômico do país, mas, sobretudo, como um novo paradigma de gestão pública, em que as velhas práticas políticas vão sendo paulatinamente substituídas por práticas inovadoras, compartilhadas, transparentes e realmente direcionadas para o conjunto da população.

5. Após 22 anos de Comunitas, quais são os maiores legados que a organização carrega?

Em anos de atuação, são mais de 400 frentes de trabalho desenvolvidas, nos temas mais diversos como Finanças, Saúde, Educação, Desenvolvimento Urbano, Engajamento Cidadão, entre outros. Além, claro, das soluções que foram replicadas para os mais diversos territórios brasileiros.

São iniciativas como a Rede Bem Cuidar, elaborada coletivamente a partir de ações que valorizem não somente o saber técnico, mas, também, que priorizem cuidado nas relações humanas, resgatando a confiança no atendimento público, tornando-se um agente propulsor de mudanças em todos os níveis de atendimento à saúde. Implementada em 2016, a rede conta com cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS) em pleno funcionamento – Bom Jesus, Simões Lopes, Guabiroba, Sanga Funda e Virgílio Costa.

Na mesma cidade, o Pacto Pelotas pela Paz, conjunto de estratégias integradas de prevenção e aplicação da lei baseadas em evidências, que, em três anos, já provocou a queda de 70% na taxa de homicídio na cidade gaúcha. Além disso, o projeto ainda serviu de modelo para iniciativas semelhantes em Paraty (RJ), Niterói (RJ), Caruaru (PE) e Araguaína (PA). 

Outro resultado está no litoral paulista, onde o projeto Mãe Santista recebeu melhorias no escopo, com a criação da Escola das Mães – desenvolvida com apoio da Comunitas, em 2016. O espaço proporciona atividades gratuitas para acolhimento e auxilia às gestantes com cuidados durante o pré-natal e as mamães de crianças de até 1 ano, Santos conseguiu reduzir o coeficiente de mortalidade infantil de 13,3, chegando a 6,4 em maio de 2022. 

Também temos exemplos em Campinas (SP), onde, em 2015, uma iniciativa promoveu o alinhamento entre os processos de aprovação de empreendimentos imobiliários, permitindo que o setor da construção civil se tornasse mais ágil, transparente, moderno e reduzisse o tempo de aprovação de empreendimentos. Uma das ações desenvolvidas foi a Aprovação Imediata Responsável (ARI), lei inédita no País que visa reduzir o tempo de tramitação e o estoque de projetos de empreendimentos imobiliários que aguardam aprovação. 

Como resultado, a mediana do tempo de aprovação de novos empreendimentos caiu de 107 dias, registrado no início do projeto, para 33 dias, mediana registrada em agosto de 2020 – abaixo da meta estabelecida de 35 dias. A iniciativa ainda foi replicada para Caruaru (PE), Goiânia (GO) e serviu de inspiração.

6. A mobilização para a construção da nova Fábrica de Vacinas do Butantan foi um marco na história da Comunitas. Quais serão os próximos passos da organização?

Sem dúvidas, a construção da nova Fábrica de Vacinas do Butantan foi um marco para a Comunitas não pela obra em si, que foi realizada em tempo recorde de apenas 24 meses, mas pelo que aprendemos com a mobilização para essa obra, bem como com o movimento que fizemos para angariar fundos para apoiar governos no enfrentamento da pandemia.

A atuação integrada entre a iniciativa privada e a gestão pública durante a pandemia nos mostrou um caminho muito interessante a ser seguido.

Claro, há muitos desafios para que isso aconteça. Precisamos começar inovando nos protocolos para institucionalizar parcerias público-privadas a favor do interesse coletivo. Hoje, temos políticas públicas analógicas para atender demandas digitais. Isso não apenas em relação ao uso de tecnologia, mas à estrutura dos governos que não integram as diferentes “caixinhas” do social, da saúde, da educação, da economia… 

7. Qual é o seu maior orgulho como diretora-presidente da Comunitas ao longo da trajetória da organização?

Naturalmente que os resultados que tivemos em programas como o Mãe Santista, Pacto Pelotas pela Paz, a Rede Bem Cuidar, a Fábrica de Vacinas, além de muitos e muitos outros exemplos, que viraram fonte de inspiração Brasil afora e impactaram positivamente a qualidade de vida da população, me enchem de orgulho. Mas eu não poderia deixar de citar o impacto que o meu trabalho causa na vida das pessoas que estão à minha volta.

Eu posso citar aqui, por exemplo, os meus filhos, que aprendem a cada dia que pequenas mudanças podem causar um impacto enorme nas pessoas que estão próximas a eles. É saber que a nossa rede é forte e que, juntos, podemos criar uma corrente que pode transformar o país. É ver o engajamento das lideranças públicas e empresariais nas diversas frentes de trabalho que temos em vários estados e municípios. 

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