loading

Glaucus Farinello: “O Mercado Municipal precisa ser ponto de inclusão das pessoas que lá estão”

O secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos (SP) fala sobre a importância da reforma do Mercado para o município e da parceria com a Comunitas para a viabilização do projeto

Foto de Glaucus Farinello. Ele é um homem branco, de cabelo castanho escuro.

Crédito: Santa Portal

A prefeitura municipal de Santos dará início às obras de reforma do Mercado Municipal. A revitalização do equipamento focará na modernização do imóvel, bem como na região do seu entorno, e faz parte da estratégia da gestão local de revitalizar a região central do município paulista.  

A partir da revitalização do Mercado e da implantação das novas estações do VLT e das Catraias (da rede pluvial de transporte), ambas no entorno do imóvel, espera-se que o equipamento histórico possa ser um agente transformador, gerando novos trabalhos, atrações culturais e movimento para esta região da cidade. Afinal, “o objetivo da revitalização é trazer prosperidade e movimento de volta para o centro”.

Glaucus Farinello, Secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos, explica, na entrevista abaixo, quais são os critérios técnicos, instrumentos legais e as parcerias que precisam ser feitas para que o projeto possa ser replicado em outros municípios.

1. Em um breve resumo sobre a revitalização do Mercado Municipal de Santos, como o projeto foi iniciado e com qual propósito?

Santos é uma cidade compacta, uma cidade que, embora tenha uma grande área continental, se concentra basicamente em uma área insular, na ilha de São Vicente. É uma das cidades mais adensadas e verticalizadas do Brasil, estamos em uma ilha com escassez de terrenos, uma área muito valorizada, próxima ao mar. Santos também é conhecida pela qualidade urbana, o santista é muito bairrista, a cidade é linda e nós temos o maior porto da América Latina, que nos traz riquezas, impostos, mas também traz consequências naturais no processo de urbanização, em especial o esvaziamento da região central em direção à orla em função das décadas de ocupação da cidade. 

O objetivo da revitalização é trazer prosperidade e movimento de volta para o centro. As parcerias com a Comunitas são diversas, em várias áreas de gestão pública e inovação, e já vêm acontecendo desde a gestão municipal anterior.

Quando surgiu essa nova frente de trabalho para discutir a cidade com um olhar mais urbanista, um olhar para o futuro, foi quando apareceu essa oportunidade de trabalho com o escritório Jaime Lerner.

2. Qual é o valor histórico e socioeconômico do Mercado de Santos?

O mercado é sempre um ponto cultural. No Terminal de Cruzeiros, chegam milhares de visitantes que vêm para Santos, nós temos uma média de 600 mil passageiros embarcando e desembarcando no porto na temporada de cruzeiros, com perspectiva de até 1 milhão de visitantes anuais. 

A gastronomia, em qualquer cidade turística do mundo, é um pilar fundamental, mas queremos trazer essa oportunidade e estabelecer esse vínculo com a economia criativa e inserir a população da região nesse processo a partir da Vila Criativa que lá funciona. As Vilas Criativas são pólos de acolhimento e de capacitação para os mais diversos ofícios – dentre eles, a gastronomia. 

Rogério, que conduziu a Secretaria de Governo na gestão do Prefeito Paulo Alexandre e coordenava as Vilas Criativas, dizia que o Mercado precisa ser mais do que um mercado, precisa ser ponto de encontro de jovens, de inclusão das pessoas que lá estão. Toda a região do Mercado tem um potencial muito grande, há também os passeios de barcos que fazem o translado entre Santos e Guarujá e visitam os mangues. 

Além disso, Santos foi a porta de entrada dos imigrantes no Brasil, por isso, revitalizar a área do porto e do Mercado de acordo com essa herança inclusiva e multicultural é muito importante.

3. Porque foi necessária uma revitalização do Mercado? Quais aspectos precisavam de melhorias?

O centro de Santos não é um centro geográfico, nosso centro está em uma ponta e a cidade avançou em direção à outra ponta, que se mostrou mais interessante: a orla. Nossa orla é muito bonita, temos o maior jardim de praias do mundo no Guinness Book, então é um grande dilema, sempre foi, tentar equilibrar essa balança, distribuir a riqueza que Santos tem entre o centro e a orla. 

Temos um patrimônio histórico incrível aqui no centro, mas que sofre por esse esvaziamento que não é de agora, mas de 50, 60, 70 anos. Então, já há algumas décadas, existem vários projetos que visam a requalificação do centro histórico, da região do Mercado Municipal. 

Como a região é muito carente hoje, com uma vulnerabilidade social muito intensa, o próprio Mercado funciona como pólo de capacitação e acolhimento. Vários instrumentos sociais ficam ali: o Bom Prato; a Ecofábrica, que ensina às pessoas um ofício. O Mercado é, portanto, um importante equipamento do centro histórico e da cidade de Santos, mas que não está em sua melhor utilização hoje em dia.

4. Quais etapas do projeto já foram concluídas e o que está planejado para ser feito nos próximos meses?

Fizemos uma licitação e já estamos analisando as propostas para que, nas próximas semanas, possamos iniciar essa grande obra. A primeira etapa tem um orçamento de 5 milhões de reais e a segunda, de 20 milhões. Tem sido uma honra poder participar desde 2017 desse projeto, muitas reuniões, visitas, pude acompanhar diferentes mentes brilhantes, trocar ideias.

A troca de experiência é muito, muito interessante! Trouxe produtos incríveis, propostas, provocações e até resultou em outros projetos que não o do Mercado.

Tudo o que foi discutido um tempo atrás continua sendo insumo para novas ideias de urbanismo para a cidade de Santos. 

5.  Como foi mobilizada essa ação? Quem foram os atores envolvidos no planejamento e quem ficará responsável pelas obras? Qual a importância do papel da Comunitas para a realização deste projeto? 

No trabalho com o escritório Jaime Lerner, a região central foi um dos temas mais importantes e, dentro dele, o Mercado Municipal, que é um dos protagonistas do processo de revitalização do centro. A partir dessa parceria, vários projetos foram desenvolvidos, amparados nas ideias e provocações que foram feitas pela consultoria. Em um segundo momento, também por parceria com a Comunitas, foi contratada a MW, empresa de arquitetura, para desenvolver os projetos do prédio principal do Mercado.

6. Como você pensa que a renovação contribuirá para o desenvolvimento socioeconômico da região da bacia do Mercado Municipal?

Em qualquer processo de revitalização urbana, existe a questão da gentrificação. É um processo muitas vezes natural, você tem uma área que está degradada, com um m² pouco valorizado e, muitas vezes, no processo de requalificação, você acaba aumentando o preço daquele lugar e as pessoas são excluídas ou expulsas desse processo de revitalização. Esse processo é bem variado, então a palavra gentrificação é bem ampla, tem várias questões que podem ser envolvidas. 

Comunidades tradicionais acabam sendo expulsas por opção, nem sempre é uma forçada, mas no caso o Mercado, que é uma área muito vulnerável, uma área de cortiços, de moradores de rua, então a estratégia é justamente utilizar o Mercado como meio de gerar empregos e oportunidades de renda para as pessoas ao seu redor.

Além disso, o Mercado Municipal é um ponto muito importante para o turismo de Santos, justamente por ter o porto, o terminal de passageiros, receber e a abrigar milhares e milhares de pessoas. Embora já tenhamos muitos projetos de revitalização, o Mercado é importante por trazer uma mescla da gastronomia local e internacional, afinal de contas, Santos foi a porta de entrada dos imigrantes no Brasil. E como próprio Jaime Lerner diz, a partir de pontos de acupuntura urbana se irradia um processo de transformação, mas o Mercado, com certeza, é um dos principais. 

Temos uma linha do VLT que vai conectar a cidade de Santos com a região do Mercado. Pretendemos fazer projetos ligados ao Mercado na área artística, social, comercial, urbanística. Um dos nossos desafios com turismo é fazer com que as pessoas fiquem em Santos, não cheguem apenas para embarcar, e acreditamos que o Mercado será importante para isso.

7. A obra também é centrada em um mercado municipal mais sustentável, com reaproveitamento de águas pluviais e climatização a gás. É possível quantificar os ganhos econômicos e/ou de recursos em que essas mudanças vão resultar? Se sim, como funcionará o monitoramento destes indicadores?

Hoje é uma obrigação pensar em projetos que sejam sustentáveis. Quando a gente fala em um prédio que é protegido pelo município, tem a sua importância histórica, riqueza arquitetônica, é sempre um desafio torná-lo sustentável. É um edifício que tem suas travas, tem que aprovar com o Conselho Municipal, você não pode adequá-lo. Então foi um desafio para a equipe da MW. 

A climatização a gás, por exemplo, foi pensada com a ajuda da Comunitas para tornar o prédio mais atrativo para os dias de hoje, assim como o telhado termoacústico, mas todas essas mudanças são sempre mais difíceis em patrimônios históricos. E sim, ao longo prazo pretendemos medir essas vantagens e prestar contas à sociedade dos ganhos do projeto, suas novas tecnologias. Não queremos apenas atrair turismo, mas também fazer isso com qualidade e consciência.

8. Por ser um projeto com bom potencial de replicabilidade, o que você mais julga imprescindível para o processo de revitalização de um bem público? Quais conselhos você daria a outros gestores municipais que possam ter interesse em desenvolver um projeto semelhante?

Eu acho que o mais importante, e o que a Comunitas nos deu a oportunidade de fazer, é essa reflexão com o escritório Jaime Lerner. Essa troca é muito importante, nós temos todo o pessoal especializado em Santos, mas com a Comunitas trazendo um novo olhar, novas pessoas, novas experiências, tudo muda. Essa é a grande lição. 

Eu acho que o gestor público precisa fazer isso, ouvir outras experiências. A revitalização do Mercado de Santos não vai ser facilmente replicada em outros lugares, mas essas trocas foram fundamentais para nós, pensar o que a cidade quer. Esse é o X da questão: buscar conhecimento e trazer conhecimento. 

Cada cidade tem seu desafio, sua particularidade, por mais que você estude e tenha o conhecimento local, na hora que você amplia seus horizontes o processo fica rico e começa a dar resultados inovadores e promissores. O que eu diria para os gestores é olhar um pouquinho fora da caixa, eu acho que às vezes as ideias estão no seu local, mas precisam ser discutidas com outras pessoas. A troca é fundamental!

Gostou desse conteúdo? Então não deixe de assinar a nossa newsletter e tenha acesso a mais conteúdos como esse!

Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *